sábado, 27 de dezembro de 2014

Palpites para o Seu 2015

Arte de Weberson  Santiago


Se você me permitisse palpitar na sua lista de resoluções para o próximo ano eu lhe daria as seguintes recomendações:
— Em 2015, aprenda a descansar. Existe uma doença a solta por aí cujos sintomas são: vício em trabalho, sentimento de culpa em parar de produzir e pensamentos persistentes em assuntos ligados ao trabalho. O vírus acomete a humanidade há alguns séculos, mas suas mutações recentes tem causado sintomas mais graves. A doença é contagiosa, tem acometido cada vez mais pessoas. Os doentes costumam achincalhar quem defenda breves períodos de descanso, como se isso fosse sinônimo de vagabundagem. É tão grave que o doente pensa que tirar férias é um pecado mortal. Quem é acometido por esta doença costuma ignorar o seu próprio limite físico e emocional. Não percebe que este desrespeito consigo mesmo tem como consequência a S.E.P. – Síndrome do Emputecimento Progressivo. A S.E.P. é um conjunto de sintomas de impaciência e intolerância em nível crescente. Pessoas com S.E.P. costumam atribuir a culpa de seu arrombo de agressividade aos outros. O único remédio para esta doença é aprender, iniciando com doses homeopáticas e aumentando o tempo gradativamente, a descansar. É seu direito. Em 2015, faça ele ser respeitado.
— Em 2015, se você tiver filhos, quando se encontrar com ele(s) no fim do dia e perguntar como foi o dia na escola, não se contente com a resposta “legal” ou “tudo bem”. Pergunte coisas que ele ou ela se interesse em responder como, por exemplo: “se você pudesse ser um de seus colegas, quem você escolheria?” ou “Que palavra diferente a sua professora te ensinou hoje?” (a americana Liz Evans publicou no seu blog ‘25 maneiras de perguntar a seus filhos ‘Como foi a escola hoje?’ e obter respostas”, pesquise no Google e se inspire). Em 2015, converse mais com seus filhos e acompanhe suas dúvidas, dilemas e inseguranças.
— Em 2015, se você tem avós, estabeleça uma frequência possível de estar ao lado deles. Arrume um tempo para ouvir as histórias da vida de seus avós. Pergunte como eram as coisas na época em que eles eram jovens. Descubra as histórias de amor de seus avós e de seus bisavós.  Pesquise sua origem e a trajetória de sua família pelo mundo. Descubra as profissões de seus antepassados. Você certamente entenderá como alguns de seus comportamentos têm uma base no comportamento de seus ascendentes. Sua vida terá muito mais sentido com essas informações. Se seu pai ou mãe é idoso, vale o mesmo palpite. Em 2015, não desperdice a oportunidade de aprender com seus avós, pois esta oportunidade pode não estar disponível mais adiante.
— Em 2015, se apaixone por uma atividade física (se é que você já não vive uma paixão). Saia do sedentarismo encontrando o seu esporte favorito. Manter-se ativo é a melhor maneira de evitar doenças físicas e emocionais. Atividade física, quando praticada com regularidade, é um antidepressivo natural. É um jeito de fazer amigos e expandir seus relacionamentos. Você pode estar pensando que já tentou e não conseguiu manter-se na prática regular. Pense em como você agiu na situação. A grande maioria das pessoas que desistiu da atividade física começou mirando resultados rápidos de mudança no corpo, exagerou no tempo e na frequência do exercício inicialmente, sem permitir uma adaptação gradativa do organismo. Comece estabelecendo dias e horários que poderá de fato encaixar a atividade física e se manter praticando, sem criar condições para desistir. Seja realista. Pense em alguma atividade que lhe dê prazer, existe uma infinidade de opções. É possível que no começo tenha de se obrigar, mas depois não conseguirá ficar mais sem. Em 2015, movimente-se.
— Em 2015, viaje. Faça pelo menos uma viagem ao ano. Se possível duas. Saia da sua rotina para voltar mais inspirado. Conheça lugares diferentes daquele onde você vive. Entre em contato com outras culturas, outros hábitos. Falta de dinheiro não é uma boa desculpa. Percorra a distância que seu bolso permite. Planeje e, em 2015, faça uma viagem.
— Em 2015, persiga o equilíbrio. E ainda que siga desequilibrando, mire como meta o equilíbrio. Como diz o ditado: nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Deixe de lado o oito ou oitenta. Teste o quarenta e três, depois o cinquenta e sete. Se só conseguir agir no doze e no setenta e sete, terá sido melhor do que no oito e no oitenta. Você tem o resto da vida para se aproximar do equilíbrio. Em 2015, persiga o equilíbrio.
UM CAFÉ E A CONTA!
|Em 2015, que você consiga resgatar a sua inspiração.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois,27/12/2014, Edição Nº 1337.

sábado, 13 de dezembro de 2014

Dançando com a Vida

Foto do Arquivo Pessoal



Noutro domingo, resolvi passear em Ribeirão Preto com as minhas meninas. Tinha ouvido falar de um evento chamado Projeto Café com Choro. Trata-se de um baile que ocorre há 20 anos no meio do campus da USP de Ribeirão Preto.
Todos os domingos, das dez horas da manhã ao meio dia, as pessoas se reúnem para dançar ao som do Grupo Rouxinóis. Pessoas de todas as idades se encontram na pista ladeada de bancos de alvenaria em frente ao par de coretos, sendo que o maior deles abriga a banda. Fica bem do lado do Museu do Café e um pouco atrás do casarão sede da antiga fazenda que se tornou campus universitário, cujo prédio hoje abriga um Museu Histórico.
É um lugar carregado de história e que continua fazendo história com o baile que se repete aos domingos durante o ano todo. Além dos músicos e casais pés-de-valsa, muitos turistas comparecem para admirar a simplicidade cativante do evento. São recebidos com suco, café, chá e bolachas, daí o nome Café com Choro. Já adianto que a beleza está na simplicidade. Se não é capaz de enxerga-la ou senti-la, prefira o shopping.
Descemos do carro e fomos em direção ao som. Ficamos encantados com o que vimos. Uma banda composta por cabeças brancas e alguns novatos. Entre os dançarinos, jovens com habilidade para dançar o forró, casais de meia idade em sintonia na dança de salão e exemplares casais de idosos esbanjando disposição.
Procuramos lugar nos bancos em volta. Observei uma toalha esticada no assento e supus que tinha alguém sentado ali. Ao lado uma garrafa de água. Percebi que os frequentadores trazem um kit e tem seu ritual para participar do baile.
Achamos dois lugares, onde a Natália e a Anelise se sentaram, enquanto eu subi numa parte superior atrás do banco e comecei a tirar fotos. Não fazia nem cinco minutos que estávamos ali. Uma senhora de cabelos brancos, vestido marrom e sapato de salto preto, que estava dançando, saiu da pista quando a música terminou, se aproximou da Natália e disse: “Adorei o seu vestido” – referindo-se ao vestido preto com rosas amarelas e vermelhas dela. “Ah, obrigado. O da senhora também é muito bonito”, respondeu prontamente a Natália. Outra senhora que estava do lado resolveu participar: “A Ivone sempre está bem vestida, acho que a filha dela é dona de boutique!”.
Percebi que estava num lugar diferente e com pessoas felizes, algo raro nos dias de hoje. Respirei aliviado por existirem lugares assim. Agradeci por estar naquele lugar.
Enquanto observava os casais dançando, me chamou a atenção a postura ereta de uma senhora elegante. Ela tinha uma postura fina ao dançar e um semblante alegre. Quando a música terminou, ela começou a conversar com seu parceiro, um senhor de chapéu de palha, camisa preta e cruz de prata no peito. Ele listava os bailes da cidade que já participou, perguntando se ela os conhecia. Ela respondeu: “Faz apenas cinco anos que eu saio. Passei a vida toda cuidando da casa, dos filhos. Descobri a dança faz pouco tempo.”
O dono da toalha parou de dançar e sentou-se ao lado da Natália. Um senhor barrigudo, de camisa azul e dois botões abertos. Retirou do bolso uma bala de menta e ofereceu pra Anelise. Ela não aceitou, seguindo a regra que repetimos de nunca aceitar bala de estranhos. Eu queria poder explicar pra ela que tem lugares como aquele que ainda se pode aceitar uma bala de um estranho, mas me mantive observando. Ele insistiu, ela negou, então ele abriu e chupou a bala.
Envolvidos pelo clima, Natália e eu resolvemos arriscar um dois-pra-lá, dois-pra-cá. Alguém da banda tirou umas fotos nossas. Quando a música terminou, voltamos pro banco e perguntei: “Anelise, quer dançar?”
Ela ficou encabulada. Aquela senhora de postura esguia e que aprendeu a ir ao baile há cinco anos se aproximou e perguntou o nome dela. Disse-lhe com uma voz doce, num ritmo cadenciado: “Anelise, dança com ele! A dança é uma coisa muito boa, é uma alegria, a gente se sente leve, se sente bem. Na vida a gente precisa aprender a dançar!”
Eu sempre imaginei que a dança fizesse bem, mas naquele dia eu tive a certeza.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Mais um objetivo na vida: aprender a dançar. Um dia vou encontrar tempo para fazer aulas semanais.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 13/12/2014, Edição Nº 1335.