terça-feira, 26 de maio de 2009

A Permissão

Julho de 1952. Foi trazida da fazenda onde nascera para a cidade por uma família. Seria empregada, morando na casa onde trabalharia. Uma bela jovem que queria viver, não sabia bem o quê, mas queria. A cidade tinha uma cara rural, até a proximidade das casas era igual a da colônia da fazenda. Na ânsia de viver, um olhar durante o passeio pela manhã com um dos filhos daquela família pela praça deu graça ao seu dia. A ausência do pai lhe permitia certos pensamentos.

Em mais um dia de trabalho na casa do industrial, enquanto cumpria a rígida rotina imposta por sua esposa, deixou cair uma panela e se machucou. Prontamente foi levada ao médico pelo patrão. Este passou o tratamento, e voltaram pra casa. Curiosamente, quando o machucado estava fechando, voltava a abrir. Intrigado, o patrão levou a outro médico. Tratamento seguido, o ferimento ia cicatrizando, mas perto do fim, voltava a abrir.

Preocupado com o vai e vem do problema, o industrial resolveu levá-la a um especialista de um centro médico da cidade grande. Ao chegar, mais uma vez foi atendida e o tratamento receitado. Voltaram ao interior e mais uma vez: quando perto da cicatrização total o ferimento abria. No retorno ao médico, ele foi enfático:

- Não é possível! Ela ficará internada!

- Internada, Doutor? Mas sequer preparamos uma troca de roupa! – questiona o industrial.

- O Senhor terá de providenciar em alguma loja.

E em nome da resolução, lá vai ele em busca de camisola, calcinha e sutiã. Ela não se importou, achou que seria muito bem tratada naquela suíte toda decorada em rosa claro no hospital da universidade. Além do mais, nada como a permissão da doença para um descanso do trabalho.

E segue o patrão, que volta ao interior, busca a família da jovem e leva para visitá-la. Em pouco mais de uma dezena de dias, o machucado cicatriza. Tendo corrido tudo conforme esperado, recebe alta e retorna. Estampada em sua feição certa alegria em voltar e a saudade daquele quarto rosa claro que ia ficando cada vez mais distante.

O industrial e Arlete, esse era o nome dela, voltam ao trabalho e a casa à rotina. Eis que um dia ela pede para conversar com o casal de patrões. Desespero pra dizer. Tinha embuchado. Grávida. Prenhe. Na hora o industrial disse: “Vou te levar pra fazenda, você precisa conversar com seu pai”. Perguntam daqui, questionam dali e ela conta: colocava a escada no parapeito da janela. Saía a noite para encontrar aquele rapaz que conheceu no passeio pela praça. A perna não cicatrizava, pois o vuco vuco era intenso há um bom tempo.

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Pela primeira vez desde o início do Observatório, a crônica não entra na segunda-feira. Excesso de trabalho. Peço desculpas se alguém veio em busca dela e se deparou com a da semana passada.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Acompanho

Sempre que ela chega o ambiente fica mais interessante, mesmo quando mal humorada ou desanimada. Quando está assim, olhando pra baixo e alguém se aproxima, não mexe o rosto, apenas levanta o olhar.

Não são raros seus momentos de alegria e empolgação. Nestes momentos está sempre em contato com as pessoas, o que faz com graciosidade. Só não mede a força quando brinca dando tapas ou cutucando alguém. Outro dia lhe perguntaram se assim era seu carinho, como seria sua agressividade. Ela riu e ninguém conseguiu ficar bravo.

Seus cabelos de pontas claras e sua pele morena queimados de sol seguem passeando pra lá e pra cá. A risada no rosto é marcada pelo seu queixo proeminente. Gosta de ouvir black music americana, talvez pela persistência e determinação dos negros de lá.

Consegue se inspirar na truculência do basquete sem perder o mais insignificante e desejável sinal de feminilidade. Quer fazer faculdade em escola americana. Tem muito pela frente e levará boa parte de como é para o futuro. Ela não briga consigo mesma, e nem precisa.

Pede ajuda quando precisa e resolve desentendimentos, é pacificadora. Já brigou várias vezes comigo por trocar a letra “z” pelo “s” no seu nome que, por sinal, tem o significado de lutadora. Ela implica com minhas músicas, fazendo me sentir um velho, mas sempre está aprendendo comigo. É uma via de mão dupla.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Rosa

Aos dezesseis dias de outubro de mil novecentos e vinte e dois ela nasce envolta pela placenta. Sinal de prosperidade. Torna-se a uma das preferidas dos mais de dez filhos. Pai construtor, mãe dona de casa. Descendente dos italianos chegados na década de 1890. Quando criança vivia explorando a pequena cidade de Mococa dentro dos limites daquela época. Quando criança passou pela rua e viu um tapete sobre o parapeito da janela com uma coleção de prataria sobre ele, ali dispostos enquanto a dona limpava a casa. Não hesitou. Puxou, correu e ouviu o estardalhaço.

Já adolescente conheceu um rapaz. Muitas conversas depois foi convidada por ele para ir ao cinema. Ele pagou, mas ela não gostou. Retirou o dinheiro e o deu, mas ele pegou e jogou longe. Era o começo de um amor, com direito a algum irmão contra a relação e outros tantos a favor. Em um baile de carnaval, vestida de marinara (marinheira) e ele de terno claro, se pegou com ciúme de outra garota. Não pestanejou e jogou uma taça de vinho no terno dele. Casaram-se e tiveram três filhos.

Era professora. Tinha a fama de brava para muitos. Alguns a consideravam impiedosa. A aula começava com uma chamada de verificação de material. A lista entregue com antecedência as alunas era lida e elas deveriam levantar o material. Se faltasse algo, eram retiradas da aula de Economia Doméstica, obviamente assistida apenas por meninas. Eram ensinadas habilidades básicas de cuidado e úteis para o dia a dia de uma casa.

Quando jovem, foi uma das primeiras mulheres a tirar carteira de motorista. A dificuldade com o automóvel foi superada com uma lata de manteiga, presente de seu marido ao instrutor. Embora sua vocação para a inovação fosse perceptível, sentiu o peso das pioneiras que conciliavam vida profissional e familiar. Procurou uma psicoterapeuta em Ribeirão Preto. Saia sozinha e enfrentava cem quilômetros de estrada de terra todas as semanas. Aprendeu muito, reviu posturas, descobriu mudanças.

Os filhos foram se casando e os netos nascendo. Avó presente, sempre disposta a ajudar os filhos e netos. Dois netos médicos, uma arquiteta, um psicólogo, um publicitário. Já com sessenta anos de casada e mais de oitenta de idade, seu maior medo é a morte. Medo possível apenas para aquela que soube e sabe amar a vida, ser pioneira na concretização de seus sonhos e ser parceira de quem a cerca.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Competição de Natação

Aquecimento

Bagunça ordenada às sete da manhã, hora de preparar o corpo para a etapa de provas. As pessoas procurando um lugar pra se acomodar e viver as emoções da competição. O sol chega para aquecer o frio deixado pela madrugada. A piscina de vinte e cinco metros preparada, uma estrutura montada para receber atletas, técnicos, clubes, familiares, imprensa e espectadores. Orgulho em ver essa reunião de pessoas nesta casa.

Primeira Etapa

As provas começam. Os quatrocentos metros estilo livre exigem dos fundistas a dosagem correta de velocidade e energia durante os mais de quatro minutos de prova. A estratégia deve estar clara para os nadadores fazerem uma boa prova. Os cem metros estilo borboleta são característicos pelas braçadas simultâneas de grande dificuldade. Trata-se do único estilo que concilia duas pernadas para uma braçada, fazendo qualquer erro gerar um efeito em cadeia nos movimentos subseqüentes. Um pouco de trabalho em equipe na natação aparece no revezamento quatro por cinqüenta metros medley, nesta etapa para os petizes.

Cerimônia de Abertura e Desfile das Delegações

Interessante notar que a abertura do evento ocorre antes da segunda etapa, juntamente com a apresentação das oito equipes regionais. Trezentos atletas. Momento de admirá-los fora de seu ambiente natural: a água. Alguns homenageados e chega a hora de competir.

Segunda Etapa

Tradicional, os cem metros nado livre é uma prova rápida e emocionante. Enquanto as cabeças submergem e emergem nos cem metros estilo peito, algumas nuvens começam a se formar, resultantes da bela manhã de sol. O tempo fecha; chuvisca; chove forte. Tudo pára por vinte minutos, todos procuram um abrigo à espera da chuva diminuir. As provas são retomadas enquanto ainda chuviscava. A chuva pára e deixa o frio e a umidade. Mais uma prova de revezamento medley, agora para os infantis, e o primeiro dia de competição termina.

Terceira Etapa

Por volta de duas horas da manhã começa a chover novamente e às seis horas é possível perceber que a chuva não dará trégua. Para o atleta, mais uma variável que pode interferir no desempenho em competição. Manter o corpo aquecido. Brigar com a água da piscina enfrentando a água da chuva. Durante os cem metros nado costas, a rotação alternada de braços em sentido inverso se destaca. A prova mais curta da competição é os cinqüenta metros nado livre, disputa forte de velocidade. Nos duzentos metros nado medley, talvez se dê melhor o atleta mais completo. Espera-se que o bom desempenho nos estilos nos quais o atleta é especialista o dê vantagem de tempo para nadar os demais estilos. Um bom desafio para o atleta do medley é desenvolver habilidades essenciais em cada um dos quatro estilos. O revezamento medley para os atletas juvenis é a última prova. Fim das provas. Dever cumprido.

Premiação das Regiões e de Índices Técnicos

Embora seja um esporte individual, a natação torna-se coletiva quando as provas individuais somam pontos para as equipes de cada região, que são premiadas ao final. Os atletas que demonstraram habilidades mais excepcionais são reconhecidos por seus índices técnicos.

Fechamento

Todos encararam seus limites. Os dados de tempo são soberanos neste esporte. Ainda resta a tarde do sábado para comemorar os progressos e o domingo para o descanso merecido. Os limites e falhas evidenciados começam a ser trabalhados na segunda-feira. Competição importante em vista no calendário.

Vida de atleta! Trabalho de equipe técnica! Competição de Natação.

A.A.N.

02 de Maio de 2009.

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Crônica sobre o XVI Troféu Kim Mollo – Campeonato Inter-Regional de Natação, realizado dias 1 e 2 de Maio de 2009, na Associação Esportiva Mocoquense (Mococa/SP), cuja equipe sou psicólogo.