sábado, 22 de dezembro de 2012

O Natal Sempre Presente

Arte de Weberson Santiago



Outubro de 1955. A família acompanhava Bernardo Agnelli em uma viagem de trabalho pelo interior do Estado de São Paulo. Passavam por Santo André para uma visita ao compadre Anselmo e a comadre Bibiana. Após o amoço, saíram do restaurante caminhando quando passaram diante de uma grande Relojoaria, localizada na Rua Barão de Rio Branco, ponto forte do comércio local.

Vicenzo, então com sete anos, apontou para o interior da loja, chamando a atenção de sua mãe, Giuditte. “Olha mãe, o passarinho que fala a hora!”, disse ele. A parede repleta de Cucos era fascinante. Os entalhes de madeira, esculpidas à mão, em diversos tamanhos e formas arrebatou a todos. Vecenzo fez com que entrassem na loja.

Bernardo pôs-se a explicar: “É um cuco, bambino! Um pássaro chamado  Cuco Canoro, que canta em duas notas que soam como ‘Cu-co!’ Ele avisa quando as horas se completam. Essa raça não sabe fazer ninho, Vicenzo, por isso ocupa o ninho de outros pássaros ou escolhe morar no relógio. Nas redondezas da casa do seu avô Luigi, na Itália, haviam muitos Cucos. Eles apareciam de março a junho e depois migravam para procriar”. Mariana, a caçula de três anos, pediu para subir no colo do pai para ver de perto. Giuditte ficou encantada.

Bernardo precisava continuar a viagem de trabalho e todos saíram em direção à casa do compadre para a despedida. No caminho, quando já estavam acomodados na locomotiva maria-fumaça, Bernardo pensava na imagem de alegria de sua família diante dos relógios.

A viagem terminou, o tempo passou e a véspera de Natal chegou. Bernardo e sua família sempre ceavam na casa do seu pai. O avô Luigi começava a preparar os mantimentos para o Natal no final de novembro. Pegava o trem até a cidade vizinha para encher os balaios da dispensa com as melhores frutas. Queria fartura para as festas e não economizava na comida. Respeitava a tradição italiana. Na véspera, comia-se peixe. Tinha Bacalhau à Escabeche, Dourada assada, tudo regado a azeite importado de perfume marcante.

No dia 25, o almoço costumava se emendar ao jantar e ninguém queria sair da mesa. A avó Nena fazia a comida. Carne de porco, frango assado. O cabrito cozido em molho vermelho com azeitonas pretas ficava apurando por horas a fio. Tinha pão de tudo que era tipo para passar no molho. Castanhas e nozes, frutas secas. Tudo acompanhado de um bom vinho. Giuditte preparava a sobremesa, sua especialidade era a Caçarola. A falação típica de uma reunião de família italiana. As risadas das histórias contadas pelos tios. Eram momentos felizes.

A ceia começava cedo e ainda faltava meia hora para a meia noite quando o jantar acabou. Bernardo sugeriu à sua família que fossem dar uma volta na praça quando deixaram a casa do vô Luigi. “Vamos fazer a digestão”, sugeriu o pai. E depois de uma rodadela calculada partiram em direção a casa da família.

Quando colocou a chave na fechadura e girou duas vezes a tranca Vicenzo, Marina e Giuditte ouviram um barulho: “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”. Assim que chegou da viagem de Santo André, Bernardo foi à central telefônica e ligou para o Padrinho Anselmo. Pediu que comprasse o Cuco e o remetesse pela Linha Mogiana. Na véspera de Natal, combinou com o Argemiro que pendurasse o Cuco e acertasse a hora enquanto estivessem na casa do Vô Luigi. Queria fazer uma surpresa. Só que precisaria chegar em casa à meia noite em ponto.

E na décima segunda badalada estavam todos à frente do Cuco, alegres e surpresos, contemplando o novo morador. Bernardo havia arrancado sorrisos de todos que, encantados com a surpresa, se colocaram a sua volta, quando Vicenzo perguntou:

Papá, em junho ele vai embora pra procriar?

Não, Vicenzo, ele ficará para nos avisar cada hora que passar.

O Natal é a oportunidade de trazer o encantamento para dentro de casa. É renovar a expectativa de que o encantamento dure o ano todo, até o próximo Natal. E ainda que não dure, que ao menos permaneça a esperança de que algo melhor virá. E o melhor não vem embrulhado para presente, no saco vermelho carregado pelo bom velhinho, apenas uma vez ao ano. O melhor vem entregue a cada dia, pelas mãos de quem amamos.

O Natal de 2012 será o primeiro em que a Giulia, neta de Vicenzo, ouvirá o Cuco cantar.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Pra você que toma este cafezinho comigo há sessenta edições, desejo que o seu Natal seja um momento de paz!


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 22/12/2012, Edição Nº 1231. 

sábado, 8 de dezembro de 2012

Por Que Eu Escrevo

Arte de Weberson Santiago



Eu escrevo porque vivo. Estou vivo porque escrevo.

A escrita me salvou. Não me livrou do mundo nem das agruras de viver. A escrita me salvou de mim mesmo. Me livrou de habitar os recônditos do esquecimento.

Vivo a esquecer o que eu busco quando eu vou de um lado para o outro dentro da minha própria casa, mas não aceito perder o sentido da vida. Escrevo para tentar encontrar o rumo da minha.

Eu escrevo para não viver apenas de rascunhos. Escrevo para passar a limpo as minhas experiências.

Se eu não posso desfazer os caminhos que percorri, escrevo para documentar os lugares que passei, as pessoas que encontrei, as histórias que compartilhei.

Escrevo porque acredito nas palavras. Uma vez que meu excesso de vontades encontra no vocabulário da língua a infinidade que precisa para divulgar emoções.

Escrevo para fazer publicidade do amor. Para defender que é preciso tirar o amor da dimensão dos sentimentos para praticá-lo em ações. Escrevo para mostrar que são poucos os que se atrevem a praticar o amor. Para que eu tenha o que fazer quando não fizer amor. E quando o amor está soterrado pela fadiga ou pela raiva, escrevo para resgatar o amor.

Escrevo por falta de modéstia. Ocupar meia página do jornal com a primeira pessoa do singular não é coisa de quem vive no retraimento. Não é pra quem sofre de timidez. Ao contrário, escrever é pra quem tem pretensão de sobra.

Escrevo porque não consigo ficar de boca fechada. Escrevo porque não consigo calar minhas mãos.

As palavras promovem mudanças, mas o percurso dessas só se revela depois. Como as vezes me falta paciência, eu semeio com pressa os termos, vocábulos, verbos e expressões e preciso que você regue com os seus sentimentos. O que vai germinar é incerto.

A palavra deixa de me pertencer no exato instante em que lanço mão do último ponto final e  é recolhida pelos seus olhos, ouvidos e coração. A palavra dita não pode ser recolhida, a palavra escrita não pode mais ser desdita, apagada. Está documentada e passa e ser sua, de quem a ouviu ou leu, e você faz o que quiser dela.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Escrever é fazer tatuagem no espelho.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 08/12/2012, Edição Nº 1229.