sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O Pai Que Era Noel Até no Nome

Arte de Weberson Santiago



Minha amiga Lilian me contou que estava com dificuldade de montar sua árvore de Natal. Este ano, ela perdeu de forma rápida e inesperada o pai, Seu Manoel. Ele era seu grande amigo, um pai extremamente carinhoso o ano todo. Mas no Natal, ele se superava. Desde que a Lilian era pequena, Seu Manoel escrevia cartas e cartões como se fosse o Papai Noel para todos os membros da família e inclusive para si mesmo, lhes fazendo acreditar, ano a ano, na magia do Natal. Ela me mostrou a pilha de envelopes outro dia. De: Papai Noel. Para: Lilian. Me chamou a atenção que em um ano ele colocou o nome dela inteiro no envelope, mas em outro ele colocou o apelido que ele usava com ela desde pequena, Tutt. Observei que numa delas o destinatário eram a Lilian e o Daniel, o marido dela. Ele continuou sendo o Papai Noel mesmo depois que ela se casou. Além dos cartões individuais, a família recebia um cartão musical em que havia uma estrela como o nome dele ao centro e os nomes de cada familiar em volta.

Este será o primeiro natal da Lilian sem ele, sem o abraço de seu Pai Noel, e ela está bastante chateada com isso. Tão chateada que se recusava a montar a sua árvore de Natal. O primeiro ano quando perdemos alguém que amamos é realmente muito difícil. Em cada data comemorativa somos obrigados a encarar a ausência onde gostaríamos de encontrar a presença.

Quem não se conformou com a recusa em montar a árvore foi a Luísa, a filha dela. É tradição na família da Lilian montar a árvore no dia 11/11, quando é o aniversário do cunhado Ricardo, e ela enfeita a casa da família com a árvore para a reunião. Luísa começou a cobrar a mãe depois que o aniversário passou e nada dela montar a árvore. Novembro terminou e dezembro começou, e a Luísa insistia para que a mãe aceitasse montar a árvore.

Insistiu tanto que a Lilian aceitou. Ela cedeu porque não achava justo que a sua tristeza deixasse o Natal de sua filha sem aquilo que justamente fez tanta diferença na sua história. Ela sabia que seria difícil, mas também sabia que precisava manter vivos o espírito do Natal e o espírito natalino do Seu Manoel. Foi a Lilian pegar a árvore e os enfeites para um nó apertar a sua garganta.

Ela explicou para a Luísa que os laços, que eram de um tecido fino e estavam amassados, precisariam ser dasamarrotados. E com uma cortina de lágrimas escorrendo de seus olhos, a Lilian foi desamassando e entregando o laço para a Luísa dependurar. Sem dizer uma palavra sequer, Luísa pegava o laço, enxugava as lágrimas da mãe com as mãos para que ela desamassasse o próximo. E assim a Luísa fez até que a árvore foi toda montada.

A Lilian me confessou que desde que ela a havia comprado, nunca sua árvore tinha ficado tão bonita quanto dessa vez. A dor realmente pode ser transformada em algo bonito. Lágrimas são como uma água benta que descortina os olhos para que eles possam admirar o que a vida ainda tem de belo.

Luísa foi sábia ao insistir. Fez a mãe encarar a dor da perda e, na sabedoria inocente de uma criança, fez com que sua mãe consiguisse dar alguns passos na direção de aceitar o que aconteceu e superar o fato de que não terá o seu Papai Noel presente fisicamente neste Natal.

Para a Liliam, Papai Noel existiu. Com a maturidade, ela descobriu que ele não morava no Polo Norte, mas no quarto ao lado, depois numa casa por perto. Difícil é aceitar que agora o Papai Manoel mora no céu.

Luísa aprendeu com o avô Manoel, que o Natal é época de trocar carinho, de retribuir afeto, de dar colo para quem nos deu colo. Essa é a grande lição deixada pelo pelo Avô Noel e que não pode morrer.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Algumas pessoas tem o privilégio de ter um Papai Noel ou uma Mamãe Noela o ano inteiro.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois,17/12/2016, Edição Nº 1438.

sábado, 3 de dezembro de 2016

Desabafo em Tempos de Crise

Arte de Weberson Santiago



Tenho olhado para os lados e me deparado com coisas desagradáveis de se ver. A machete que relata uma tragédia em destaque no jornal, logo cedo, no chão da garagem. Tento não me abater com o fato de que a humanidade não deu certo.

Dali há pouco, assisto uma cena de humilhação de uma pessoa com um funcionário na frente de um monte de clientes. Fico com raiva porque o funcionário havia me atendido bem, ainda que tenha cometido pequenas falhas. A falha é o que faz de nós humanos, penso. Abordo o humilhado e digo que gostei de seu serviço, para ver se vou embora menos incomodado. O estrago tinha sido feito e eu, feito o que estava ao meu alcance.

Transitando de carro pela cidade no fim da tarde, me deparo com motoristas agitados, apressados e impacientes. O tráfego parecia um surto coletivo. Pessoas bravas, fugindo, correndo. Como animais fugindo de uma presa, sem estar sendo de fato perseguidos por algo visível. Sentindo-se armados, fortes e poderosos com o veículo guiado sob o domínio de suas mãos. Jogando seus carros em quem bem entendem, colando o seu carro na traseira do mais lento que está a sua frente. Exilo-me na calma da direção defensiva, pensando que deveria mandar uma mensagem a mulher dizendo para se cuidar no trajeto de volta para casa.

A sensação que eu tenho é que nunca foi tão difícil não se abater pelas dificuldades. Por mais que meu olhar esteja treinado para enxergar o oposto de tudo o que eu relatei nas linhas acima, parece que as dificuldades tem se multiplicado. O que tem acontecido sem trégua.

Eu continuo contemplando o que é belo, mas o que é feio e sujo grita por atenção. Eu percebo que existe bonança mesmo em períodos de tempestade ou de seca, mas a garganta tem sentido demais as mudanças bruscas de tempo.

Sim, eu enxergo o lado bom da crise e eu acho bom que a corrupção venha a tona para quem sabe diminuir de frequência. Mas que tá difícil carregar o peso das consequências de tudo isso, tá.

Afinal, quem paga o preço somos todos nós que, nos desdobramos mais um pouco, arregaçamos a manga mais um pouco, aceitamos carregar mais um pouco de peso de trabalhos e de preocupações em nossos ombros, ao mesmo tempo que aprendemos a carregar mais vento em nossos bolsos.

A gente se dá mais e recebe menos. Por isso, vive melhor quem espera menos em troca de se doar. Vive melhor quem aguenta ficar calejado de enfrentar dificuldades para não experimentar o sabor da desistência. Vive melhor quem não se entrega e que tem fé que dias melhores virão.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Um mundo em crise é um lugar onde as pessoas entram em crise. Qual é a sua?
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 03/12/2016, Edição Nº 1436.