sábado, 19 de novembro de 2016

Estupidez Desnecessária

Arte de Weberson Santiago



Todo mundo já assistiu uma cena de grosseria desnecessária de alguém aperreado. Uma reação fora de contexto, desproporcional a situação de que se apresentava.  Uma série de pequenas situações em que me deparei com um maldisposto me fizeram pensar neste tipo de reação.
Outro dia, enquanto viajava e passava por uma cidade pequena, passei mal e tive de procurar um pronto socorro. Não havia fila nenhuma e o atendente da recepção foi bastante simpático. Não posso dizer o mesmo do médico, que ao ouvir meus sintomas, parecia querer me culpar por ter ficado doente ao invés de me tratar. Para não me mandar embora sem tomar nada, receitou analgésico. Quando fui encaminhado à enfermeira, ela começou a gritar porque o médico sempre receita medicamentos de uso caseiro para tomar ali e depois o restante da cartela fica na enfermaria até passar da data de validade.
A impressão que me deu é que nenhum dos dois queria estar trabalhando no pronto-socorro naquele momento. Ele queria que pessoas como eu não tivessem ficado doente. Ela queria que pessoas como eu não precisassem ser medicadas.
Eu respondi a tudo com calma, já pensando onde poderia, de fato, ser atendido. Senti muita pena de quem depende única e exclusivamente daquele atendimento e não tem outra opção. Este é um exemplo, mas todo mundo já viu um atendente sendo grosseiro com alguém que faz um pedido em uma loja ou supermercado.
Talvez estas pessoas tenham razões para estarem mal-humoradas, mas existe uma série de outras pessoas que também tem razões para ser avinagrados e não o fazem. Achar a vida um fardo não dá o direito a ninguém sair distribuindo patadas por aí.
Quem faz isso, é como se cobrasse das outras pessoas o custo de viver. Se eu estivesse num restaurante e fizesse uma escolha ruim de prato, que não agrade meu paladar, seria justo que eu mandasse a conta para a mesa do lado, que parece estar saboreando a sua escolha?
É exatamente isso que o azoretado faz. Cobra dos outros o motivo de suas próprias frustrações.
Como eu não gosto de cultivar o hábito de olhar apenas o lado ruim das coisas, existem pessoas que quando estão embezerradas, não se dão o direito de atazanar a vida alheia, muito pelo contrário, dispõe-se a dar o seu melhor ainda que tenham colhido o pior.
Para mim, o remédio para lidar com um amolado é responder com gentileza, ao invés de rebater com agressividade. Até porque se não admiro sua atitude, não devo faze igual.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Um limão azedo se resolve com algumas colheradas de açúcar.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 19/11/2016, Edição Nº 1434.

sábado, 5 de novembro de 2016

Uma Padaria Dentro de Casa

Arte de Weberson Santiago



Um dia eu percebi que queria uma casa cheia. Neste dia descobri que um de meus sonhos era formar uma família.
A Natália e a Anelise me fizeram colocar em prática aquilo que um dia eu sonhei. Não queria ser só mais um marido, não gostava da ideia de ser só mais um pai. Eu não queria ser aquele tipo de homem que chega em casa e estaciona no sofá, na frente da televisão, alheio a tudo o que acontece no seu lar. Eu queria mais, queria ser presente e participar. E naquele momento eu passei a ser uma padaria dentro de casa.
Ser uma padaria dentro de casa é preservar uma parte da sua disposição para a sua família, mesmo que tenha um milhão de coisas lhe consumindo fora de casa.
Ser uma padaria dentro de casa é ser pão: alimentar o corpo e as ideias, nutrir de criatividade e inspiração as minhas meninas.
Ser uma padaria dentro de casa é ser pãe: colocar limite com a autoridade de pai quando é necessário e dar colo de mãe quando é possível.
Ser uma padaria dentro de casa é surpreender no cardápio: apresentar meus programas preferidos e voltar com elas para os lugares que eu gostei de viajar.
Ser uma padaria dentro de casa é não esquecer as datas especiais do relacionamento e estar sempre pronto para organizar a festinha de aniversário da pequena ou do pequeno a cada ano que passa. E fazer isso não porque vai ouvir um monte se esqueceu a data ou não ajudou a preparar a festa, mas porque realmente se importa em comemorar o desenvolvimento.
Ser uma padaria dentro de casa é fazer coisas simples fora das datas especiais. Escrever recados inesperados e espalhar bilhetes em lugares improváveis – como na lista de compras do supermercado.
Ser uma padaria dentro de casa é dividir tarefas domésticas para não sobrecarregar o parceiro. É revezar o levar e o buscar o filho na escola, participar das reuniões de pais sempre que possível e nunca deixar de prestigiar suas apresentações importantes.
Não faço tudo isso por obrigação. Faço tudo isso porque é o que acho que um marido e um pai devem fazer. E relembrando tudo isso, percebo que consegui ser aquilo que eu gostaria de ser: uma padaria dentro de casa. Desde colocar o pão de cada dia na mesa, até não deixar esvaziar a prateleira dos sonhos.
Como sou humano e cheio de defeitos, nossa vida não foi feita apenas de situações felizes e especiais. Ser uma padaria dentro de casa também é errar, falhar, se cansar e se esgotar, ainda que por um momento. Mas ser uma padaria dentro de casa é agir assim que você percebeu a falha.
Ser uma padaria dentro de casa é corrigir seus erros, pedir desculpas, buscar mudar para preservar o relacionamento vivo. Ser uma padaria dentro de casa é encarar o desleixo e retomar o que você deixou de lado. Ser uma padaria dentro de casa é evitar agir impulsivamente, sem medir as consequências, para não pôr em risco tudo o que foi construído em família.
Quando as situações da vida me fizerem desanimar, buscarei na nossa padaria o alimento para continuar. Por mais que em dias atípicos a minha receita desande, manterei sempre a disposição para fazer outra massa. E que nossa casa siga cheia de bocas para provarem dos meus pães: as nossas, de nossos familiares e de nossos amigos. Assim eu continuarei tendo motivos para tocar essa nossa padaria. Assim, Natália e Anelise, continuarei sempre sendo esta padaria dentro de casa.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Uma vida feliz é a que a gente se doa para o que lhe faz sentido se dedicar.
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 05/11/2016, Edição Nº 1432.