sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O Noivado

Arte de Weberson Santiago




O noivado é a ocasião ou festa que estabelece o COMPROMISSO de matrimônio de um homem com uma mulher. Simples na definição, deliciosamente complicado na prática.

No final do ano passado decidi que ficaria noivo da Natália. Decidi por nós dois. Queria fazer uma surpresa para ela e correr o risco da resposta ser uma surpresa para mim. Não temia o não. Talvez tivesse um pouco de medo do sim e do que aconteceria depois dele, mas mesmo assim juntei a grana e fui a uma joalheria escolher o par de elos.

A escolha não foi simples. Era preciso escolher uma que a agradasse. Aí que começou o problema. Eu gostei de uma mais fina, de sua singela discrição, mas tive a certeza que ela gostaria de uma bem larga. Pra mulher, a largura da aliança é proporcional ao tamanho do sentimento. Eu não sou pão duro para as coisas que são importantes. Não foi por ser mais barata que gostei da aliança mais fina, mas imediatamente pensei no gosto dela e escolhi pelo gosto dela.

Para a mulher, ficar noiva é como comprar o ingresso do show da sua banda preferida. É saber que um dia você estará cara a cara com seu sonho, embora o palco seja o altar da igreja e no lugar do vocalista se encontra o padre. O anel é a promessa de sua validação como mulher perfeita e realizada, que de tão perfeita foi escolhida.

A mulher encara o aro como espiral e não se importa com as voltas que a relação vai dar desde que termine no altar. Depois de aceitar o pedido, gosta de exibir a aliança como se tivesse ganhado na loteria. Estica o braço para a mão chegar na frente. Torce para uma luz qualquer reluzir o ouro e ofuscar a vista das outras mulheres.

Quando o tíquete saiu da máquina de cartão e a dona da loja me deu a sacola com o par de alianças, eu tremi. Senti um frio na barriga, as pernas trêmulas. Ela se agaixou e pegou uma garrafa de vinho, um presente de fim de ano da loja, e precisou repetir para que eu pegasse  a garrafa tamanho o meu estado de congelamento. Grandes passos são acompanhados de fortes emoções.

Nervoso mesmo eu fiquei no dia. Escolhi o dia de Natal, o almoço em família. Meu único parceiro do segredo foi meu avô. Uma semana antes disse que havia escolhido o Natal para meu noivado. Ele ficou contente e contou: “eu e a sua avó ficamos noivos em um dia de Natal”. Quem ficou satisfeito fui eu, como se a data escolhida fizesse mais sentido depois desta co-incidência de datas.

No dia fatídico, eu não cabia mais em mim. Queria que chegasse logo o grande momento. Haviamos planejado o brinde depois do almoço como a grande hora, até que aconteceu o imprevisto. Dividíamos uma poltrona, quando a Natália apoiou o copo na minha perna e percebeu a caixinha quadrada no bolso. “Você não vai fazer isso, vai?”, disse. “Vou sim”, respodi.

Mas aqui, na frente de todo mundo?

— Sim, daqui a pouco, na frente de todo mundo.

— Me trás alguma coisa para beber? – pediu ofegante.

— Não, vai ser sem beber nada!

Antecipei o pedido para a antes do almoço, com medo de não conseguir comer todas aquelas comidas gostosas caso o noivado ficasse para a sobremesa. Peguei todos de surpresa, menos aquela que deveria ser surpreendida, mas mesmo assim foi romântico e inesquecível.

Olho para o aro brilhante e espelhado e vejo meu reflexo na superfície abaulada. A minha aliança é como um espelho que carrego no dedo. Sendo o símbolo de uma parceria que deve ficar mais sólida a cada dia até chegar no casamento, percebo que a aliança representa muito bem o dia a dia da relação.

Tem dia em que ela está brilhante, tem dias em que ela está embaçada. Às vezes ela fica larga no dedo, tem horas que ela fica justa e aperta. E ainda sim, a aliança é envolvente, me preserva contido em seu interior. Percebi que ando gesticulando com um certo orgulho a mais. Costumo falar muito com as mãos e ando fazendo joinha para exibir a aliança, apontando com o dedo indicador para sugerir qualquer coisa só pra me lembrar do meu COMPROMISSO. Aquele em que eu escolho estar comprometido a cada dia.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Se o COMPROMISSO é simples na definição e complicado no cotidiano, a opção é pela complicação de simplificar a vida a dois.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

20 Coisas Que Não Me Avisaram

Arte de Weberson Santiago




Existem coisas que ninguém fala pra gente e temos de descobrir na prática. O problema é que as vezes demoramos para chegar a uma conclusão que, falada, certamente simplificaria nossa caminhada. Faço uma lista das coisas que descobri e que gostaria que tivessem me avisado.

Não me avisaram que os dias quentes não justificam a moleza [1]. Nunca fui avisado que a segunda-feira é um dia de adaptação [2]. Não me contaram que demoramos uma semana para se acostumar com o tempo livre das férias e que começamos a sofrer uma semana antes de retornar as atividades [3]. Nunca me disseram que férias só existem na infância, certamente teria aproveitado mais [4].

Se alguém tivesse me dito que o casamento deve combinar os três sentimentos, tudo seria mais fácil. Uma grande dose de amor com pitadas de paixão e amizade [5]. Se tivessem me avisado que o amor é menos explosivo que a paixão e que o amor é menos morno e seguro do que a amizade, talvez não tivesse tido tanta dificuldade nessa questão [6]. Se alguém tivesse me dito que eu passaria o resto da vida tentando equilibrar o amor, a paixão e a amizade, mais fácil seria encontrar o sentimento de felicidade [7].

Alguém se esqueceu de me avisar que promessa não é dívida, é compromisso [8]. Faltou dizer que é mais difícil cumprir o que prometemos a nós mesmos do que aquilo que firmamos com os outros [9]. E que comprometimento  verdadeiro são as ações que promovem o bem da maioria das pessoas. Não me avisaram que ser justo na conduta é o mesmo que ser protegido pela sua própria ação [10].

Ninguém me falou que o melhor amigo do homem não deveria ser o cachorro, mas sim o próprio homem [11]. Me disseram que sem atrevimento não é possível conquistar as coisas na vida, mas não me informaram que quando a ousadia for na hora errada, o resultado é o contrário do que se queria [12].  Tive de descobrir que uma atitude correta no contexto inadequado só pode trazer um resultado inesperado [13].

Esqueceram de me avisar que um dos desafios da vida é construir uma ponte entre o agir e o pensar, de forma que se estabeleça uma coerência [14]. Por não ter sido avisado, tive de superar o conflito entre o que eu penso e o que eu faço.

Não fui avisado que focinho de porco não é tomada e pensei que o aparelho estava quebrado, que faltava a energia e até que eu era azarado [15]. Não me preveniram que cada escolha tem suas consequências e que, feita a escolha, as outras opções devem ser deixadas de lado, esquecidas, ignoradas [16]. Nunca me disseram que a gente se acostuma com o que é ruim, que a gente se sujeita a situações humilhantes para manter o pouco daquilo com que nos apegamos [17].

Não fui conhecedor de que brincar com as palavras pode ser perigoso, mas precisei aprender a usá-las para me defender [18].

Ninguém me fez ciente que mataría boa parte do meus problemas se trabalhasse mais a aceitação e o comprometimento [19].

Nunca me ensinaram que amor não se exige, se dá. E que uma vez dado, não há como pedir de volta [20].

 UM CAFÉ E A CONTA!
| O que não me avisaram, eu tive que aprender na prática, experimentando.


sábado, 4 de fevereiro de 2012

Águas Passadas Movem Moinhos



Arte de Weberson Santiago




Se você prestar bem a atenção, verá que águas passadas movem moinhos. Sabe quando você reconhece que enfrenta a mesma situação repetidamente em diferentes momentos da sua vida? Não estou falando de deja vu, que é a sensação de ter vivido ou visto a mesma cena em outra ocasião que você não consegue identificar.

Estou falando de quando a vida trás a tona uma mesma maneira de agir, se relacionar, de enfrentar os dilemas e os conflitos. Isto acontece porque temos padrões de comportamento e, por vezes, insistimos na mesma forma de lidar com as coisas, ainda que existam outras formas mais apropriadas. E é aí que eu considero que águas passadas podem mover moinhos.

No curso do rio da vida, minhas águas seguem o caminho e por vezes atravessam o mesmo moinho. Eu bem que gostaria que as águas saíssem da nascente e fossem sempre em frente, até que um dia moressem no mar. Só que eu descobri que no percurso da vida é preciso vencer alguns impedimentos através da constatação de sua repetição.

Se o obstáculo for um tronco, tudo é simples. As águas passam por cima, ou por baixo, ou pelo lado. Mas se o empecilho for uma pedra dura, é preciso aguentar a dor de cabeça pra bater na pedra até que ela fure.

Ao ser lançada como um raio, a verdade trás nuvens negras e carregadas. Quando as tempestades se anunciam, tenho medo do poder das minhas águas. Sem muito esforço me vejo como o responsável pelo desastre. As águas que empurram os peixes e movem os moinhos podem levar consigo montanhas com casas. O mundo é mais catastrófico do que a gente gostaria que fosse e isso depende diretamente de nossas escolhas. Parece difícil aceitar como lidamos com o incontrolável e com o imprevisível. 

As tempestades caem e as nuvens vão se esvaindo, se dissipando em chuva até que se aviste um primeiro pedaço do horizonte. Em meio aos primeiros raios de sol, percebo que a água que caiu  fez o rio transbordar. É a consequência do excesso. Descubro pelas águas que caíram que sou exagerado, dramático e enfático demais quando passo pelo temporal.

Quando o rio começa a baixar, ficam as poças. As poças são as cicatrizes que restaram do transbordar do rio da vida. As águas que não fazem mais parte da corredeira e estão represadas na solidão, isoladas à míngua. Só restará aguentar o calor do sol e evaporar.

Não importa que águas passadas movam os mesmos moinhos, se foi alterada pela experiência de passar por cada caminho. Se aprendeu conforme se transformou nos seus estados característicos. Ora! A água passada que move um moinho novamente não e a mesma água.

Quando eu estiver no estado líquido, que escorra por onde o vento e a terra me levarem. Que eu não derrame meus sonhos e possa ser contido quando precisar que alguém me represe. Quando o calor me transformar em vapor, que eu não me perca pela atmosfera, não esqueça das raízes que me absorveram e me levaram ao alto da mais verdejante folha. Que no estado gasoso não seja apenas como o ar quente, que só aceita ficar por cima. E ao passar pela estação das nuvens, que desembarque o medo e embarque a inspiração. Quando minhas águas congelarem, que possa ser sólido, mas não gélido.  

Aproveitei as águas passadas para lavar a alma e agora estou na espreita de descobrir novos e velhos moinhos.


 UM CAFÉ E A CONTA!
| Esta crônica é um exemplo de água passada que volta a mover um moinho. Começou a ser escrita há exatamente um ano e, terminada, irá desaguar por aí.