sábado, 10 de novembro de 2018

A Ausência de Limites é a Base da Insegurança

Arte de Weberson Santiago




Fazíamos uma caminhada quando a Natália resolveu dividir uma reflexão a partir da sua prática clínica psicológica. Ela me disse que havia pensado sobre como estamos o tempo todo extrapolando os limites e necessitando que alguém nos coloque de volta no lugar que corresponde ao nosso naquele momento.

Ela me dizia que é assim desde a gestação quando não nos contentamos com os limites do útero e tentamos ganhar espaço com chutes e movimentos. Pensei que aqueles chutes que comemoramos talvez não deveriam ser tão festejados se considerarmos como uma forma precoce de extrapolar os limites levemente agressiva. Difícil é não se derreter com a mágica da vida tomando forma.

Naquele momento, involuntariamente a mãe está ponto limite com seu útero. Mas não demora muito para o bebê querer ficar sentado o tempo todo e termos de deita-lo, para ele querer ficar de pé no berço, nos obrigando a descer o estrado, dele engatinhar e andar, querendo explorar mais espaço do que sua segurança permite e lá vamos nós correndo atrás para mostrar até onde ele pode ir.

E isso não termina com a infância. A adolescência é a extrapolação dos limites de dentro e de fora de casa, quando pedimos para ser contidos nessa busca por liberdade. É provável que até na vida adulta busquemos este limite em uma relação estável que freie uma vida desregrada e promíscua, um trabalho que me ponha horários e regras e não me permita viver de qualquer jeito.

Alguém poderia questionar o quanto o limite é uma necessidade. A necessidade do limite fica evidente quando ele não existe. Se o limite fosse algo restritivamente ruim, sua ausência deveria trazer felicidade. Na psicologia clínica vemos o contrário.

Quando há ausência de limites, a pessoa se sente negligenciada, como se fosse pouco importante para que os próximos se preocupassem com ela. A falta de alguém que me proteja me faz experimentar sentimentos de solidão e tristeza. Esta ausência pode fazer inclusive com que eu me sinta invisível. Vemos que é esta ausência – muitas vezes uma ausência presente – que está por trás de automutilação e tentativas de suicídio em adolescentes, por exemplo.

Como suas necessidades afetivas não são percebidas e uma série de imposições que consideram o desejo dos pais se sobrepõe, o comportamento autolesivo de um adolescente pode ser uma forma – ainda que drástica – de pedir amor na forma de compreensão e na forma de limites.

A reflexão inicial da Natália me fez pensar no momento político e social em que estamos vivendo e o comportamento das pessoas, sobretudo nas redes sociais. Acredito que o comportamento intolerante e agressivo que temos visto tem muito a ver com a ausência de limites. Tenho a sensação que vejo pessoas desesperadas por atenção e para que alguém venha, ainda que sobre a forma de conflito, e lhe ponha limites. Todo mundo é extremamente corajoso atrás de um computador ou celular porque não tem o semblante e o olhar – e as vezes a mão – do outro lhe pondo limites.

Não acredito que as pessoas postem suas posições com o intuito de instruir os desinformados. Também não acredito que o propagador de fake news o faça por ignorância. Ele está desesperadamente pedindo que alguém o corrija e prolongará o máximo da atenção que puder obter “resistindo” a ceder para se certificar que não pode tudo e que não está sozinho neste mundo. A insegurança que sentimos neste momento é por vivermos em um mundo em que tudo pode. E poder tudo é não ter limites.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| O limite não limita, dá segurança.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 10/11/2018, Edição Nº 1537.