sábado, 24 de fevereiro de 2018

Fantasias de Carnaval





Natália e eu passamos o Carnaval deste ano no Rio de Janeiro, sendo repreendidos por parentes e amigos preocupados em nos depararmos com algum tipo de violência durante os dias da folia.

Antes mesmo dos alertas, instalamos o aplicativo OTT – Onde Tem Tiroteio – para caso quiséssemos identificar onde deveríamos evitar. O aplicativo funciona muito bem, mas não foi usado nenhuma vez. Aproveitamos os blocos durante o dia e descansávamos no restante do tempo no apartamento que ficamos.

Embora a violência tenha sido ausente nos locais onde passei, ao menos no momento em que estava lá, o clima do carnaval estava, em parte, tenso. Penso que seja por conta das dificuldades enfrentadas pelos cariocas nestes tempos difíceis, o que teve como efeito um estado de alerta durante o feriado de carnaval nos visitantes da cidade maravilhosa.

Ainda assim, Carnaval é Carnaval e Carnaval no Rio de Janeiro é único e especial. O clima festivo toma conta, as pessoas se permitem percorrer a cidade despidas de seus papeis sociais e usando alguma fantasia. Este foi o ponto que me fez refletir durante este Carnaval.

Natália e eu preparamos uma fantasia diferente para cada dia. Na sexta-feira fomos vestidos de roupa feita de chita florida e pintei meu cabelo de verde e a barba de azul, laranja e roxo com spray temporário. Fui abordado por três pessoas com um “Where are you from?”. “I’m from São José do Rio Pardo” – respondia com ênfase no erre do Pardo – o que fazia com que a pessoa caísse na gargalhada ao descobrir que eu não era um gringo, mesmo sendo branquelo.

No sábado, Natália foi de sereia e eu fui de Netuno, o deus romano dos mares e das águas. Ela de maiô e saia semitransparente e eu de bermuda e camiseta branca, manto azul, cinto e braceletes dourados e uma coroa na cabeça, segurando um tridente. O spray de cabelo me fez ficar grisalho. Natália foi alvo de olhares durante o bloco, enquanto eu parecia o guarda-costas cercando os marmanjos.

No domingo eu fui de Chaves e a Natália de Chiquinha. Fiquei impressionado como estes personagens inspiram ternura em quem cruzava nossos caminhos. Acredito que seja por sua pureza. Foram inúmeras demonstrações de afeto, carros parando, crianças interagindo, muitos pedidos para tirar foto. O presente foi a sincronia de encontrarmos um outro casal vestido de Dona Florinda e Seu Madruga. Sim, neste Carnaval o Chaves finalmente ficou com a Chiquinha e toda aquela violência entre Seu Madruga e Dona Florinda escondiam um amor reprimido. Nada como o Carnaval para revelar os desejos.

Na segunda fomos de palhaços. Descobri que ninguém mais ri dos palhaços e que, talvez por ser uma fantasia comum, despertam indiferença.

Na terça fomos com o tema flamingo. Se você não sabe, o flamingo é o novo unicórnio. Em pouco tempo estará em todas as estampas possíveis e imagináveis. Ela foi de saia de tule rosa e eu de short rosa, ambos de camiseta branca. Os flamingos estavam nos detalhes: espetados no coque dela, no copo e nas boias porta-copos e no pisca-pisca em forma de flamingo que dependurei no pescoço. Neste dia, fui bastante assediado e a Natália teve trabalho. Fui abordado por mulheres, inclusive com ela do meu lado, demonstrando alguma forma de interesse. Parece que o flamingo é afrodisíaco ou que as mulheres gostam de homens que vistam rosa.

Não sei se escolhemos a fantasia ou se a fantasia é que nos escolhe. Eu sei que se a gente permitisse que nossas fantasias pudessem ser colocadas em prática fora do Carnaval, talvez a vida se tornasse mais leve e menos rígida.

As duas e meia da manhã de terça para quarta, uma hora e meia antes de pegarmos a estrada para voltarmos pra casa, uma briga entre uma mulher e um homem terminaram com o amigo dela matando o homem, na frente de sua família com dois disparos, a meio quarteirão de distância de onde ficamos hospedados.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Brinque com o efeito que a sua aparência pode gerar nos outros.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 24/02/2018, Edição Nº 1500.

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Depoimento de um Viciado

Arte de Weberson Santiago



Tenho um vício e gostaria de reconhecer para, quem sabe ao torna-lo público, possa ficar menos escravo dele.

Como todo vício, começou na adolescência, por influência de outras pessoas. Quando dei por mim já não conseguia viver mais sem usar. Quando me dei conta, meu corpo havia se tornado escravo, não de uma, mas de duas substâncias.

Qualquer situação pede: se estou ansioso ou se estou desanimado; se estou entediado é para me distrair; se algo de bom aconteceu, uso para comemorar; se me pego frustrado, é para afogar as mágoas. Quando conheço um novo amigo, o convite para o uso é para confraternizar. Se reencontro um amigo de infância, o ritual é para relembrar os velhos tempos.

Eu bem que já tentei parar, mas não consigo. Queria fazer um clareamento dental, mas só de pensar em ficar sem, vou adiando a consulta ao dentista.

Não é nada fácil ser viciado em café com leite.

Quem inventou essa mistura sublime não tinha boas intenções. A combinação é perfeita: o leite cremoso e o café encorpado. O branco e o preto que formam uma das cores que mais gosto: o café-com-leite.

A proporção ideal varia conforme o gosto do usuário. Mais claro ou mais escuro. Eu prefiro o leite integral com café expresso porque a espuma do leite obtida com o vaporizador se junta à espuma do café expresso. Cremoso! Meu maior prazer é estragar a arte desenhada na espuma do café com leite feito pelo barista – o nome que se dá ao especialista em café e suas combinações em receitas.

Mas tem dias em que o pingado de café coado é o pedido ideal. Mais fraco, e não menos saboroso!

Peraí. A boca salivou com essa detalhada descrição e fui tomado pelos sintomas de abstinência. Preciso de uma dose.

Pronto, de volta para a redação.

O café com leite servido em uma xícara de chá de boca larga é minha banheira de espuma. O servido no balcão em copo americano é a minha dose de cachaça. O expresso com espuma de leite é meu antiácido.

Tenho alguns álibis para justificar o vício: meu avô Raul tomava uma dose de café com leite de manhã e outra no fim da tarde. Culpa da genética!

Já que não consigo largar, pelo menos posso me orgulhar de ter a consciência de ser um dependente e de assumir o meu vício.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Tomar um cafezinho é um comportamento de fuga daquilo que estamos fazendo e que é cansativo.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 10/02/2018, Edição Nº 1498.