sábado, 30 de dezembro de 2017

O Que Você Aprendeu no Ano que Passou?

Arte de Weberson Santiago



O final do ano se aproximando nos faz refletir sobre o que produzimos durante os meses que se passaram. Como eu comecei o ano e como estou terminando? Quais foram minhas conquistas e quais foram as minhas perdas?

O prazo de um ciclo se fechando costuma ter um efeito psicológico. É um período de recolhimento, de reflexão, de introspecção. É assim antes do aniversário, quando concluímos um curso, quando o ano termina, e em muitas situações de fechamento, de encerramento, de conclusão.

Muitas pessoas sentem desconforto com os sentimentos gerados por estas situações, não lidando bem com o que um final lhe gera no mundo das emoções. Ainda mais quando a reflexão fica distorcida pelo olhar que teima em enxergar mais os eventos negativos do que os positivos.

Os ganhos precisam ser reconhecidos e agradecidos, mas é muito importante que reconheçamos através dos nossos próprios sentimentos negativos aquelas situações ou pessoas que nos incomodam e nos fazem sofrer. Só quando encaramos este tipo de sentimento e o contexto que nos deixa assim é que podemos mudar a maneira com que enfrentamos essas situações.

Na verdade, nós nos acostumamos com o que é ruim. Não me esqueço de um caso que me relataram de uma mulher que tinha um marido violento com quem foi casada por trinta anos, que passou alguns anos lamentando sistematicamente a sua morte. E também não me esqueço de um conhecido que sempre reclamava do seu chefe, mas sempre preferiu o chato conhecido do que correr o risco de encarar o desconhecido em um outro trabalho. Eles se acostumaram com o que lhes era ruim. Buscaram coisas e situações para se distrair de seus sentimentos e pensamentos negativos que lhes diziam que era hora de mudar.

É justamente isso que faz com que vivamos uma vida sem valor, que constatemos que o balanço de um ano foi negativo. Comemore suas conquistas, mas não ignore as lições que as experiências ruins lhe proporcionaram e não tampe os seus ouvidos para os recados que os seus pensamentos e sentimentos negativos lhe dão.

O que faz com que a vida valha a pena é agir na direção do que faz o nosso coração arder de vontade de realizar. Que pode estar distante, e mesmo que só possa ser conquistado com muito sacrifício e aos poucos, você escolhe se entregar à busca. A vantagem é que cada passo dado nesta direção se torna, por si só, uma realização.

E nesse novo ano que começa, você vai passar fingindo que não vê os seus incômodos ou vai passar agindo na direção do que você valoriza?

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Pode ser que não dê para mudar de imediato, mas quando aguentamos o que é desconfortável mais um pouco em nome de algo maior, o incômodo diminui.
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 30/12/2017, Edição Nº 1492.

sábado, 16 de dezembro de 2017

Natal com Fé

Arte de Weberson Santiago



Maria Celeste estava cansada da vida.

Cansada dos problemas financeiros por conta da crise. Do aumento das contas e do salário que não é suficiente para pagá-las. De viver apertada. De não poder dar tudo o que gostaria para os seus filhos.

Cansada da roubalheira da política, de ter de pagar pela inconsequência da ganância alheia. Ela que nunca roubara nada, que cresceu com o pai repetindo que “se para vencer estiver em jogo a sua honestidade, então perca. Assim será sempre um vencedor.” Ela que não gostava de apelar ao jeitinho, estava enojada de se deparar com pessoas tentando usar da esperteza para beneficiar a si mesmo, prejudicando as outras.

Exaurida de ter de cuidar dos problemas de saúde de seus pais idosos. De se deparar com o medo de perde-los, de angustiar-se ao vê-los experimentando a decadência do corpo e o fim da vida.

Cansada  de ser julgada. Pelos professores da escola pelo desempenho dos filhos. Pelas amigas pela falta de cuidados consigo mesma. Pelo patrão que não entendia seus problemas particulares. Por si mesma, que não aceitava os quilos ganhos e se culpava de vez em quando por não conseguir emagrecer.

Maria Celeste estava exausta de tanto correr e cansada de não ter férias. O ano havia passado rápido e ela estava cansada. Quando percebeu, o Natal estava chegando de novo.

Foi quando ela se viu irritada só de pensar que teria de montar a árvore de Natal e enfeitar a casa que Maria Celeste percebeu que algo estava errado com ela.

Ela havia sido consumida pelas dificuldades e, mesmo que estivesse dando conta das demandas de sua vida, em muitos momentos era tomada por sentimentos e pensamentos negativos. Tinha horas em que ela queria sumir, desaparecer.

Maria Celeste percebeu que, se nada fizesse, passaria o Natal sem fé. Tomou a decisão de cuidar de se mesma. Aproveitou a pescaria do marido no fim de semana e mandou os filhos para a casa da avó. Ela aproveitaria seu final de semana.

Ajeitou a casa, tomou um banho de ervas e sal grosso, arrumou os cabelos e fez a unha. Quando ficou pronta, sentou-se no sofá com as pernas esticadas e pôs-se a pensar na vida. Fez uma retrospectiva de tudo o que tinha passado.

Se perguntou quem ela era, o que estava fazendo na vida naquele momento, por que havia feito cada uma de suas escolhas. Foi preciso parar tudo para que Maria Celeste pudesse se recolher e sentir um pouco de paz. Ela precisou deixar tudo de lado para entender o motivo de cada coisa que faz.

O presente de Natal de Maria Celeste foi um fim de semana consigo mesma, e mais ninguém. Foi o suficiente para ela recomeçar a rotina com mais sentido depois de olhar a sua própria vida como se estivesse de fora. O que ela precisava era descansar de viver. Uma pausa consigo mesma.

Maria Celeste recuperou sua fé a tempo. Natal sem fé, não é Natal. Natal é renascimento. E ninguém renasce sem acreditar.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Meu desejo de um Natal com Fé para vocês que acompanham esta padaria de crônicas.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 16/12/2017, Edição Nº 1490.

sábado, 2 de dezembro de 2017

Como Cão e Gato

Arte de Weberson Santiago



Na hora de acordar, as pessoas são como gato ou são como cachorro.

A Natália acorda como gato. O despertador toca, e ela desliga. Daí ela espreguiça e vira para outro lado. Dorme mais um pouco. Estica e vira para o outro. Alonga e vira de bruços. Parece aquele ritual felino preguiçoso.

Eu acordo como cachorro. O despertador toca e eu saio estabanado da cama: derrubo o celular no chão, tropeço no pé da cama, faço barulho para abrir e fechar a porta do quarto. Como o cachorro que, tomado pela felicidade, abana o rabo e esbarra nos objetos do caminho.

A cabeça da Natália acorda lenta como um gato que dispõe um pé depois do outro depois que levanta. Já aprendi que tudo o que eu falo durante a primeira meia hora depois que ela acordou corre sério risco de ser esquecido.

Não dá para combinar quem busca a Ane na escola, de pedir para incluir um item na lista de compras, muito menos para dar um recado que começa com “não esquece de...”. Ela vai esquecer porque está como o bichano que dorme de olho entreaberto.

A minha cabeça acorda agitada como cachorro de pequeno porte. Meus pensamentos acordam latindo como cachorros da raça Pinschers e ficam entrando na minha frente como se fossem Chiuhauas.
Minha disposição a iniciar a sequência de comportamentos antes de sair de casa é igual a animação de Labrador. Eu percorro a agenda do meu dia antes mesmo de chegar até a cozinha, como aquele cachorro que sobe e desce a escada enquanto espera o dono descer do carro desde quando ouve o barulho do carro se aproximando.

No final do dia, a coisa se inverte.

Com o meu madrugar canino, a energia de noite fica rebaixada e eu me torno um gato preguiçoso. Só quero encontrar a minha cama, afofar o edredom com as unhas, dar duas voltas em círculos e apagar.
Com seu acordar felino, a Natália chega pilhada a noite. Quer repassar os acontecimentos do dia e entender o que aconteceu, daí fica agitada como um cão. Fica cavando buracos no gramado dos pensamentos e sentimentos para enterrar os ossos do ofício.

As vezes a gente briga como cão e gato quando eu lhe exijo disposição de manhã e ela me cobra disposição a noite. Mas durante os dias, o cachorro é o melhor amigo do gato e o gato é o melhor amigo do cachorro. E durante as noites, não tem uma em que a gente não se aninhe na cama encostados para aquecer os nossos sonhos.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| O melhor amigo do homem é aquele que é tratado com afeto.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 02/12/2017, Edição Nº 1488.

sábado, 18 de novembro de 2017

Contrabando na Feira deOrganicos

Arte de Weberson Santiago



Acordamos animados num sábado de manhã e resolvemos fazer um programa diferente: visitar pela primeira vez uma feira de produtores de comida, produtos orgânicos e artesanato. Nos arrumamos para o passeio e pegamos a estrada.

Chegando lá, começamos a explorar as barracas, a conversar com os produtores e com as pessoas que estavam por lá. Ficamos encantados com esta forma de comércio de antigamente, onde ficamos mais próximos de quem produz e de trocar afeto numa relação de compra.

 A certa altura do passeio de compras, estávamos numa barraca de pães integrais com e sem recheios orgânicos. Já havíamos tido uma aula sobre fermentação natural e estávamos provando os recheios. Aliás, esta é outra delícia deste tipo de feira, você experimenta várias coisas e só leva o que realmente gostar.

Nessa hora, chegou um cliente antigo e a dona da barraca de pães nos pediu licença e foi lhe dar atenção. A senhora da barraca ao lado, que vendia antepastos em parceria com a do pão se aproximou e perguntou de canto de boca:

— Vocês são veganos?

Respondemos prontamente que não. Ela então olhou para os lados, abriu sua caixa de isopor e disse:

— Eu tenho um pernil aqui que ficou oito horas no forno – disse com a boca de ventríloquo para que as pessoas não pudessem ler seus lábios.

Me senti no meio da favela, comprando droga na boca. Imaginei a cena de alguma fiscal, tipo a Bela Gil, aparecendo na feira e passando por perto da barrada dela. “Ó os home!”, eu ia gritar, para ela ter tempo de esconder o pernil.

E como boa vendedora, ela sabe para quem oferecer: achou que tínhamos cara de gulosos. A Natália pirou na bandejinha transparente cheia de carne acebolada com azeitonas pretas. Eu estava na dúvida do recheio do pão e, enquanto a Natália pensava no pernil, ela já havia escondido a iguaria, quando ela soltou para a Natália:

— Nossa, mais que pele, hein, bem? – sugerindo que ela deveria repor as energias gastas na noite anterior mandando ver no pernil.

Não deu outra, a Natália sacou a carteira e levou “o produto secreto”. Tendo certeza de termos escolhido o que a feira tinha de melhor, continuamos o passeio.

Adoramos todos os produtos orgânicos que trouxemos, mas o que mais foi divertido comer foi o pernil. Passamos os dias seguintes lembrando da situação da sua venda e caindo na risada.
E como o proibido é sempre mais gostoso, o pernil deve ser o mais vendido da feira de orgânicos.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Divirta-se com as coisas simples.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 18/11/2017, Edição Nº 1486.

sábado, 4 de novembro de 2017

Rolé no Centro

Arte de Weberson Santiago



Outro dia eu caí numa cilada. A Natália me convidou para ir com ela no centro da cidade no sábado de manhã. O convite veio disfarçado de café da manhã na padaria com uma passadinha rápida em um lugar antes e um lugar depois, mas se revelou no que eu chamo como uma interminável peregrinação pelo comércio.

Minha mulher numa rua de comércio é como uma criança na sessão dos chocolates, como um homem na loja de ferramentas. As vitrines são convites, os produtos que ela gosta são como um imã que atraem a atenção e a puxam para dentro do estabelecimento. Um pagamento a vencer que só pode ser pago em uma loja envolve um convite para ver as novidades. E mesmo que ela não compre, parece que essa saída, o passeio e o entra e sei são terapêuticos, porque ela volta animada e renovada.

O pretexto é sempre uma pendência que não pode ser resolvida na semana: passar da farmácia para comprar o medicamento que está faltando ou um produto que falta no supermercado. Na prática, as necessidades se multiplicam como greemilings quando se joga água. “Será que naquela loja de um e noventa e nove tem aquele apetrecho de cozinha que está faltando?”, ao mirar a fachada. “Nossa! Ainda bem que estamos aqui, preciso comprar aquele presente para a nossa amiga que está grávida!”. Com isso, a saidinha tomou a manhã toda e se estendia pelo horário do almoço.

Se para ela o passeio estava ótimo, para mim foi uma tortura. Enquanto a gente entrava e saía das lojas eu pensava: “agora eu poderia estar nadando, adiantando aquele trabalho para a próxima semana ou até mesmo não fazendo nada em casa”. Como a irritação foi crescente, ela percebeu, cortou alguns compromissos e fomos embora.

Conversando em casa, combinamos que o sábado de manhã, depois do café, é cada um por si, fazendo o que precisa e o que gosta de fazer até que nos reencontremos para o almoço. Assim, ninguém fica aborrecido e insatisfeito. Temos outros momentos para ficar juntos.

Agora, a grande prova de amor foi o que ela me pediu no último aniversário: fazer compras na 25 de março em São Paulo. Respirei fundo, utilizei técnicas de meditação, reuni toda a minha disposição e passei seis horas acompanhando suas compras e cumprindo o check-list de desejos e necessidades que ela fez para o passeio.

O que a gente não faz por amor?

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Quando for convidar seu namorado ou marido para passar a manhã andando no centro, certifique-se que ele está disposto.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 04/11/2017, Edição Nº 1484.

sábado, 21 de outubro de 2017

As Árvores São Como Pessoas

Arte de Weberson Santiago



Estava voltando de uma viagem de trabalho durante o entardecer e me peguei observando as árvores do caminho. Fiquei pensando que árvores são como pessoas.

Algumas tinham galhos que formavam desenhos que pareciam ter sido cuidadosamente esculpidos para gerar harmonia e leveza. Como aquelas pessoas que, quando temos contato, nos causam uma boa sensação de equilíbrio.

Certas árvores estavam bastante ressequidas, como as pessoas amargas que somos obrigados a conviver.

Outras árvores demonstravam que fizeram muito esforço para se adaptar às condições desfavoráveis e continuar a sobreviver. Uma em especial criou mais raízes grossas para não cair em um buraco que foi crescendo com a erosão. Essa árvore é igual as pessoas resilientes, que são mais resistentes às adversidades.

Observei uma delas que o tronco se dividia em dois galhos. Em deles havia sido arrancado, não sei como. O outro galho, para compensar a perda, criou uma copa nele mesmo, ficando uma árvore torta, formando um L de ponta cabeça, como se o tronco tivesse sito entortado e a copa ficasse na horizontal. Isso me lembrou das pessoas com alguma deficiência física que foram persistentes e desenvolveram aquilo que elas têm, ao invés de ficar lamentando o que lhes falta.

Várias árvores se encontravam sozinhas no meio do nada, mas verdejantes e satisfeitas. Como as pessoas que se bastam.

Havia ainda as que se encontravam sozinhas e pareciam tristes e judiadas, como quem perde alguém e se deprime.

Determinadas árvores crescem vicejantes agrupadas com outras espécies. Aproveitam as folhas que caem para enriquecer o solo. Compartilham da mesma irrigação. Enquanto algumas vão se espichando para procurar um lugar ao sol, outras aproveitam a sombra que se forma. Elas aceitam trepadeiras. Como as pessoas que sabem dividir, que preferem conviver, que aceitam as diferenças.

As árvores são como as pessoas, nascem, crescem e morrem, mas deixam sementes.

As árvores são como as pessoas que sofrem com a vida, mas não aceitam perder a vontade de viver.

As árvores, tal qual as pessoas, não se importam com a expectava dos outros e crescem, amadurecem, dão flores e frutos a seu tempo, nos ensinando a ter paciência com a mudança e o tempo de cada um.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| As árvores são pessoas.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 21/10/2017, Edição Nº 1482.

sábado, 7 de outubro de 2017

Destilada e Fermentado

Arte de Weberson Santiago


As pessoas poderiam ser divididas entre as que são destiladas e as que são fermentadas na sua forma de ser e viver.

Descobri isso enquanto observava como ela e eu reagimos de maneira diferente diante das mesmas coisas.

Enquanto ela é destilada, eu sou fermentado.

Ela extrai o melhor das experiências, eu vou colecionando pequenos prazeres.

Ela vive a vida com intensidade, eu vivo a vida com calma.

Ela escolhe com voracidade, eu escolho com parcimônia.

Enquanto eu demoro um século para planejar uma mudança, ela muda tudo com rapidez sem o menor pudor.

Eu sou do planejamento minucioso que dá segurança, ela do improviso que dá certo.

Eu faço uma coisa de cada vez, ela faz uma dezena de coisas ao mesmo tempo.

Eu cultivo a sabedoria da experiência, ela a intensidade do viver.

Enquanto ela sobe rápido, eu mantenho o grau.

Ela bate e volta, eu levo e amorteço.

Ela esbraveja o que lhe incomoda, eu fico pensando nos motivos que a pessoa teve para agir assim.
Ela esbaforida corre o tempo todo, eu procuro os intervalos dos arrotos.

Ela aquece de raiva, solta vapor de ira e demora a gotejar suas mágoas. Eu, quando sou agredido, demoro a constatar um incômodo e minhas raivas borbulham aos poucos.

Enquanto eu espumo, ela permanece cristalina.

Eu tenho a leveza de uma cerveja Pilsen, ela a delicadeza de um Saquê.

Eu sou Bock quando sou doce com quem está ao meu lado, ela um licor de ternura.

Eu sou encorpado pela sabedoria da experiência como uma cerveja Weissbier, ela como um Whisky 21 anos.

Eu sou amargo como uma Pale Ale quando estou de mal humor, ela vira aguardente quando irritada.

Enquanto as pessoas recomendam não misturar as bebidas, para nós, uma noite só é completa quando a gente combina uma destilada com um fermentado.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Os opostos ensinam um ao outro o outro o que lhe falta.
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 07/10/2017, Edição Nº 1480.

sábado, 23 de setembro de 2017

Caminhe Escolhendo o Caminho

Arte de Weberson Santiago



Imagine que você tem um caminho a percorrer e um lugar para chegar. Entre o local onde você está e o seu ponto de chegada existem diversas montanhas espalhadas pelo território e entre elas espaços planos. Você tem duas opções para seguir o seu caminho.

Você pode ir pelos espaços planos entre as montanhas, a primeira opção. Nesta opção você tem de percorrer uma distância maior, dando a volta nas montanhas. A vantagem é que não enfrentará subidas e descidas.

A segunda opção é seguir uma linha mais ou menos reta e enfrentar os aclives e os declives. Sentirá a sua coxa doer na subida e sua panturrilha gritar na descida.

Acrescente a esta situação uma informação importante para tomar a decisão de qual opção escolher. Você não tem um mapa para te guiar entre o local da saída e o local da chegada. A intuição é a sua bússola e as suas emoções são as suas companhias.

Qual dessas duas opções você escolheria? Andar mais no espaço plano, evitando ultrapassar as montanhas, ou seguir um caminho reto, mas cheio de obstáculos?

A primeira opção parece tentadora. Diante do desafio, quando nos deparamos com medos e inseguranças, escolher o caminho mais confortável e com menos desafios parece ser a escolha mais inteligente, ou pelo menos, mais econômica.

Na verdade, escolher dar a volta nas montanhas é se esquivar de enfrentar os sentimentos e as dificuldades externas para se manter numa zona de conforto. Querer percorrer apenas as planícies é acomodação.

Pense nesta imagem como uma metáfora sobre como se leva a vida. Passar a vida fugindo de enfrentar as situações desafiadoras promove a sensação de se ter uma vida morna e sem graça, além de acumular a frustração de não ter conseguido construir algo que tenha valor. Um amplo repertório de comportamentos de esquiva reforça os sentimentos de medo e as inseguranças. Também reforça pensamentos de derrotismo e de incapacidade.

Embora o segundo caminho pareça mais difícil, ele tem algumas vantagens que o primeiro não tem. As pessoas que tem grandes conquistas em sua vida, vitórias que costumamos admirar, contam que tão importante quanto o a vitória foi o caminho até lá, que as dificuldades enfrentadas foram ocasiões para testar e comprovar a sua capacidade de superação.

Uma segunda vantagem é que, a cada montanha que se chega ao topo, você ganha de presente uma visão do horizonte. Você é capaz de olhar ao passado e ao futuro com distanciamento, podendo analisar erros e acertos, deixando para trás o que não vale mais a pena e escolhendo novamente aonde quer chegar. O exercício de olhar a nossa própria vida como se estivéssemos de fora dela é essencial para construir uma vida que valha a pena.

Não é à toa que, quando a gente está diante do horizonte, o longe parece perto. É para nos dar coragem para buscarmos aquele lugar. E não é à toa que o no caminho da praia o lugar que parecia perto demora a chegar. É para darmos valor ao esforço que fazemos na caminhada.


  UM CAFÉ E A CONTA!
| Nos tornamos indivíduos a partir de quando escolhemos nossos caminhos por nós mesmos, sem que os outros decidam pela gente.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 23/09/2017, Edição Nº 1478.

sábado, 9 de setembro de 2017

A Nossa Dança

Arte de Weberson Santiago




Nós dançamos tão bem juntos. Não frequentamos aulas de dança, mas na dança da vida nós dançamos como nenhum outro casal.

Quando escolhemos formar um par, ouvimos de muitas pessoas que formávamos uma bela dupla e cada um de nós ouviu de pessoas do nosso convívio que nosso amor era uma loucura.

E nós? Nós não ouvimos ninguém. Ouvimos apenas a voz que, dentro de nós mesmos, mandava seguirmos adiante como aquele homem e aquela mulher que saem dos dois extremos da pista de dança em direção ao outro, até que se encontram no centro, sob a luz do desejo. E, ofuscados pela luz, esquecemos dos outros e passamos a viver um pelo outro.

Eu lhe convidando com meu cavalheirismo para lhe apresentar mais adiante a paixão que mora dentro do meu amor. Você me convidando com o movimento da beirada da sua saia para descobrir o calor da paixão que é velado pelo pano da saia do seu amor.

Nessa nossa dança, tivemos todas as trilhas sonoras possíveis. Desde as músicas mais animadas até as mais melancólicas. Agitadas e lentas. Como é a vida para todo mundo, mas que nos fizeram perceber o nosso estilo de dançar conforme a música.

Nós dançamos muito bem juntos, mas já perdemos o compasso. Já nos distanciamos por brigas e desentendimentos. Mas nosso amor foi mais forte e nos uniu de novo. Foi quando descobrimos que quando as mãos se soltam, a dança não termina porque continuamos um par mesmo quando estamos distantes.

Nós dançamos bem juntos, mas de vez em quando pisamos um no pé do outro. Eu reclamo quando você pisa na minha unha encravada, você me xinga quando eu piso no seu calo, mas logo estamos dançando de novo. Passa rápido porque a gente não quer desperdiçar o tempo. O resto da vida é pouco para nossa dança.

Quando um sai na frente porque está adiantado em alguma questão-refrão, não dá muitos passos sozinho até voltar para resgatar o outro. Na frente ou atrás é só durante o rodopio do bailado, já que quando estamos sozinhos é frente a frente e quando estamos vivendo é um ao lado do outro. A vida não faz sentido quando não formamos um par.

Como eu admiro seus passos. Sua firmeza delicada. E você me confessou que admira minha postura esguia e meu olhar doce. Nossos olhos dançam aos pares enquanto a vida passa. Eu fui te ensinando a ver o mundo com o olhar da razão onde somente havia o olhar da emoção. E você foi colocando luz na minha sombra de rigidez com o reflexo iluminado de seus olhos de maneira que eu me tornasse mais sensível.

Eu nunca achei que fosse encontrar um par que me completasse tanto. Eu nunca achei que uma dança a dois pudesse me realizar tanto na pista da vida.

Eu sou seu homem e você é minha mulher. E nesses sete anos eu descobri que eu só quero que nossa dança nunca mais acabe.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Entregue-se e viva inteiro.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 09/09/2017, Edição Nº 1476.

sábado, 26 de agosto de 2017

A Biblioteca Revirada

Arte de Weberson Santiago


Levei um susto. Deixei a recomendação de uma limpeza profunda à faxineira e quando voltei minha estante de livros havia sido repaginada. Olhava para a seqüência de livros e não os reconhecia. Era como se não soubesse o que estava escrito nos livros já lidos. De repente sinto pânico de pensar “e se eu precisar achar um livro e não encontrar?”.

O impacto desse episódio foi estranho. Saber onde estava cada livro me dava segurança. Segurança de precisar retomar algum pensamento e encontrar onde eu o deixei. Olhava para aquela arrumação sem critérios e não conseguia ver o mesmo conjunto de livros ao me perder quando precisava de um volume.

Uma estante é uma estrutura para guardar livros, mas não é apenas um depositário de calhamaços de papel. Ela serve para facilitar a minha relação com os livros, a estante tem uma função. Posso separar por temática, pôr em ordem alfabética e de repente esconder algum volume que me dê vergonha, como aquele livro de autoajuda.

Acumular livros é um comportamento altamente prazeiroso para mim, eles são os documentos que marcam os caminhos da minha vida. São companheiros dos encontros e desencontros. Dos encontros em que houveram empréstimos. Dos desencontros que deixaram lacunas na estante. Livros são testemunhas das idas e vindas, de quando fui com as mãos abanando e voltei com um exemplar. O peso de um livro não sobrecarrega, mas torna a vida mais leve.

Não existe um delator maior do que uma biblioteca particular. É possível reconstituir uma história de vida conhecendo apenas a coleção de livros de um indivíduo. As obras que o formaram como profissional revelam a especialização. Pelas dedicatórias descobrem-se os amores. Pelos amassos e rabiscos, as manias do dono da estante.

E foi retirando todos os livros e colocando novamente a minha maneira que redescobri meu caminho. Vivi uma retrospectiva quando me deparei com certas obras.

Encontrei um clássico de Dale Carnegie intitulado Como fazer amigos e influenciar pessoas. Não resisti quando me deparei com este livro num sebo perto do apartamento que morava em São Paulo. Comprei. Cada vez que abro suas páginas caio na risada com os subtítulos do livro de 1936: como fazer as pessoas gostarem de você imediatamente; um modo certo de fazer inimigos e como evitá-lo; quando tudo falhar, experimente isso. O interessante é a sinceridade da autora no prefácio reconhecendo que o dono da editora a procurou para reverter os 7 fracassos a cada 8 livros lançados. Vendeu milhões de exemplares em diversos idiomas e é um dos meus livros preferidos de comédia. Tenta ser tão prático que chega a ser simplista demais.

Agora, a estrutura da estante voltou a cumprir sua função. Cada livro está em seu lugar na biblioteca e sou capaz de achar qualquer um que eu precise. Guardo minhas histórias na estante da imaginação. Retiro lembranças das prateleiras para ter certeza que estou vivendo. Por vezes, para falar preciso do documento na mão. A não ser quando saio para fazer amigos e influenciar pessoas. Hoje sou especialista e não preciso mais de manual.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Qual trajetória a sua biblioteca revela?
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 26/08/2017, Edição Nº 1474.