sábado, 20 de fevereiro de 2016

O Que Faz da Sua Casa Um Lar

Arte de Weberson Santiago



Uma casa, para ser um lar, precisa de ter um par de vasos. As mais clássicas são a samambaia na varanda ou na garagem e a violeta no banheiro. Você pode optar por outras espécies, mas sua casa só será um lar se tiver algumas plantas. Para você provar para si mesmo que é capaz de cultivar e não deixar morrer uma planta.
Já é um bom começo, mas uma casa, para ser um lar, precisa de um animal de estimação. Ao menos um. Não vou entrar na rivalidade de quem defende que o melhor amigo do homem é o gato versus quem acha que o melhor amigo do homem é o cachorro. O importante é ter um melhor amigo de outra espécie dentro de casa, para que ela seja um lar. Um peixe beta, um pássaro ou uma tartaruga.
Se o bicho e a planta sobreviverem, isto significa que você já é capaz de dar conta de aumentar a sua família. Ainda assim, isso não é suficiente para que a sua casa se torne um lar.
Uma casa, para ser um lar, precisa ser perfumada de cheiro de café que acabou de ser coado pela manhã todos os dias. O aroma de café de manhã é o perfume que a casa passa para começar o dia. E, para ser um lar, a casa precisa ser dominada pelo cheiro de bolo ficando pronto de vez em quando.
Para que sua casa seja um lar, é preciso que tenha algum sinal de fé. Uma bíblia, um santo ou uma imagem. Aí você pode me perguntar: mas um ateu não tem lar? Eu lhe diria que até a ausência de um sinal de fé pode significar que existe fé. O esforço em negar é um tipo de fé. O que eu insisto em negar é tão ou mais importante do que qualquer coisa que me desperta a indiferença. E todo ateu acredita em alguma coisa, um dia você descobrirá no que.
Só que não basta ter fé para que sua casa seja um lar, é preciso ter pelo menos uma superstição. Elefante com a bunda virada pra porta, sal grosso para espantar o mal olhado, arruda ou pimenteira na fachada, figa na gaveta, patuá na bolsa. A superstição é uma mania e uma casa sem manias é uma casa vazia.
Uma casa, para ser um lar, precisa também de uma coleção. Coleção de latas de cerveja, de miniaturas de animais ou de carrinhos. Coleção de pratos na parede ou de canecas na prateleira. Coleção de canetas ou de selos. Coleção de moedas antigas ou coleção de caixas de fósforo de hotéis. E a coleção precisa estar exposta, visível para que os parentes e amigos possam lembrar de você, ajudar a aumentar a sua coleção e usar isso como desculpa para lhe visitar.
Só pode ser considerado um lar, uma casa que tem fotos. Antigas e recentes. Para se provar que tem história, para se provar que se valoriza o passado e o presente. Podem estar expostas em murais, álbuns, quadros ou em um par de porta-retratos.
Quando você tiver a maioria dessas coisas na sua casa, ela pode ser considerada um lar. Ou pode ser até que você tenha uma porção de outras coisas que demonstrem investimento, cuidado, carinho e afeto com o lugar onde você mora. Aí ela pode ser considerada um lar. E quando você for viajar, basta que você leve algumas trocas de roupa porque você será capaz de fazer do lugar onde você estiver um lar temporário, mesmo sem nada disso.
O que faz da sua casa um lar é o seu esforço em manter e melhorar o ambiente em que você vive. Quem consegue fazer isso pela sua própria casa é capaz de fazer isso pelas pessoas que cruzarem seu caminho, onde quer que esteja, mesmo fora de casa, mesmo longe de seu lar.
UM CAFÉ E A CONTA!
| O seu lar é o lugar onde habita a sua alma. Sua casa reflete a sua alma?

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 20/02/2016, Edição Nº 1395.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Exercício na Dose Certa

Arte de Weberson Santiago



Faz alguns anos que eu pratico natação por três vezes na semana. O horário que eu encontrei para encaixar o compromisso foi às seis da manhã. Um horário em que a maioria das pessoas tem disponível para praticar uma atividade física é antes de entrar no trabalho.
Vira e mexe aparece um novo praticante na piscina. Não é uma aula de natação, e sim um horário em que a piscina está disponível para quem quiser treinar. Naturalmente, enquanto damos os curtos intervalos entre as idas e vindas, aproveitamos para puxar conversa entre os nadadores.
Durante esta prática, assisti uma coisa acontecendo com diversas pessoas. Elas chegam extremamente empolgadas para começar a nadar. Ir e voltar, ou seja, nadar cinquenta metros, é algo exaustivo para o iniciante. A empolgação faz com que o iniciante empregue todo o seu vigor, como se estivesse brigando ou batendo na água.
Quando converso com este iniciante, percebo que a pessoa que está sedentária e quer retomar a atividade física. Só que não pensa em uma frequência e quantidade que realmente pode encaixar na sua rotina sem prejudicar outros compromissos.
Vou citar um exemplo. Teve um cara me contou que teve um filho há seis meses e que parou de praticar atividade física há alguns anos, mas que pretendia nadar e fazer academia todos os dias. Não precisou de vinte e cinco metros para eu pensar que seria difícil, com um bebê recém-nascido em casa e trabalhando de segunda a sexta, manter essa frequência. Na primeira semana ele foi todos os dias até no sábado. E nunca mais apareceu.
Percebo também que muitos ignoram que o corpo precisa de começar devagar para possa se adaptar gradativamente ao aumento da carga de exercício. Além do cansaço excessivo, aumenta-se muito o risco de lesão. Apesar da natação não ter impacto, as pessoas fazem muito isso com o retorno à academia, sem ter a dimensão do risco que correm.
De que adianta nadar três mil metros durante quinze dias e depois ficar seis meses sem fazer exercício nenhum?
Eu prefiro me manter nos mil metros e nadar três vezes por semana durante o ano todo, inclusive no inverno. Não, eu não sou insensível ao frio. Tenho o privilégio de ter uma piscina aquecida e coberta no clube. E mesmo que no frio dê uma enorme preguiça de ir, me obrigo. Só tem uma exceção que me faz ficar dormindo: quando estou excessivamente cansado. Aí o exercício não me fará bem, pois atuará como um estressor. Nesta condição, me permito faltar.
É preciso respeitar nossos próprios limites. Qualquer pessoa é capaz de perceber os sinais que o seu próprio corpo dá, desde que esteja interessado e disponível a se auto-observar. Nessas conversas de beirada de piscina, algumas vezes ouvi que nado devagar e que nado pouco. Na verdade, eu aprendi a dosar a quantidade e a velocidade errando.
Uma vez acordei empolgado e nadei dois mil metros. O dia foi cheio de compromissos de trabalho e a noite fui dar aula na faculdade. Os alunos de minha supervisão estranharam a bateria rebaixada. Perceberam que eu estava cansado e me disseram. Foi quando eu percebi que havia exagerado na natação.
Quando for começar ou retomar a prática de atividade física, comece devagar e escolha uma frequência que você é capaz de cumprir. Valorize os pequenos progressos e respeite os seus limites. Cada pessoa tem um tempo de aprendizagem e um bom educador físico sabe respeitar este limite.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Exagerar na dose é a maneira mais rápida de produzir a desistência.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 06/02/2016, Edição Nº 1393.