domingo, 26 de junho de 2011

Quermesses

Arte de Weberson Santiago


O melhor programa desta época do ano são as quermesses. A festa que acontece no bairro, no meio da rua, na praça ou no pátio da Igreja.

Mais conhecidas como Festas Juninas, costumam se estender até o final do mês de Julho. Elas podem durar uma noite até algumas semanas, em comemoração aos dias de junho dedicados aos santos da Igreja Católica. O dia 13 homenageia Santo Antônio, dia 24 São João e dia 29 São Pedro.

Antigamente, os céus nesta época ficavam cheios de balões. Durante a noite se via uma série de pontos coloridos enfeitando o céu em conjunto com as estrelas. Antes de lançar o balão, fazia-se um pedido para o Santo e deixava-se que ele chegasse até o céu. Hoje os balões são proibidos pelos incêndios que causam, mas os pedidos dos fiéis ainda são lançados.

Santo Antônio que o diga. Eu nunca vi um Santo capaz de suportar tanta agressividade humana. Por ter fama de casamenteiro é alvo de chantagens e intimidações das mais diversas. Colocá-lo de ponta cabeça é mesma coisa que não fazer o “pedido”. Andam ameaçando o Santo Antônio no freezer, cozinhando no meio do feijão e enterrando até que ele traga um novo amor.

No tempo da globalização, as quermesses não são mais exclusivas das cidades do interior. O festejo é mantido nas periferias das grandes cidades e nas escolas de todo o Brasil. Em cada região a festa tem seus costumes. O que é comum a todas é a dança, música, fogueira, fogos de artifício, comidas e bebidas típicas.

No sul, a dança de fitas que se cruzam ao redor de um mastro tem origem portuguesa e em conjunto com a vestimenta típica gaúcha, a bombacha, marcam a tradição ao som do Vanerão. O que não pode faltar é o churrasco. No Nordeste, a festa é embalada pelo Forró e pelo Baião. A dança do Boi-Bumbá é a marca registrada desta região e entre os alimentos mais pitorescos estão o aipim, o jenipapo e o leite de coco.

Na região Sudeste, a dança é uma crônica que conta a história de uma moça que ficou grávida e o pai exige o casamento. A quadrilha tem origem francesa, mas há muito tempo ganhou características nacionais. As vestimentas são feitas de panos coloridos com remendos e chapéu de palha, que fazem menção ao meio rural.

Na nossa região tem a barraca do milho, que aproveita a época da colheita e oferece pamonha, cural, milho cozido, canjica, pipoca e bolo de milho. Tem a barraca dos caldos, onde quem escolhe o de cebola, fica com vontade de comer o de feijão e vice versa. Tem a barraca do pastel, o sucesso entre as crianças. As porções generosas são a marca da barraca de doces e o pedaço de bolo é do tamanho da gula.

A combinação do frio com esta festa popular é a certeza de uma noite aconchegante e divertida.

UM CAFÉ E A CONTA!

| Queremos sentir que o que fazemos é importante, e que a forma que o fazemos é única.


Publicado no Jornal Democrata na coluna Crônicas de Padaria

Caderno Cultura, p. 3, 25/06/2011, Edição Nº 1153.


domingo, 19 de junho de 2011

Lugares Fixos

Arte de Weberson Santiago


Estou encafifado com a nossa encanação com os lugares. O gosto persistente pelo mesmo espaço.

Observo este apego com o lugar que ocupamos em sala de aula. Mesmo quando as carteiras deixam de serem escolhidas pela professora, as pessoas costumam se sentar sempre no mesmo posto. E aquele lugar vira cativo. Motivo de briga caso alguém se antecipe e venha a ocupa-lo.

A briga pelos lugares aparece durante o trajeto entre rodoviárias nos diversos pontos de parada até chegar ao destino. Quem sai do primeiro ponto tem a vantagem de escolher entre todas as possibilidades de assento. Em tempos em que os bancos são marcados na passagem, sempre sai um conflito na parada quando o passageiro que entra pergunta "Este é mesmo o seu lugar?" como quem pede licença.

Cada parada é uma dança de cadeiras, com quem entrou antes deixando o lugar escolhido para o que comprou o lugar possa tomar posse de seu direito de sentar.

Quando estudava em São Paulo minha sina era o busão em cinco horas de trajeto. Quando ia comprar a passagem na rodoviária, minha avó materna dizia que o melhor lugar para viajar é no meio, pois se o ônibus colidisse em um acidente, a maior probabilidade de danos era nas extremidades do veículo.

Eu ignorava o conselho e optava pelos últimos lugares do fundo. Acidente, para mim, era quando na escolha cega da marcação da passagem sentava próximo a uma criança birrenta ou de alguém que insistia em falar durante todo o percurso. Queria o sossego do silêncio e a possibilidade do cochilo ou da leitura. Não sou do grupo que tem problemas em percorrer as páginas enquanto estou em movimento na estrada.

Não concorro com o janelinha, aquele que precipita a necessidade da viagem para escolher o lugar com a melhor a imagem do caminho passando rapidamente. Prefiro a liberdade de ir ao banheiro sem pedir licença e a de pegar alguma coisa no bagageiro de mão sem estorvar quem está ao lado.

Somos fiéis aos lugares que ocupamos no casamento. Pelo menos no lado da cama. Este é definido de cara, negociado nas primeiras noites dormidas. Recentemente, a Natália teve uma infecção e precisou manter um cateter no braço para uma semana de injeções. Vivia com medo de perder a veia e ter que ser perfurada de novo. Acontece que o famigerado cateter ficava no braço que nos separava na cama. E conforme ela chegava perto, eu me afastava com medo de ser responsável pela perda da veia. Todo o meu cuidado com o braço custou certo afastamento e no dia seguinte troquei de lado na cama até que o tratamento acabou. Tirado o cateter, voltei ao posto inicial.

De repente, o espaço ocupado perde o sentido e precisamos mudar. É quando nos deparamos com o apego ao lugar, resultado da inclinação a ver as coisas do mesmo ângulo. Uma tentativa de tornar constante o mundo ao nosso redor, fixando o lugar do qual vemos o mundo. Mas se o mundo ao nosso redor muda, devemos procurar um novo lugar no mundo. Um novo ponto de vista. Uma nova perspectiva.


UM CAFÉ E A CONTA!

| As perspectivas e as dificuldades são como o sol e a lua, se alternam e desenham no céu o sentido da vida.


Publicado no Jornal Democrata

Caderno Cultura, p. 3, 18/06/2011, Edição N° 1152.

domingo, 12 de junho de 2011

Férias de Mim

Arte de Weberson Santiago



Caixa de texto: Arte de Weberson SantiagoVou te dar férias de mim. Um período de distância sem pensar na volta para o conhecido. É sumir e esperar que o desprendimento renove o olhar sobre a rotina.

Férias podem ter viagens. Um passeio de seus pensamentos por caminhos que minha presença impediria.

Compramos a passagem para uma data futura e levamos na bagagem a necessidade de passear pelo nosso passado.

Será livre para andar por aí, no destino escolhido e formar suas percepções do mundo.

Ao te dar férias de mim, viajo para ganhar distância de sua falta. Vou de barco, contemplando a calmaria do oceano e agüentando as ventanias e tempestades. Pego de surpresa pela onda, divido a responsabilidade da remada com aqueles que estão no mesmo barco.

Você vai de ônibus, olhando a velocidade da paisagem pela janela. O encargo de deslocamento atribuído ao motorista obrigando-a a perder-se em pensamentos, sem possibilidade de fugir da consciência. Conversas com passageiros na esperança de passar o tempo eterno do caminho.

Cansado, peço que alguém assuma o remo e deito ofegante no chão do barco. Sua companhia de conversa pega no sono. E o movimento do barco pelo mar e do ônibus pela estrada embalam nossos olhares para a lua.

Andando em direções opostas, nossas sensações voltam a se esbarrar.

O ponto de encontro das emoções ainda não sentidas. A fuga da experiência que não fica pra trás seja qual for o caminho. O sentimento presente que dá sentido ao passado.

Ao gozar férias de mim, precisou ir ao encontro da minha ausência. Ao te dar férias de mim, quis que amanhã fosse dia útil. Durante as férias que te dei de mim, cansou da conversa da poltrona ao lado.

Ao descer do ônibus, notou que seria impossível se deslocar para longe do sentimento. Eis que um distinto caminho se torna viável.

Ao aceitar férias de mim, descobriu que a liberdade do amor deveria ser consentida. Ao retomar desesperadamente o barco, percebi que repetir as remadas é algo insignificante para ir contra o mar do amor.

UM CAFÉ E A CONTA!

| A frieza é consequência do calor desperdiçado.

Caixa de texto: Arte de Weberson Santiago


Publicado no Jornal Democrata

Caderno Cultura, p. 3, 11/06/2011, Edição N° 1151.

domingo, 5 de junho de 2011

A Rosa do Profeta

Arte de Weberson Santiago

Caixa de texto: Arte de Weberson Santiago


Na ponte entre o Augusto Amato (92 anos) e o Augusto Amato Neto (27 anos), a Roseira mais frondosa já não embeleza mais o caminho. Perdemos nossa Rosa aos 88 anos. Brotou no caminho do Augusto Amato quando ele tinha 20 anos, se enamoraram por sete e viveram o casamento por 64. Um amor que soube atravessar as estações e nunca deixar de florescer.

Há três anos, descobrimos uma insuficiência cardíaca da Rosa, a qual investigada profundamente revelou uma beleza da vida. Suas três principais veias de circulação encontravam-se 100%, 70% e 40% entupidas, respectivamente. No entanto, as veias menores foram gradativamente se expandindo e deram a volta pelo lado externo do coração para garantir certa circulação. O médico especialista estimava que aquele quadro se desenvolvia há pelo menos 10 anos.

Embora belo, o episódio revelava uma impossibilidade de cirurgia e um prognóstico desfavorável. Em família, decidimos apoiá-la para que vivesse feliz o quanto fosse. Dona de uma energia de vida descomunal, sua porção de alegria era capaz de contagiar o mais sisudo dos mal-humorados. Era realista, mas ao mesmo tempo otimista. Agia na vida como se não existisse empecilho para aquele que tem vontade, e como se não faltasse resposta para quem tem a coragem de formular a pergunta.

Professora, ainda jovem lecionava aos filhos dos Industriais e Comerciantes Mocoquenses no Externato Santa Terezinha, aberto na própria casa do seu pai. Seus alunos eram os primeiros colocados no concurso para o Ginásio. Na Escola Oscar Villares, fundou uma cozinha para as aulas de Economia Doméstica e era rígida nas aulas de Trabalhos Manuais. Era o Taylorismo da Dona de Casa, em ritmo de fábrica na cidade de Mococa.

Na década de 70, encarava a estrada até Ribeirão Preto no volante para a então divulgada Psicoterapia. Reorientou sua vida em sessões com uma Psicóloga, demonstrando seu pioneirismo. Com sua filha, Rosa Maria (Maí), trouxe os natais mágicos de luzes e árvores de Natal para a cidade de Mococa na Ponto Verde Objetos, hoje Das Rosas Decorações. Como matriarca, foi verdadeiramente excepcional. Esteve incondicionalmente presente, cuidando, incentivando e reconhecendo aqueles que ela amava. Ela era a maior Roseira de nosso jardim.

Com a força desta história e com o significado simbólico de ser Augusto Amato Neto, fiz questão de ser presente na vida dela como ela foi durante toda a minha. Uma vez ouvi de um poeta que tenho cara, postura e voz de Profeta. O Profeta é aquele que sabe retirar a sabedoria da experiência do vinho, sem perder a estrutura do sangue.

Ocorre que o defeito do profeta é olhar pra cima com a mão no queixo e querer antecipar o que está por vir. É o vício de tratar o sentimento como se fosse o cliente e antecipar aquilo que lhe trará insatisfação. Com meu primo mais velho, Alexandre, instituímos o almoço na casa dos nossos avós toda sexta, assim que voltamos a morar em Mococa. E naquela mesa, toda semana, adubamos a Roseira e não deixamos de colocar água no Cravo.

Mesmo com o diminuir do fôlego, com a fraqueza da circulação e com o excesso de remédios, passamos aquele que foi o melhor de todos os Natais. Passado o ano novo, o Profeta foi tomado por uma aflição crescente a cada dia, mas errou na previsão. Não soube ao que atribuir a agonia que o havia escolhido. E sete dias antes da morte da Rosa, sentou pra discutir o futuro com a mulher. Sem se dar conta, quis ver como andavam as raízes das duas belas flores que tem alegrado o jardim da sua vida. Agindo como se antecipasse a perda da grande Roseira, o Profeta ignorava a própria profecia.

Houve tempo pra o namoro florescer e pra Rosa se despedir. Avisou o Profeta sete dias antes de partir que precisava arrumar um jardineiro, e que este ano inteiro em que ela mandava o dela cuidar do seu jardim, já havia sido a dependência suficiente. Internada, passou uma noite acompanhada de seu terceiro e último filho, Augusto Amato Junior. Acordou as duas da madrugada e passou duas horas revendo sua vida enquanto contava histórias. Mais uma vez precisou de um motivo para continuar adiante. Disse que queria rever o seu pai, enquanto aceitava a partida.

No dia seguinte, recebeu a visita do Profeta. Pediu que ele sentasse ao seu lado e segurou forte a sua mão. O Profeta esteve firme nessa missão, conseguiu lhe retirar alguns sorrisos, beijou muito seu rosto enquanto disfarçadamente puxou o ar o mais forte que pôde, na tentativa de não se esquecer do perfume da Rosa. O cravo passou toda a tarde ao seu lado e reiterou a ela o amor de 72 anos. O ar começou a lhe faltar no fim da tarde daquele dia, precisou ir para a UTI. Foram 48 horas respirando por aparelhos e se comunicando por bilhetes com a família.

E como ela sempre quis, no ritmo mais perfeito da cadência da vida, na última sexta, às 21h30min seu coração parou de bater. Partiu a Rosa do Profeta. Na sua última lição como professora da arte da vida, fez questão de ensiná-lo todos os segredos de como cuidar do seu próprio jardim. Foi lendo seu livro de receitas que o Profeta aprendeu a ser padaria dentro de casa. E desta passagem, ao decifrar a profecia, concluiu o Profeta: agora que a Rosa não faz mais parte do nosso jardim, será sempre regada e estará sempre florida em nosso coração.


Necrológio de Rosa Scarparo Amato («28/10/1922 – V04/02/2011)


UM CAFÉ E A CONTA!

| As melhores lembranças que deixamos são aquelas que são resultados de nossa presença verdadeira e cuidadosa.

Publicado no Jornal Democrata

Caderno Cultura, p. 3, 04/06/2011, Edição N° 1150.