Arte de Weberson Santiago
O critério que usamos para dar
nomes aos nossos animais de estimação é muito interessante. Gostamos de mostrar
nossos gostos no batismo de nossos bichinhos. Imagino que se trata de uma
tentativa de conviver com nossos ídolos ou uma mania de personalizar nossa vida
e exibir nossas predileções.
Meu pai, por exemplo, é saxofonista
e tem uma coleção com centenas de discos de vinil, com clássicos do jazz e
blues. Quando teve um casal de cães da raça Boxer deu o nome de Dexter Gordon e
Billie Holiday. Nas duas crias do Dexter e da Billie, os nomes dos dezesseis
cachorrinhos foram escolhidos das personalidades deste gênero musical, todos
com o pedigree registrando as influências artísticas da cultura afroamericana.
Não acredito na justificativa da
nomeação como uma forma de homenagem. Um artista qualquer não deve se sentir
honrado em ter seu nome em um cachorro, gato, papagaio, periquito ou qualquer
outro animal. Pense no clássico nome da música clássica. Se o compositor e pianista
soubesse que seu nome é usado no batismo dos cães, iria ficar constrangido ao
imaginar a cena:
― Beethoven, de novo você fez
cocô dentro de casa? Não pode! Menino feio!
Estou criticando a mania, mas o
verdadeiro motivo para isso foi a confusão em que me meti ao comprar um casal
de periquitos. Escolhi a melhor gaiola do pet shop: pé direito alto, balanço no
piso superior, banheira no piso inferior, lugar para três tipos de ração.
Escolhi a dedo os periquitos no
próprio criadouro, numa chácara onde a terra é fértil e os animais são bem
criados e cuidados. Na hora de escolher os nomes, resolvi homenagear o teórico
que mais admiro na psicologia: B F Skinner. Sigo sua teoria para fazer as
intervenções em todas as minhas atividades profissionais. Acredito na sua
teoria favorável ao reforçamento positivo e a diminuição de técnicas
coercitivas, devido aos subprodutos emocionais provocados pela punição. Pesquisei
sua biografia e descobri que sua esposa tinha o nome de Yvonne Blue. Era
perfeito, já que a fêmea era azul.
Assoviava para a dupla todos os
dias de manhã, trocava a água, soprava as cascas e completava a ração. Gosto da
arruaça que eles fazem pela manhã, acordam com disposição e alegram a casa.
Tudo ia indo muito bem até que um dia, quando acordei e fui ao encontro da
gaiola, encontrei Skinner morto.
Não entendi o motivo, não fazia
sentido. Achei estranho que a sua asa estava toda machucada, mas pensei que a
causa da morte era natural e que talvez Yvonne tenha tentado acordá-lo depois
que ele caiu no fundo da gaiola. Notei que ela foi ficando desanimada com a
solidão e com a Natália e a Anelise fomos comprar uma nova companhia para ela.
Comprei um macho, que batizei de Skinner II, e ficamos encantados por uma fêmea
albina, branquinha. Não resistimos e a trouxemos também. Demos o nome de Julie,
o nome real da filha de Skinner e Yvonne Blue.
Notamos uma hostilidade de Yvonne
para com Julie, que vivia separada dos dois na ampla gaiola. Passados alguns
meses encontrei Julie morta com as mesmas marcas na asa. Encafifado com mais
uma morte, preferi acreditar que o animal albino era mais frágil e que ela
havia morrido por isso.
Acontece que há alguns dias
encontrei Skinner II morto no fundo da gaiola. O mesmo machucado na asa e uma
mancha de sangue no bico de Yvonne me levaram à conclusão que tanto eu quis me
esquivar. Eu que dei o nome do psicólogo que era contra a punição, estava
criando uma periquita assassina e, além disso, colocando presas fáceis à sua
disposição.
Depois desta descoberta, Yvonne
conquistou para si todo o espaço da gaiola. É difícil aceitar que o animal que
criamos com cuidado e carinho pode não ter uma boa índole. Percebi que um
animal de estimação, por mais que eu queira atribuir características humanas, é
apenas um animal.
Percebi também que a justificativa
para o nome do bicho de estimação pode não ser a qualidade do homenageado, mas
o seu outro lado. Não é a toa que a cachorra Xuxa tem latido ardido e que o cão
Michael Jackson pula na perna da visita do sexo masculino e faz movimentos
obscenos. Não recomendo homenagens a Amy Winehouse, Curt Cobain, Jimi Hendrix e
Janis Joplin. Se arriscar, pode perder o seu animalzinho mais cedo do que
gostaria.
| O sentimento de
um animal não é diferente do sentimento de um humano. Ambos são produto de um
ambiente.
|
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria
Publicado na capa do Caderno Cultura, 01/10/2011, Edição Nº 1167.
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