sábado, 29 de abril de 2017

Domingos Esolarados

Arte de Weberson Santiago





Como eu amo os domingos ensolarados. Não é para aproveitar a piscina. Não é porque eu detesto os dias chuvosos.

Eu gosto do recolhimento do ânimo dos dias chuvosos e do seu aconchego, mas se pudesse escolheria que os dias chuvosos caíssem de segunda a sábado. Isso para preservar os domingos ensolarados.

Eu amo os domingos ensolarados e por amá-los é que eu me preparo no sábado à noite. Para que entre uma brisa refrescante durante o sono, eu abro a veneziana da janela na primeira posição. O que eu preciso é apenas de uma fresta.

A brisa da noite é um brinde porque o que eu espero como o prato principal em um domingo ensolarado é, quando a manhã chega e o relógio biológico me faz despertar, que eu possa olhar para o lado e encontrá-la dormindo.

A luz do sol nascente na intensidade permitida pela abertura de uma fresta da veneziana é a iluminação perfeita para que eu possa admirá-la dormindo. É uma cena de um filme, que eu assisto desde os tempos do namoro. Eu olho para o lado e ela está lá, deitada de lado, abraçada ao travesseiro. Dormindo, serena, tranquila.

Por isso eu amo os domingos ensolarados. Eu me desperto e olho para o lado, admiro a delicada beleza do seu sono e durmo mais um pouco. E acordo de novo e espio de novo. Sem pressa e sem desespero.

Esse é meu café da manhã de domingo servido na cama. Não tenho este prazer nos dias úteis porque acordamos antes do sol raiar. E mesmo que acordássemos depois do sol, a pressa imposta pelos compromissos não estabeleceria o ritmo ideal para admirar a minha amada em seu sono.

Às vezes eu olho para o lado e encontro o seu olhar. Como se estivéssemos esperando um sinal de despertar do outro para acordar. Como se o sono de um consentisse a preguiça do outro. Por isso eu amo os domingos ensolarados, porque é no domingo de sol que a gente sincroniza o sono, o despertar e o levantar.

Eu amo os domingos ensolarados porque a luz do sol refletida no silêncio do seu sono ou na luz do seu olhar me iluminam a semana.  


  UM CAFÉ E A CONTA!
| O domingo ensolarado é o verão do meu amor.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 29/04/2017, Edição Nº 1457.

sábado, 15 de abril de 2017

Espirrar para a Luz e Estalar os Dedos

Arte de Weberson Santiago




Nosso corpo tem umas coisas esquisitas. O meu, por exemplo, tem umas bem estranhas.

Quando olho para a luz do sol, espirro. Já pesquisei as explicações científicas e descobri que o problema de espirrar diante de luz solar, flashes fotográficos ou até na luz da lanterna  do oftalmologista chama-se espirro fótico e afeta de 17 a 35% das pessoas. Sou privilegiado. Meu corpo veio com um opcional de fábrica sem ter pago nada a mais por isso.

Premiado, não me contentei com as explicações científicas e resolvi criar explicações poéticas. Para mim, quem espirra ao olhar para a luz do sol sofre de um quadro de alergia da transição rápida da escuridão das dúvidas para a luminosidade das ideias.

É uma alergia do excesso de luz de uma descoberta, uma hipersensibilidade à claridade de reflexões que trazem entendimento sobre questões até então não respondidas. Portadores do espirro fótico, sentem-se confortáveis em dias cinzentos, pois são amigos da melancolia. Carregam consigo músicas tristes e sofridas que, quando ouvidas, promovem uma sensação de paz, de quilíbrio entre o sentimento e a música ambiente.

Tem uma outra coisa esquisita, essa já não tão exclusiva quanto o espirro fótico, que é a capacidade de estalar os dedos. Se a gente for parar pra pensar, é muito estranho ser capaz de produzir um estalido breve e seco com as nossas próprias juntas.

Dizem os cientistas que os barulhos são bolhas de ar formadas durante os movimentos da mão em meio a um fluído lubrificante existente nas articulações. O consenso entre os cientistas termina aí. Há quem defenda que estalar os dedos não faz mal algum. É o caso do pesquisador Donald Unger, nobel em medicina, que passou 60 anos estalando os dedos de apenas uma das mãos para ver se resultaria em artrite, mas não constatou diferença que demonstre prejuízo. Existem outros pesquisadores que defendem que a longo prazo causa inchaço e produz perda de força.

Nenhum deles concluiu algo em concordância com o que dizia a minha avó, que mandava a gente parar de estalar os dedos porque os dedos engrossavam. Nós ficamos sempre perdidos entre as controvérsias dos pesquisadores. Não coma ovo, volte a comer o ovo. Não coma manteiga, só margarina. Não coma margarina, escolha a manteiga. E nós no meio, cada hora pra um lado. Por isso preferiria contrariar a minha avó.

O medo que ela tentava nos colocar era quase que um convite a continuar estalando para ver se os dedos de fato ficariam mais grossos. Hoje eu não sei se meu dedo engrossou porque eu cresci ou porque eu estalava os dedos. Talvez Deus tenha dado o estalo nos dedos de presente como um plástico bolha acoplado em nosso próprio corpo. Isso se estalar os dedos não fizer mal algum. Agora, se estalar os dedos fizer algum mal, deve ter sido colocado pelo “coisa ruim” no dia em que Deus estava descansando como mais uma das coisas prazerosas que a gente tem que se controlar para não fazer em excesso.

Quando a explicação científica não lhe convencer, experimente doses homeopáticas de poesia. Quando os cientistas não entrarem em consenso, peça ajuda a sua própria imaginação.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| A poesia é um santo remédio. A imaginação não decide, mas diverte.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 15/04/2017, Edição Nº 1455.

sábado, 1 de abril de 2017

Enfrentando o Trampolim

Arte de Weberson Santiago



Há mais ou menos três anos, levei a Anelise para nadar no clube. Enquanto estávamos lá, ela viu algumas crianças subindo no trampolim e pulando na piscina. Encantada com o que via, Ane se empolgou, pediu para subir e pular de lá também.

Eu não sou do tipo pai superprotetor, nem excessivamente medroso. Não temo sempre o pior. Eu sou o tipo de pai que acha que as limitações devem ser superadas para que se possa comemorar a vitória. Por isso, disse que ela poderia pular sim.

Na primeira vez, subi com ela e pulamos juntos, de mão dadas. Ela adorou e disse que queria ir de novo. Eu subi novamente e pulei com ela. Na terceira, achei que ela poderia pular sozinha. Havia outras crianças da idade dela (6 anos na época) fazendo isso sem acompanhamento (o patamar fica há aproximadamente 2 metros de altura da borda da piscina).

Eu iniciei encorajando-a e dizendo que eu ficaria lá em baixo, na água, aguardando ela, que ela poderia pular sem medo. Duas garotas mais velhas estavam nadando próximas a escada da piscina e começaram a observar o que estávamos fazendo.

Enquanto eu a encorajava, elas ficaram cochichando. Ane começou a ficar incomodada com o fato de estar sendo observada e com medo de pular. Até que ela começou a tremer e travou. Quando a vi daquele jeito, eu desisti e saí da piscina para ir tirá-la de lá. E mesmo acompanhada, ela estava tão nervosa que acabou batendo o pé na escada e se machucando um pouco na saída do trampolim.

Eu fiquei muito chateado com aquilo que aconteceu. Fiquei com raiva daquelas meninas. Não com o fato dela não ter conseguido pular, mas por ter participado de uma situação que lhe foi muito frustrante. Depois fiquei com raiva de mim mesmo, como se fosse o meu dever evitar fazê-la passar por aquilo.

Às vezes nós pais pensamos que nosso papel é evitar que os filhos sofram, quando na verdade o nosso papel é estar ao lado deles nas situações de sofrimento. Não existe desenvolvimento sem desafios e sem frustrações.

O melhor que podemos fazer é conversar com nosso filho sobre o que aconteceu para que ele possa expressar e entender o que sente. Precisamos orientá-lo no que pode fazer para lidar com a situação que está enfrentando, permanecer disponível para estar ao seu lado no próximo desafio. E estar atento para quando ele progredir e se superar, para que sejamos os primeiros a comemorar.

Nas últimas férias escolares, enquanto a Natália e eu estávamos na borda da piscina do mesmo clube, ela perguntou se podia saltar do primeiro andar. Eu disse que sim. Ela atravessou os vinte e cinco metros da piscina nadando, saiu pela escada e subiu a escada do trampolim. Na plataforma, ela parou, me olhou e deu um passo para trás. Eu fiz um sinal com a cabeça, encorajando-a e ela deu um passo pra frente. E pulou. Assim que ela emergiu, me procurou. Eu estava lá, do outra lado da piscina, há vinte e cinco metros de distância levantando e abaixando o punho fechado, três anos depois, comemorando a sua vitória.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Tudo a seu tempo. Cada coisa tem a sua hora.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 01/04/2017, Edição Nº 1453.