sábado, 16 de fevereiro de 2013

A Vida Continua Depois do Carnaval

Arte de Weberson Santiago


Quarta feira de cinzas, 14 horas, dia chuvoso de fevereiro. Hora marcada para a reunião dos integrantes do “No Comando do Seu Peso”, um grupo que se encontra com o objetivo de incentivar a “eliminação” de quilos indesejados. Cristina é a presidente da reunião, comanda o grupo, leva materiais para discussão e acompanha os resultados da balança. Algo discreto. Sobe-se no pesadouro em frente aos demais presentes.

O que importa a tal privacidade se Cristina conseguiu “eliminar”, como ela própria diz, 45 quilos sem cirurgia? Cada membro novo que chega às reuniões, ela exibe a foto de um passado obeso. Aquela foto que durante muito tempo ela tinha horror só de imaginar, hoje usa como medalha pendurada no pescoço. O programa americano adaptado no Brasil diz que o líder deve ser um exemplo de comportamento.

Depois de mais de uma hora de palestra temática para aprender a diferenciar a “fome física” da “fome compulsiva”, o que segundo Cristina “é a chave do sucesso”, abre-se espaço para quem quiser falar. O momento que precede a pesagem mais parece um confessionário de farras alimentares.

Tereza, 43 anos, casada, 2 filhos que moram em outra cidade, 112 Kg, pede a palavra: “Sempre gostei de carnaval. Esse ano eu fui assistir ao desfile das escolas de samba da cidade. Meu marido, como sempre, não quis me acompanhar. Os meninos foram viajar com os amigos. Então chamei e Kelly, minha vizinha, e fomos pro sambódromo. Como na semana passada aprendemos a nos preparar para quando saímos da rotina alimentar, peguei uma sacola térmica e coloquei os lanches do jeito que mandava a dieta. Aí, tivemos que chegar cedo pra pegar um bom lugar. Esperamos na fila no meio de um monte de gente e quando olhei para o lado, cadê a sacola de comida? Algum esfomeado ficou de olho e pegou quando me distraí com o aquecimento da bateria. Aí, sabe como é, né? Aquela vaca da Kelly, magra de ruindade, ficou do meu lado comendo tudo o que passava vendendo. Era churros, pastel, pipoca, amendoim... Eu fiquei lá mais de 12 horas, como não ia comer nada? Mas eu tentei controlar a quantidade...”.

Marcos, 52 anos, solteiro, 169 quilos, interrompe dizendo: “É por isso que eu não gosto de carnaval, uma bagunça, aquele povo bêbado, aquela pouca vergonha. Não vou a um lugar desses nem me pagando. Fiquei o feriado todo em casa. Assisti alguma coisa pela televisão, até porque só passa isso. Na segunda, eram três horas da manhã, aquele desfile sem fim e a narração sem graça da TV, começou a me dar uma fome... Não compro mais doces, pra não ter recaídas nessas horas. Como não tinha nada de sustância, me deu vontade de comer caqui porque eu tenho um pé em casa. Fui lá no fundo e matei minha vontade: comi três dúzias de caqui”.

Em meio às risadas incontroláveis e patéticas, Maria, 37 anos, deprimida e solitária com seus 143 quilos: “Eu não vejo graça nessa história do caqui. Até acho que vocês dois deveriam comemorar. Um não queria sair e ficou em casa. A outra não deixou de fazer o que queria. Meu carnaval foi mais trágico que isso, essa data completa 12 anos...”. “Que o seu namorado te largou, abandonou sem muitas explicações e levou tudo o que você tinha, não é, Maria?”, antecipa Marcos. “Sei que vocês já estão cansados da minha história, mas eu nunca me senti tão sozinha. Não sei onde eu achei forças para ir até o salão de festa do condomínio, onde todo ano fazem uma matinê. Bem que tentei paquerar por lá, mas o único homem desimpedido era o Seu Joaquim, aposentado e viúvo de 78 anos. Resumindo, já que vocês sempre ficam irritados com as minhas histórias: esse meu carnaval teve confete e serpentina. Enchi a cara de chopp na festa do condomínio e terminei a noite comendo chocolates coloridos no sofá da sala, sozinha”.

“Que tal vermos como cada um está em relação a sua meta, pessoal?”, diz Cristina.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Se o ano começa depois do carnaval, deixa eu me apressar que agora é pra valer. Pelo menos até o próximo feriado.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 16/02/2013, Edição Nº 1239. 

sábado, 2 de fevereiro de 2013

A Admiração Está Nos Olhos de Quem Vê

Arte de Weberson Santiago



Quando ela me vê descobrindo as coisas e os lugares da cidade, admira a minha capacidade de encontrar as novidades que estão escondidas nos percursos de sempre. Enxerga um desbravador de oceanos em busca do novo continente onde existe apenas um curioso.

Quando ele me vê trabalhando por muitos dias seguidos sem folga, admira a minha capacidade de encontrar forças onde deveria faltar disposição. Avista uma mulher de super poderes onde está apenas uma pessoa que batalha muito para conquistar o suficiente.

Quando ela me vê trazendo um objeto novo para uso de toda a família, acredita que se eu quisesse seria capaz de fazer um calendário de surpresas diárias.

Quando ele me vê cuidando de casa, me diz que as coisas que eu fiz e os lugares que passei sorriem com semblante de felicidade.

Quando ela me vê cuidando das plantas, imagina que vai receber o carinho das pétalas.

Quando ele me vê cozinhando, pensa que vai lamber o prato.

Quando ela me vê quieto, emudecido, fica tentando entender o silêncio. E com o passar dos anos, ficou boa em acertar o que me entristeceu.

Quando ele me vê cansada, me sugere um banho. Sabe que eu vou me sentir nova ao sair da ducha.

Quando ela me vê produzindo, diz que ninguém é mais criativo do que eu.

Quando ele me vê trabalhando, se esconde para ficar olhando minha maneira de interagir. Ele sorri quando lhe pego me olhando. Como quem estava contente em espiar e fica decepcionado em ser descoberto.

Quando ela acorda depois de uma noite de sexo, fica mais bonita. E ouve das pessoas naquele dia que está mais bonita.

Quando ele dorme depois do sexo descobre que o sexo continua nos sonhos.

Quando ela me vê entrando em casa carregando o pão junto ao peito, ao invés de segurar o saco dependurado, pensa que eu só poderia ser um ótimo pai.

Quando ele me vê cortando o mamão em metades, pensa que retirar as sementes e levar os dois pratos à mesa é o sinal de um verdadeiro encontro.

Quando ela me vê de olhos cansados, imagina que é um sorriso de ponta cabeça.

Quando ele me vê de olhos marejados, fica enxugando as lágrimas que escorrem para formar uma poça de esperança. Encharca os dedos indicadores para secá-los apontando as perspectivas.

Amar é não ser cego para o dia a dia. É ver nos olhos de quem se ama quais são seus próprios sentimentos.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| O sol de quem ama nasce na luz dos olhos do seu amado. O céu de quem ama está no contorno dos olhos enamorados.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 02/02/2013, Edição Nº 1237.