sábado, 18 de novembro de 2017

Contrabando na Feira deOrganicos

Arte de Weberson Santiago



Acordamos animados num sábado de manhã e resolvemos fazer um programa diferente: visitar pela primeira vez uma feira de produtores de comida, produtos orgânicos e artesanato. Nos arrumamos para o passeio e pegamos a estrada.

Chegando lá, começamos a explorar as barracas, a conversar com os produtores e com as pessoas que estavam por lá. Ficamos encantados com esta forma de comércio de antigamente, onde ficamos mais próximos de quem produz e de trocar afeto numa relação de compra.

 A certa altura do passeio de compras, estávamos numa barraca de pães integrais com e sem recheios orgânicos. Já havíamos tido uma aula sobre fermentação natural e estávamos provando os recheios. Aliás, esta é outra delícia deste tipo de feira, você experimenta várias coisas e só leva o que realmente gostar.

Nessa hora, chegou um cliente antigo e a dona da barraca de pães nos pediu licença e foi lhe dar atenção. A senhora da barraca ao lado, que vendia antepastos em parceria com a do pão se aproximou e perguntou de canto de boca:

— Vocês são veganos?

Respondemos prontamente que não. Ela então olhou para os lados, abriu sua caixa de isopor e disse:

— Eu tenho um pernil aqui que ficou oito horas no forno – disse com a boca de ventríloquo para que as pessoas não pudessem ler seus lábios.

Me senti no meio da favela, comprando droga na boca. Imaginei a cena de alguma fiscal, tipo a Bela Gil, aparecendo na feira e passando por perto da barrada dela. “Ó os home!”, eu ia gritar, para ela ter tempo de esconder o pernil.

E como boa vendedora, ela sabe para quem oferecer: achou que tínhamos cara de gulosos. A Natália pirou na bandejinha transparente cheia de carne acebolada com azeitonas pretas. Eu estava na dúvida do recheio do pão e, enquanto a Natália pensava no pernil, ela já havia escondido a iguaria, quando ela soltou para a Natália:

— Nossa, mais que pele, hein, bem? – sugerindo que ela deveria repor as energias gastas na noite anterior mandando ver no pernil.

Não deu outra, a Natália sacou a carteira e levou “o produto secreto”. Tendo certeza de termos escolhido o que a feira tinha de melhor, continuamos o passeio.

Adoramos todos os produtos orgânicos que trouxemos, mas o que mais foi divertido comer foi o pernil. Passamos os dias seguintes lembrando da situação da sua venda e caindo na risada.
E como o proibido é sempre mais gostoso, o pernil deve ser o mais vendido da feira de orgânicos.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Divirta-se com as coisas simples.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 18/11/2017, Edição Nº 1486.

sábado, 4 de novembro de 2017

Rolé no Centro

Arte de Weberson Santiago



Outro dia eu caí numa cilada. A Natália me convidou para ir com ela no centro da cidade no sábado de manhã. O convite veio disfarçado de café da manhã na padaria com uma passadinha rápida em um lugar antes e um lugar depois, mas se revelou no que eu chamo como uma interminável peregrinação pelo comércio.

Minha mulher numa rua de comércio é como uma criança na sessão dos chocolates, como um homem na loja de ferramentas. As vitrines são convites, os produtos que ela gosta são como um imã que atraem a atenção e a puxam para dentro do estabelecimento. Um pagamento a vencer que só pode ser pago em uma loja envolve um convite para ver as novidades. E mesmo que ela não compre, parece que essa saída, o passeio e o entra e sei são terapêuticos, porque ela volta animada e renovada.

O pretexto é sempre uma pendência que não pode ser resolvida na semana: passar da farmácia para comprar o medicamento que está faltando ou um produto que falta no supermercado. Na prática, as necessidades se multiplicam como greemilings quando se joga água. “Será que naquela loja de um e noventa e nove tem aquele apetrecho de cozinha que está faltando?”, ao mirar a fachada. “Nossa! Ainda bem que estamos aqui, preciso comprar aquele presente para a nossa amiga que está grávida!”. Com isso, a saidinha tomou a manhã toda e se estendia pelo horário do almoço.

Se para ela o passeio estava ótimo, para mim foi uma tortura. Enquanto a gente entrava e saía das lojas eu pensava: “agora eu poderia estar nadando, adiantando aquele trabalho para a próxima semana ou até mesmo não fazendo nada em casa”. Como a irritação foi crescente, ela percebeu, cortou alguns compromissos e fomos embora.

Conversando em casa, combinamos que o sábado de manhã, depois do café, é cada um por si, fazendo o que precisa e o que gosta de fazer até que nos reencontremos para o almoço. Assim, ninguém fica aborrecido e insatisfeito. Temos outros momentos para ficar juntos.

Agora, a grande prova de amor foi o que ela me pediu no último aniversário: fazer compras na 25 de março em São Paulo. Respirei fundo, utilizei técnicas de meditação, reuni toda a minha disposição e passei seis horas acompanhando suas compras e cumprindo o check-list de desejos e necessidades que ela fez para o passeio.

O que a gente não faz por amor?

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Quando for convidar seu namorado ou marido para passar a manhã andando no centro, certifique-se que ele está disposto.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 04/11/2017, Edição Nº 1484.