sábado, 30 de dezembro de 2017

O Que Você Aprendeu no Ano que Passou?

Arte de Weberson Santiago



O final do ano se aproximando nos faz refletir sobre o que produzimos durante os meses que se passaram. Como eu comecei o ano e como estou terminando? Quais foram minhas conquistas e quais foram as minhas perdas?

O prazo de um ciclo se fechando costuma ter um efeito psicológico. É um período de recolhimento, de reflexão, de introspecção. É assim antes do aniversário, quando concluímos um curso, quando o ano termina, e em muitas situações de fechamento, de encerramento, de conclusão.

Muitas pessoas sentem desconforto com os sentimentos gerados por estas situações, não lidando bem com o que um final lhe gera no mundo das emoções. Ainda mais quando a reflexão fica distorcida pelo olhar que teima em enxergar mais os eventos negativos do que os positivos.

Os ganhos precisam ser reconhecidos e agradecidos, mas é muito importante que reconheçamos através dos nossos próprios sentimentos negativos aquelas situações ou pessoas que nos incomodam e nos fazem sofrer. Só quando encaramos este tipo de sentimento e o contexto que nos deixa assim é que podemos mudar a maneira com que enfrentamos essas situações.

Na verdade, nós nos acostumamos com o que é ruim. Não me esqueço de um caso que me relataram de uma mulher que tinha um marido violento com quem foi casada por trinta anos, que passou alguns anos lamentando sistematicamente a sua morte. E também não me esqueço de um conhecido que sempre reclamava do seu chefe, mas sempre preferiu o chato conhecido do que correr o risco de encarar o desconhecido em um outro trabalho. Eles se acostumaram com o que lhes era ruim. Buscaram coisas e situações para se distrair de seus sentimentos e pensamentos negativos que lhes diziam que era hora de mudar.

É justamente isso que faz com que vivamos uma vida sem valor, que constatemos que o balanço de um ano foi negativo. Comemore suas conquistas, mas não ignore as lições que as experiências ruins lhe proporcionaram e não tampe os seus ouvidos para os recados que os seus pensamentos e sentimentos negativos lhe dão.

O que faz com que a vida valha a pena é agir na direção do que faz o nosso coração arder de vontade de realizar. Que pode estar distante, e mesmo que só possa ser conquistado com muito sacrifício e aos poucos, você escolhe se entregar à busca. A vantagem é que cada passo dado nesta direção se torna, por si só, uma realização.

E nesse novo ano que começa, você vai passar fingindo que não vê os seus incômodos ou vai passar agindo na direção do que você valoriza?

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Pode ser que não dê para mudar de imediato, mas quando aguentamos o que é desconfortável mais um pouco em nome de algo maior, o incômodo diminui.
Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 30/12/2017, Edição Nº 1492.

sábado, 16 de dezembro de 2017

Natal com Fé

Arte de Weberson Santiago



Maria Celeste estava cansada da vida.

Cansada dos problemas financeiros por conta da crise. Do aumento das contas e do salário que não é suficiente para pagá-las. De viver apertada. De não poder dar tudo o que gostaria para os seus filhos.

Cansada da roubalheira da política, de ter de pagar pela inconsequência da ganância alheia. Ela que nunca roubara nada, que cresceu com o pai repetindo que “se para vencer estiver em jogo a sua honestidade, então perca. Assim será sempre um vencedor.” Ela que não gostava de apelar ao jeitinho, estava enojada de se deparar com pessoas tentando usar da esperteza para beneficiar a si mesmo, prejudicando as outras.

Exaurida de ter de cuidar dos problemas de saúde de seus pais idosos. De se deparar com o medo de perde-los, de angustiar-se ao vê-los experimentando a decadência do corpo e o fim da vida.

Cansada  de ser julgada. Pelos professores da escola pelo desempenho dos filhos. Pelas amigas pela falta de cuidados consigo mesma. Pelo patrão que não entendia seus problemas particulares. Por si mesma, que não aceitava os quilos ganhos e se culpava de vez em quando por não conseguir emagrecer.

Maria Celeste estava exausta de tanto correr e cansada de não ter férias. O ano havia passado rápido e ela estava cansada. Quando percebeu, o Natal estava chegando de novo.

Foi quando ela se viu irritada só de pensar que teria de montar a árvore de Natal e enfeitar a casa que Maria Celeste percebeu que algo estava errado com ela.

Ela havia sido consumida pelas dificuldades e, mesmo que estivesse dando conta das demandas de sua vida, em muitos momentos era tomada por sentimentos e pensamentos negativos. Tinha horas em que ela queria sumir, desaparecer.

Maria Celeste percebeu que, se nada fizesse, passaria o Natal sem fé. Tomou a decisão de cuidar de se mesma. Aproveitou a pescaria do marido no fim de semana e mandou os filhos para a casa da avó. Ela aproveitaria seu final de semana.

Ajeitou a casa, tomou um banho de ervas e sal grosso, arrumou os cabelos e fez a unha. Quando ficou pronta, sentou-se no sofá com as pernas esticadas e pôs-se a pensar na vida. Fez uma retrospectiva de tudo o que tinha passado.

Se perguntou quem ela era, o que estava fazendo na vida naquele momento, por que havia feito cada uma de suas escolhas. Foi preciso parar tudo para que Maria Celeste pudesse se recolher e sentir um pouco de paz. Ela precisou deixar tudo de lado para entender o motivo de cada coisa que faz.

O presente de Natal de Maria Celeste foi um fim de semana consigo mesma, e mais ninguém. Foi o suficiente para ela recomeçar a rotina com mais sentido depois de olhar a sua própria vida como se estivesse de fora. O que ela precisava era descansar de viver. Uma pausa consigo mesma.

Maria Celeste recuperou sua fé a tempo. Natal sem fé, não é Natal. Natal é renascimento. E ninguém renasce sem acreditar.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Meu desejo de um Natal com Fé para vocês que acompanham esta padaria de crônicas.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 16/12/2017, Edição Nº 1490.

sábado, 2 de dezembro de 2017

Como Cão e Gato

Arte de Weberson Santiago



Na hora de acordar, as pessoas são como gato ou são como cachorro.

A Natália acorda como gato. O despertador toca, e ela desliga. Daí ela espreguiça e vira para outro lado. Dorme mais um pouco. Estica e vira para o outro. Alonga e vira de bruços. Parece aquele ritual felino preguiçoso.

Eu acordo como cachorro. O despertador toca e eu saio estabanado da cama: derrubo o celular no chão, tropeço no pé da cama, faço barulho para abrir e fechar a porta do quarto. Como o cachorro que, tomado pela felicidade, abana o rabo e esbarra nos objetos do caminho.

A cabeça da Natália acorda lenta como um gato que dispõe um pé depois do outro depois que levanta. Já aprendi que tudo o que eu falo durante a primeira meia hora depois que ela acordou corre sério risco de ser esquecido.

Não dá para combinar quem busca a Ane na escola, de pedir para incluir um item na lista de compras, muito menos para dar um recado que começa com “não esquece de...”. Ela vai esquecer porque está como o bichano que dorme de olho entreaberto.

A minha cabeça acorda agitada como cachorro de pequeno porte. Meus pensamentos acordam latindo como cachorros da raça Pinschers e ficam entrando na minha frente como se fossem Chiuhauas.
Minha disposição a iniciar a sequência de comportamentos antes de sair de casa é igual a animação de Labrador. Eu percorro a agenda do meu dia antes mesmo de chegar até a cozinha, como aquele cachorro que sobe e desce a escada enquanto espera o dono descer do carro desde quando ouve o barulho do carro se aproximando.

No final do dia, a coisa se inverte.

Com o meu madrugar canino, a energia de noite fica rebaixada e eu me torno um gato preguiçoso. Só quero encontrar a minha cama, afofar o edredom com as unhas, dar duas voltas em círculos e apagar.
Com seu acordar felino, a Natália chega pilhada a noite. Quer repassar os acontecimentos do dia e entender o que aconteceu, daí fica agitada como um cão. Fica cavando buracos no gramado dos pensamentos e sentimentos para enterrar os ossos do ofício.

As vezes a gente briga como cão e gato quando eu lhe exijo disposição de manhã e ela me cobra disposição a noite. Mas durante os dias, o cachorro é o melhor amigo do gato e o gato é o melhor amigo do cachorro. E durante as noites, não tem uma em que a gente não se aninhe na cama encostados para aquecer os nossos sonhos.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| O melhor amigo do homem é aquele que é tratado com afeto.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 02/12/2017, Edição Nº 1488.