sábado, 28 de abril de 2012

O Desacreditado

Arte de Weberson Santiago




Por muitas vezes eu me vi como o desacreditado. Percebia que as pessoas me olhavam com desdém. Duvidavam dos alvos que eu mirava. Não apostavam em minha capacidade e esperavam qualquer dificuldade para apontar como uma confirmação de sua expectativa.

Era assim quando eu tentava subir no ringue para derrubar a obesidade que me acompanhava desde a infância. Nos primeiros anos, vários foram os especialistas contratados para ajudar, mas eu ainda não percebia o excesso de peso como problema e os fracassos foram se sucedendo.

Na adolescência, passei a encarar o problema como se fosse meu. Ficou realmente pesado carregar todos aqueles quilos e aceitar os olhares e os comentários quase nunca disfarçados. A cara de quem chegava no ônibus lotado e constatava que a única cadeira era ao meu lado denunciava o incômodo por eu ocupar mais espaço no mundo do que a maioria das pessoas. A cara era seguida pela atitude que confirmava o incômodo, a maioria preferia ficar de pé ao ocupar um terço de dois bancos.

O problema não era reconhecer a falta de controle diante da comida. Difícil era aceitar como os outros entendiam a questão: que a obesidade era apenas falta de força de vontade ou  excesso de preguiça de me exercitar. Não conseguia aceitar a explicação da auto-estima que diz que comer desenfreadamente é resultado da ausência dela. O que chamamos de auto-estima é um sentimento resultante da consideração de várias pessoas sobre aquilo que a gente faz ou pode fazer. E não se encontra consideração quando se é desacreditado.

Ocupar o lugar do desacreditado com muita frequência faz aceitar o descrédito. O mais perigoso é aceitar a falta de credibilidade e se acostumar com o sentimento da não confiar na própria superação. De tanto ser desacreditado, passei a acreditar que não era capaz de ser o mínimo suficiente. E há sempre alguém por perto para te lembrar. E a mudança fica cada vez mais distante.

É preciso muita força e a ajuda de pessoas confiáveis, que também acreditem, para conseguir sair deste cenário. Força é diferente de agressividade. Não é preciso tentar convencer quem desacreditou que você é capaz, mas é necessário manter o foco na superação do seu problema. Buscar estratégias sabendo que elas podem falhar e que, falhando, entrarão para a lista de tentativas. Por mais tempestuoso que se mostre um cenário, sempre há alternativas. Se não der certo, partir para uma próxima estratégia. Uma delas é a que dará certo para você.

Demorou um bocado de tempo e uma série de tentativas, mas eu consegui me livrar de mais de sessenta quilos que me incomodavam. Magro, recebi a proposta de trabalhar com esporte e com atletas. Foi aí que me senti desacreditado novamente, mas mais uma vez fui persistente para mostrar o contrário. Hoje, parte do meu trabalho é fazer as pessoas reencontrarem o crédito em si mesmas que elas perderam pela vida afora.

Um desacreditado teimoso é capaz de se tornar o bem sucedido. E aquele que desacredita costuma ser tão fiel aos seus julgamentos que, quando se depara com o sucesso de quem desacreditou, fica confuso. Não consegue acreditar que se enganou e se recusa a reavaliar os seus critérios num primeiro momento.

A melhor saída é desacreditar em quem desacreditou de você. Não dê ouvidos a quem dá de ombros para sua capacidade.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Eu ainda acredito em um mundo em que as pessoas se apoiem mais e duvidem menos umas das outras.



Publicado no 
Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, Caderno Dois, p. 5, 28/04/2012, Edição Nº 1197. 

sábado, 14 de abril de 2012

O Trabalho Sob Dois Pontos de Vista

Arte de Weberson Santiago




Existem duas faces de uma mesma moeda que me fazem pensar muito. São os dois lados de uma relação que tem o objetivo de produzir um monte de moedas. Falo da situação do trabalhador e de quem comanda um conjunto deles. Aqui no interior, chama-se de patrão e empregado. Nas organizações que se dizem modernas fala-se em líder e colaboradores. É o chefe e o funcionário.

São duas pessoas, uma na posição de executar algo para uma finalidade e outra que deve comandar um grupo de pessoas e conduzi-las a um objetivo. Quando se chega perto de cada um dos dois lados é que se pode observar as contradições.

Ser trabalhador não é moleza. Aliás, a moleza não tem lugar. Independentemente do dia, tem de se apresentar no horário, com tolerância máxima de cinco minutos para mais e cinco para menos e picar o cartão. Cartão picado significa já sair produzindo, sem mais delongas. Não importa se levantou com o pé direito, se acordou de mal humor, se está cheio de problemas fora do trabalho. É preciso deixar tudo de lado e trabalhar.

Quem não tem emprego, pensa que os seus problemas acabarão quando conseguir o seu. Quem já tem um, percebe que trabalhar é saber administrar problemas e que eles sempre farão parte da sua rotina. Você é contratado para resolver problemas, para evitar a recorrência dos problemas e de preferência extermina-lo para todo o sempre, para que possa vir o próximo.

Nem sempre o ocupante da vaga de trabalho sabe o que esperam dele. Parece que por mais que ele faça, a única coisa que consegue é evitar uma demissão. Reconhecimento? Este sim está desempregado. Não vem encontrando lugar para trabalhar em lugar nenhum. E olha que faz tempo que o reconhecimento vem circulando os anúncios dos classificados nos jornais à procura de uma oportunidade. O dia que contratarem o reconhecimento, vão descobrir que não é o dinheiro o maior motivador do trabalhador.

Ao contrário do que muitos pensam, o que aumenta a produtividade é ser visto. É experimentar que o seu empenho causa mais do que indiferença, que é capaz de gerar interesse, que promove satisfação e que definitivamente é importante para alguém. Aquele que se diz motivado sente que seu desempenho é maior que a vaga, que sua capacidade ultrapassa o cargo e que a sua criatividade só é limitada pelo espaço que lhe dão para coloca-la em prática.

Se eu já senti tudo isso como trabalhador, andei experimentando recentemente o outro lado. Como é difícil gerir uma equipe. Na hora de tomar a decisão, é preciso ter como prioridade a necessidade da empresa, em segundo lugar entender as necessidades dos funcionários. Como conciliar e respeitar as necessidades de pessoas tão diferentes, com histórias de vida tão distintas e prioridades das mais diversas?

Fico intrigado com a dificuldade que o brasileiro tem com a rotina. Não há um mês que consiga deixar o cartão de ponto em dia e sempre tem a justificativa mais mirabolante. É um sacrifício seguir uma rotina, resolver um problemas definitivamente ao invés de ficar consertando com uma gambiarra. Se eu descobrisse quem inventou o jeitinho brasileiro, demitiria do mundo na hora, sem aviso prévio.

Na hora de pensar como o empresário, é mais fácil ficar com pena do que querer ocupar o lugar do dono. Outro dia conheci um empresário cheio de boa vontade querendo propor um horário flexível aos funcionários, mas que descobriu que isto contraria as leis trabalhistas. Na hora de administrar a insatisfação de qualquer um dos seus colaboradores, descobriu que cada um defende apenas seu interesse e que ninguém está disposto a abrir mão. O chefe que pressiona já não sabe mais como conseguir o que quer de outra forma e não percebe que o resultado é o contrário.

O que verdadeiramente falta para estes dois lados é se colocar no lugar do outro. Ficaria mais fácil agir entendendo como o outro lado se sente diante das decisões que são tomadas. Ao invés de atacar, acatar que um lado depende do outro na mesma proporção. Quando cada lado caminha para um sentido, o todo chega ao lugar nenhum.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Acreditar que pode existir lugar para os limites humanos no trabalho não é ilusão, é parar de negar que todo ser humano tem limites.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, Caderno Dois, p. 5, 14/04/2012, Edição Nº 1195.