segunda-feira, 27 de abril de 2009

Tudo Tanto o Tempo Todo

Então, no fim da tarde ia para casa no ônibus da linha. Pensativo e desgastado com o episódio ocorrido há algumas horas. Era um almoço de trabalho com uma mulher de meia idade. Poderia ser uma parceira em negócios promissores. Fez pesquisas e os resultados apontavam para uma alta probabilidade de prosperidade. Consumidores potenciais mesmo em um momento de crise. Todavia, no almoço em que fecharia a parceria, pulou sobre a mulher para sentir seu cheiro e tudo foi por água abaixo.

E não era a primeira vez que isso acontecia. Durante a infância, foi levado muitas vezes a diretoria da escola, advertido e até suspenso. Quando entrava um novo colega, tinha que cheirá-lo para definir uma aproximação. Certa vez, durante excursão a um museu, tocou uma tela muito antiga para sentir o cheiro da tinta e gerou uma situação vexatória.

Após a adolescência, perdera a namorada no primeiro jantar romântico. Ela tolerou quando ele cheirou o prato de comida, mas não deu conta quando ele levou o nariz em direção a sobremesa. Percebeu que aquilo seria recorrente. Compreendeu porque ele tanto a beijava no pescoço. Isto ela gostava, mas só disto.

Na juventude foi questionado por um amigo: “Pra quê enfiar o nariz em tudo?”. E respondeu: “É a única coisa que eu faço em excesso. Diferente de você, que quer tanto de tudo o tempo todo.”

Sentia vergonha, mas precisava usar o olfato.

A.A.N.

Abril/2009

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Dedico esta crônica ao Caio, meu irmão.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Segundas-feiras

Embora a semana comece no domingo, e segunda-feira deva seu nome a isso, é no primeiro dia “útil” da semana que consideramos que ela começa. Por isso, sábado e domingo são chamados de fim de semana. Aliás, qual o fundamento para chamar alguns dias de “úteis”? Como se ter o prazer de acordar sem um despertador, mesmo que na mesma hora, depois colocar uma boa música e ler o jornal de domingo de cabo a rabo fosse algo “inútil”.

Mas, por conta dos compromissos, acaba sendo na segunda que a semana efetivamente começa. Já tive muitos problemas com este dia da semana. Um sentimento estranho, muitas vezes difícil de entender ou nomear. Por vezes, considerei-me improdutivo. Por outras, muito pensativo e até cansado.

Conversando com um grande amigo psicanalista, me dizia que não atendia pela segunda de manhã, cuidava de outras coisas importantes no consultório, se organizava e começava a atender após o almoço. Ele considerava essa dificuldade comum devido à intensa convivência familiar aos finais de semana. As risadas que ele arrancava quando dizia isso para alguém eram sinais de que fazia, ao certo, algum sentido. Afinal, quantas vezes nos pegamos fugindo de uma situação familiar incômoda no fim de semana?

Certa vez li uma pesquisa japonesa que dizia que a pressão arterial era maior na segunda-feira do que em qualquer outro dia da semana, devido ao estresse da volta ao trabalho para eles. Para lidar com esta realidade indiscutível, incluí algumas estratégias para driblar o efeito da “segundona”. Uma delas é publicar as crônicas no Observatório. Mesmo que escreva em outros dias, a última revisão e a publicação acontecem às segundas-feiras.

A.A.N.

Abril/2009

segunda-feira, 13 de abril de 2009

A Crônica da Crônica

A crônica, enquanto gênero literário, me fascina. A vontade de escrever sobre isto foi aumentando, visitei mega livrarias para observar o espaço que a crônica ocupa e descobri profissionais de diversas profissões se aventurando por este caminho. Dentre estes destaco o lançamento, às vésperas de seu 101º aniversário, de As Crônicas de Niemeyer, do arquiteto Oscar. Ainda não o li.

Nas pesquisas que fiz, descobri que além de críticos literários, como Antonio Candido, autores de nosso tempo analisaram a atividade do cronista, como Fernando Sabino e Luiz Fernando Veríssimo. Considerei-me atrevido na pretenção de discorrer sobre uma atividade tão recente para mim.

Na ocasião do lançamento de seu livro, Niemeyer relatou um descontentamento com sua publicação: não constam as datas das crônicas, que foram escritas para jornais e revistas nas últimas décadas. Considero legítima a reclamação do autor, a característica essencial deste gênero é descrever cronologicamente situações ou eventos - a palavra deriva do Latim chronica, que significa relato de acontecimentos ocorridos no decorrer do tempo. A data remete ao contexto ambiental em que foi escrita pelo autor. Niemeyer identifica que as crônicas mais antigas são pessimistas nas respostas. Quando mais recentes, assume uma posição de esperança. Entretanto, com a ausência de datas o leitor não pode fazer uma análise do posicionamento do autor em diferentes momentos.

Diante de tal reflexão, percebi que não há mal em expressar minha opinião sobre a crônica neste momento. Se quiser rever, completar, mudar, basta outra crônica ou uma alteração nesta. Aliás, nas novas edições de seus livros, Rubem Braga fazia pequenas alterações em suas crônicas, sobretudo em alguns títulos. Braga foi o único brasileiro que conquistou consideração na literatura escrevendo somente crônicas.

Fernando Sabino a define como um comentário leve e breve sobre algum fato cotidiano. Seu tema pode ser poético ou irônico, mas o seu motivo, na maioria dos casos, é o fato miúdo: a notícia em quem ninguém prestou atenção, o acontecimento insignificante, a cena corriqueira. Nessas trivialidades, o cronista surpreende a beleza, a comicidade, os aspectos singulares. O tom, como acentua Antonio Candido é o de uma conversa aparentemente banal.

É esta aparente banalidade que promove o efeito mais importante da crônica: proporcionar a familiaridade entre o escritor e aqueles que o lêem.

De uma perspectiva histórica, ela apareceu pela primeira vez em 1799, no Jornal de Débats, publicado em Paris. A crônica é o único gênero literário produzido essencialmente para ser vinculado na imprensa, nas páginas de uma revista ou de um jornal. Caracteriza-se por ocupar um espaço sempre igual e com a mesma localização, com freqüência determinada.

A mistura entre jornalismo e literatura leva o cronista a um freqüente impasse: para se constituir como texto artístico, o seu comentário sobre o cotidiano precisa apresentar uma linguagem que ultrapasse a da mera informação. Para tanto, usa-se uma linguagem mais pessoal. O estilo deve dar a impressão de naturalidade e a língua escrita aproximar-se da fala. Essa oscilação entre se colocar como autor e abrir espaço pra questões cotidianas, retirando-se do texto, é uma das características que mais me agradam na crônica.

Sua extensão combina bem com a modernidade. O desafio do cronista é escrever no prazo proposto, alcançando a linguagem literária de beleza singular.

Para finalizar, cabe realçar a importância da opinião dos leitores para o cronista. Ele lança seu escrito e percebe a reação das pessoas. É como um diálogo sem pressa.

A.A.N.

Abril/2009

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Agostinho

Tem histórias que não se cansa de ouvir. Na ocasião da comemoração dos 153 anos da cidade de Mococa, dia 05 de Abril de 2009, faz-se oportuno relembrar algumas delas. Quanto aconteceu nessa cidade em todos esses anos. Quantas pessoas por aqui passaram, foram, ficaram. Com a comemoração, resgatamos fotos antigas e falamos de um tempo diferente.

Tenho como referência da história de Mococa, a própria vida de meu avô, Augusto Amato, que neste ano completa 90 anos. Ele presenciou as tropas avançando pela cidade durante a Revolução de 1932, em que violentos ataques aconteceram. Ele conta que quando a poeira baixava, saia com seus amigos em busca dos estojos que caiam das armas após o disparo dos projéteis.

Nesta época, os chamados grupos escolares ofereciam ensino básico, até os 12 anos. Depois, era a hora de aprender algum ofício, o que significava estar ao lado de alguém experiente a fazer alguma atividade que gerasse renda. Meu bisavô, Luiz Amato, era alfaiate. Todas as roupas eram feitas sob medida, não se encontrava nada pronto pra comprar. Já nessa época terceirizava parte da elaboração das vestimentas e no relacionamento com os clientes, conseguiu um trabalho em uma loja de tecidos para seu filho. Os proprietários eram dois irmãos. O trabalho ia bem, mas os proprietários resolveram sair da cidade para cursar uma Universidade e fecharam a loja. Fizeram bem, um se tornou um renomado Engenheiro e o outro Advogado, conta meu avô.

Porém, se viu sem emprego e meu bisavô disse: enquanto não arrumamos um emprego melhor, você ajudará na barbearia. E pra lá foi. Naqueles anos não se fazia barba em casa, e sua função era escovar o terno dos clientes ao final do corte. Não havia salário, as gorjetas da semana somavam 1$000 réis. Esta era a representação de 1.000 réis na época, foi só a partir de 1942 que passou a se usar ponto, depois vírgula para separar os milhares e os números não inteiros, respectivamente. De qualquer forma, era pouco, mas recebido com satisfação.

Um dos clientes do ‘Vô Luiz’, meu bisavô, era o Contador do Laticínios Mococa. Naquela época, só existiam dois na cidade, o outro era Contador no Banco Barreto. Perguntou ao cliente se seu filho poderia trabalhar no Laticínios, e a resposta foi que não havia espaço físico no escritório ocupado por quatro pessoas, incluindo os donos, mas que uma ampliação estava nos planos, o que possibilitaria sua entrada. E assim foi.

Trabalhava fazendo o que era solicitado, organizando os papéis, ajudando os demais. O primeiro ano todo foi sem salário. Recebia 10$000 contos de réis do Contador, que retirava do próprio bolso para incentivar o trabalho bem feito. Quando me contou isso, comento: difícil pensar, hoje, em alguém se dedicando todos os dias a um trabalho sem receber por isso, seria um resquício da escravidão esta forma de pensar daquela época? Não deixa de ser - respondeu ele. Penso que o que ele buscava não era o dinheiro. O Contador recebia 300$000 réis de salário e todas suas despesas somavam 100$000 réis mensais. Profissão valorizada pela escassez de profissionais.

Após alguns anos, Agostinho, como era chamado meu avô, foi assalariado e passou a desempenhar funções de maior responsabilidade.  Nesta ocasião, o Contador pediu afastamento de seis meses para cuidar de sua saúde. Indicou outro Contador para ocupar seu lugar, enquanto estivesse fora. Porém um dos proprietários, Sr. Barreto, questionou: você não convidou o Amato? E naquela época, com a escassez de profissionais formados, o governo concedia o título de Guarda-Livros, que autorizava profissionais sem formação acadêmica a exercer as atividades de Contador. Surpreso pela indicação, já que tinha 17 anos, passou a trabalhar na parte Contábil em um momento em que o Laticínios Mococa estava começando a crescer e a movimentação financeira cada vez mais intensa. O Contador acabou decidindo não retornar a Mococa, e abriu uma fábrica de Manteiga noutra cidade com os 200$000 réis que restavam de seu salário todos os meses e que foram acumulados.

Ao entrar o Tiro de Guerra descobriu uma coisa importante. Um dia o tenente perguntou:

- Qual o seu nome, Soldado?

- Agostinho.

- Eu perguntei seu nome, Soldado!

- Agostinho, Senhor!

- Eu estou com sua ficha, seu nome é Augusto, Soldado!

E foi nesse dia que ele descobriu, aos 18 anos, que se chamava Augusto. Fato que só poderia acontecer em um período que não se manuseava tantos documentos como hoje. Bom, ainda bem que ele descobriu, senão me chamaria Agostinho Amato Neto.

Embora tenha passado a assinar Augusto a partir desse episódio, todos ainda o chamavam de Agostinho, que depois passou para Tino. Com a abertura da Escola de Comércio, formou-se Contador e algumas décadas depois se tornou Diretor, cargo no qual se aposentou do Laticínios Mococa. Ainda trabalha todos os dias, como faz desde os 12 anos.

A.A.N.

Mococa, 05 de Abril de 2009.