sábado, 24 de junho de 2017

Por Fermento na Família

Arte de Weberson Santiago



Neste domingo recebemos em casa o Luiz Otávio. Ele é filho da Lívia, amiga de infância da Natália. Elas cresceram juntas no mesmo bairro onde a gente mora. Agora, a Ane e o Luiz Otávio repetem a história de amizade, deixando as suas mães orgulhosas. Eles se encontraram de manhã para andar de bicicleta na rua, depois se cansaram e foram jogar em casa.

Convidamos o Luiz Otávio para ficar pro almoço. Quando fui colocar a mesa, me dei conta que temos quatro lugares na mesa em que tomamos as refeições diariamente, mas que só ocupamos três lugares usualmente. Aqueles quatro pratos ocupando todos os lugares me fizeram sentir como se a família estivesse completa – ainda que o quarto membro só estivesse ali emprestado.

Na mesma hora, imaginei como seria interessante se a Natália e eu tivéssemos mais um filho, como nossa casa ficaria suficientemente cheia. Nessa hora, em pensamento, começa a tocar a música do Martinho da Vila que diz assim: “Está em você o que o amor gerou. Ele vai nascer, e há de ser sem dor. Ah! Eu hei de ver, você ninar e ele dormir. Hei de vê-lo andar, falar, sorrir.” O detalhe é que eu escuto a música Tom Maior tocando na versão acompanhada pela orquestra Petrobrás no Sambabook do Martinho (procure no YouTube que é show!). E imagino a gente chorando de amor com a notícia da gravidez. Deixando a idealização de lado e voltando ao domingo:

Como a Ane e o Luiz se dão muito bem, ela pouco ficou atrás da gente, e nós pudemos fazer outras coisas. Demoraria para que nosso filho tivesse autonomia para brincar com a irmã sem depender da gente e a harmonia entre irmãos não dura tanto tempo, mas naquele momento constatei o desejo de ver um bacuri correndo pela casa. Uma menina para completar o meu harém. Ou um menino para equilibrar a disputa dos gêneros. Não importa o sexo. Nossa família ficaria completa.

Ao mesmo tempo em que desejo mais um filho, sou tomado pelas dúvidas. Tenho preguiça de começar tudo de novo, afinal a Ane já tem nove anos e é bem independente. Meu individualismo me faz pensar nas noites de sono que irei perder nos primeiros meses após o nascimento e eu sou tomado pela preguiça.

Tenho medo de não dar conta de pagar as contas que irão aumentar com a família aumentando, até porque nossa casa tem dois quartos e precisaríamos construir mais um quarto para acolher o branquelo ou a branquela. E me vem à memória aquele cheirinho de bebê, que é o cheiro mais gostoso dessa vida.

Temo pela Anelise, que vive pedindo um irmão, mas que as vezes não sabe lidar com a atenção que damos a outras crianças. Tenho receio também de como vai ficar a minha relação com a Natália. Eu já divido ela com os seus trabalhos e com a Ane e vou ter que abrir mão de mais um pouco do que me sobra para o novo filho.

Por mais que eu saiba que tudo se encaixa, que tudo dá certo e que se a gente pensar demais o tempo passa e a gente não acaba tendo o segundo filho, as dúvidas permanecem. E talvez nunca irão desaparecer. Até o filho nascer.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Tem coisas na vida que se a gente pensar demais, não sai do lugar.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 23/06/2017, Edição Nº 1465.

sábado, 10 de junho de 2017

A Pilha de Mãos

Foto: Augusto Amato Neto

A primeira viagem que a Natália, a Anelise e eu fizemos foi para Delfinópolis, Minas Gerais. Cidadezinha de sete mil habitantes localizada entre a Represa de Peixoto e a Serra da Canastra, que tem o privilégio de incluir em seu território mais de 100 cachoeiras.

No caminho da ida, avistamos uma enorme árvore de copa frondosa que cobria toda a estrada. Ao pensar que experimentar a sombra foi um presente em nosso caminho, estacionei no acostamento.

O tronco era extremamente largo, suas raízes eram tão grandes que formavam bancos sinuosos ao seu redor. O chão tinha um tapete de folhas secas que nos dava a impressão de pisar nas nuvens.


Ali nos sentamos e sentimos a brisa. Em um momento de ternura, num gesto de cumplicidade estendi a mão com a palma para baixo e olhei para a Natália. Ela colocou a palma da sua mão sobre a minha e foi imitada pela Anelise, pequenininha, que completou o gesto.



Aquele gesto espontâneo representou um pacto de união. Que permaneceríamos juntos na estrada da vida, sejam as surpresas dos caminhos da vida agradáveis ou desagradáveis.

Aprendi com meus pais que quando a gente se casa e constitui uma família, ela passa a ser a prioridade de nossa vida. As escolhas devem ser feitas pensando em primeiro lugar nesse nosso núcleo familiar e a família mais ampla deve estar em segundo plano. Isso significa que os problemas do casal ou família devem ser resolvidos em casa e não devem ser levados para os pais ou outros familiares. Significa também que se algum familiar não aceita minha mulher ou minha filha, não aceita minha família e por consequência não me aceita.

Foi naquela sombra, fazendo aquele gesto que eu tomei consciência de que nossa família seguiria nestes princípios e valores. E aquele gesto passou a ser repetido em ocasiões específicas. Como quando comemoramos uma de nossas conquistas, depois de conversar sobre como resolver algum problema fora de casa ou quando conversamos para superar algum conflito entre nós. Selamos a conversa de resolução com aquele gesto de sobreposição das mãos.

Cada problema superado e cada vitória comemorada é a vida seguindo. O que eu espero é que, independente da estrada, do ponto de partida ou do ponto da chegada, que lutemos para preservar a nossa união.


  UM CAFÉ E A CONTA!
| Às  vezes a gente precisa viajar pra longe de casa para se lembrar dos valores do que a gente tem dentro dela.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 10/06/2017, Edição Nº 1463.