sábado, 20 de setembro de 2014

A Luta Contra a Obesidade

Arte de Weberson Santiago


Augusto-Magro,
Quem escreveu esta carta e escondeu para que você a achasse é o Augusto-Gordo com 13 anos de idade. Escrevo pra te contar que estou cansado de ser gordo. Já apelei para todos os médicos e nutricionistas da cidade e da região, e sempre é aquela coisa de emagrecer durante um período e engordar tudo e mais um pouco depois. Desde criança com este excesso de peso. E é desde criança que as piadas e brincadeiras me enchem o saco. Outro dia os colegas da sala pularam todos juntos quando eu sentei, igual acontece na escola do Chaves quando o Nhonho se senta. As risadas em seguida – inclusive a da professora – me deixaram muito chateado. Saí da sala e fui chorar escondido atrás da árvore do pátio da escola. Voltei quando consegui fingir que não tinha ligado. Passei a prestar mais atenção nos defeitos dos outros depois disso. Eu posso ser gordo, mas sou inteligente. Quem me chama de gordo também tem defeitos e se alguém fala do meu defeito, rebato com o dele. Já tem alguns colegas que namoram, acho que eu nunca vou conseguir beijar sendo gordo. Começou uma moda de bailinhos na casa dos colegas. Para sair à noite, fui comprar roupa com a mãe numa loja de roupas para gordo. Nas lojas normais não encontro nenhuma que me caiba. Ainda bem que tem uma loja que vende roupa para gordo aqui na cidade, mas precisava ser tudo igual roupa de velho? Todos os amigos usam roupas fosforescentes - 90s rules man! - enquanto eu uso roupa de velho. Até tenho sido convidado para os bailinhos, dizem que eu sou engraçado, mas tenho passado a maior parte do tempo dançando com a vassoura. Outro dia dancei com a Maria Fernanda por três minutos até o Luiz Eduardo roubá-la de volta. Foi tão rápido, mas mesmo assim nem consegui dormir direito naquela noite. Como eu sei que você ficaria magro? Você sempre quis tanto isso pra passar o resto da vida sem conseguir.
Augusto-Gordo,
Tudo o que você queria aconteceu, e o que não queria também. Você ficou magro, mas se tornou empresário como seu pai e o seu avô. A sua obesidade foi resolvida quando a cirurgia bariátrica chegou no Brasil. Ainda bem que alguém inventou de amarrar o estômago e fazer uns desvios no intestino! Todos os elogios de aparência que você não ouviu, eu ouvi durante o ano a meio que emagreci aos poucos. Até experimentei ser pegador, mas não sirvo pra isso. Prefiro viver com intensidade uma única relação. Ainda me dá um trabalhão permanecer no peso ideal, não me livrei da nutricionista e a natação que você experimentou por um mês no ano em que me escreveu e não teve disposição para continuar é a minha grande paixão. Caio na piscina três vezes por semana e isso ajuda bastante a enfrentar o estresse da vida de empresário e a não engordar novamente. Para se aceitar e ajudar as pessoas a mudar você escolheu a Psicologia como profissão e gosta muito de trabalhar com isso. A rejeição social que você passou hoje é chamada de bullying, mas ainda é um desafio acabar com isso. Não só para com os gordos, mas para todas as diferenças que existem na sociedade. Todo mundo acha que aquilo que é ou aquilo que tem é melhor do que o dos outros. Os colegas que lhe tiravam sarro hoje fazem psicoterapia ou usam antidepressivos. Eles lhe ensinaram a respeitar todas as pessoas e as suas singularidades, simplesmente para evitar que elas tenham sentimentos como os que você teve. Aquelas mágoas e a raiva que você foi acumulando nas situações que te machucaram foram sendo resolvidas em quase doze anos de psicoterapias. Hoje você está casado com a Natália, tem uma filha de coração adorável e está muito feliz com a casa nova. A obesidade ficou no passado e talvez seja por isso que eu tenha orgulho dela ter feito parte da nossa história de vida, pois foi com ela que descobrimos a superação. Como isso foi resolvido, você arrumou uma série de ocupações e preocupações para se manter ocupado.


UM CAFÉ E A CONTA!
| Trocar de problemas é uma forma de evoluir.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 20/09/2014, Edição Nº 1323.

sábado, 6 de setembro de 2014

Onde Mora a Minha Casa, Habita a Minha Alma

Arte de Weberson Santiago



Gostaria de morar num bairro onde as pessoas não esperam o poder público arrumar a praça. Um lugar onde cada morador retira uma muda de seu quintal e planta no espaço coletivo. Sonho com um jardim coletivo para além dos muros que separam as casas, que encante a ponto de um morador doar um banco para quem quiser contemplar o lugar. Um lugar conservado por diversos pares de mãos, em que não haja coragem para sabotar, raiva para destruir, apenas vontade de colaborar com mais uma planta ou com a iniciativa de arrematar o trabalho com um comedouro que mantenha os pássaros por perto sem apelar à gaiola.
Gostaria de morar numa bairro que tivesse um mercadinho daqueles que vendem de tudo, mas por um preço justo. Onde eu possa recorrer quando tiver chegado do supermercado e constatado a falta de um ingrediente para conseguir cozinhar um prato. Um mercadinho com caderneta de papel com meu nome na primeira linha da folha e com os valores gastos nos dias do mês abaixo. Para que eu possa receber meu salário e ver o dono rabiscando os valores quitados.
Gostaria de morar num bairro onde existisse uma casa agropecuária para eu comprar ração para a nossa gata, comida para os nossos peixes, painço pro nosso periquito australiano e semente de girassol para a nossa calopsita. E lá encontre a ferramenta que se fizer necessária para um conserto ou manutenção e que ainda não exista em minha caixa de ferramentas. Um lugar onde eu possa confiar nas dicas sobre qual dos produtos deva escolher e que me ligue quando tiver acabado de chegar o que eu procurei e não tinha mais.
Gostaria de morar num bairro onde no fim se semana passa um sorveteiro apertando a buzina, que aos meus ouvidos vai aumentando de intensidade e sinaliza que ele se aproxima do meu portão com seu carrinho cheio de sorvetes. Para que eu possa levantar correndo a procurar por moedas espalhadas em potinhos, bolsos, carteiras e no coxim do carro e encontre um valor suficiente que possa alegrar nossa tarde com um trio de picolés, antes que a buzina vá se distanciando e vire a esquina.
Gostaria de morar num bairro onde as pessoas trocam aquilo que tem em excesso em suas despensas. Que eu ganhe mangas do quintal e a Natália oferecesse um pedaço de bolo que acabou de assar como expressão do nosso agradecimento.
Gostaria de morar em um bairro onde eu possa oferecer a penca da bananeira do meu quintal que pende pro terreno do vizinho à sua família. E como retribuição, ele permita que os galhos da sua primavera branca ultrapassem e invadam a minha fachada e deixem o semblante da minha casa mais feliz.
Gostaria de morar num bairro com um morro onde exista um Cristo Redentor – ou “Rebentor” como dizia a Anelise quando era menor – de braços abertos para o novo dia, espiando lá de cima, com fé na minha partida para mais uma jornada e abençoando meu retorno.
Gostaria de morar num bairro onde há uma sinfonia de galos na alvorada, para que eu possa acordar lentamente conforme eles forem cantando nos quintais e galinheiros da redondeza. Prefiro o canto dos galos ao despertador que imita um galo eufórico sem intervalos.
Mas eu moro num bairro assim. Por que todo mundo não pode morar num bairro assim?
Por que nem todo mundo tem como sonho viver em um bairro assim. Sem sonho não há comprometimento em construir uma nova realidade. Um sonho compartilhado é o projeto de uma nova realidade, em que basta que o primeiro tome a iniciativa para que os outros imitem a atitude. E a nova realidade começa a tomar forma e funcionar.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Enquanto houver lugar para os relacionamentos humanos nos bairros da cidade, haverá a esperança da cooperação superar o individualismo em nossos espaços de convivência.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 06/09/2014, Edição Nº 1321.