sábado, 24 de setembro de 2016

O Dia Em Que Tentaram Assassinar a Gentileza na Ponte Euclides da Cunha

Arte de Weberson Santiago



 Foi pelas redes sociais que eu vi o que aconteceu. Uma amiga fotografou e cena e postou. Um motorista havia entrado na ponte Euclides da Cunha ao mesmo tempo que os carros do outro lado. Mesmo não tendo ninguém atrás dele, recusava-se a dar ré e pedia que todos os outros saíssem.

Ninguém mudou o carro de lugar. Os gritos proferidos pelas janelas e os dedos em riste visíveis pelo vidro esquentaram os ânimos. Portas se abriram e a discussão continuou do lado de fora dos carros. A briga foi ficando feia e o trânsito pela ponte impedido por dez minutos.

A confusão na ponte Euclides da Cunha me incomodou profundamente. Sem dúvida a ponte é um patrimônio histórico de valor inestimável e de beleza inquestionável, na firmeza de suas colunas metálicas e na robustez de suas bases de pedra. Com o recente restauro, retomou a cor prateada que lhe permite ornar melhor com a paisagem e recebeu iluminação noturna.

A despeito de tudo isso, na minha opinião o maior legado da ponte Euclides da Cunha não é o progresso que ela trouxe para a cidade ou o fato de ter vencido as correntezas do Rio Pardo e se perenizado no tempo. Para mim, a maior herança deixada por Euclides da Cunha pela sua ponte é o exercício diário de gentileza que ele impôs sobre quem a usa.

Diz a regra, nunca explicitada em placa ou em campanha educativa, mas perpetrada através das gerações que: “Ao chegar na entrada da ponte e avistar algum veículo parado do outro lado, dê a passagem e espere a sua vez”.

A impressão que eu tenho, com o episódio da briga, é que a sociedade andou para trás na arte do relacionamento humano. Cultivamos demais o individualismo e nos esquecemos da importância do altruísmo. Colocamos nosso próprio umbigo num pedestal e esquecemos do significado da empatia.

Falo na primeira pessoa no plural, pois confesso que já acelerei para alcançar o fim da fila para não ter de esperar, ignorando a regra número um que regula o uso da ponte. Ainda assim, jamais seria capaz de brigar se desse de cara com a carreata no meio da ponte. Tomado pela vergonha de não ter sabido esperar, tentaria sumir por um dos vãos da ponte levando comigo o meu carro.

Espero que a gentileza, quando foi jogada da ponte, não tenha se estatelado numa pedra do Rio Pardo. Espero também que, ao estabacar-se de modo espetaculoso nas águas do Pardo, não tenha morrido e que careça apenas de cuidados médicos e tratamentos. O espero porque no dia em que formos obrigados a instalar um semáforo na ponte pela incapacidade de convivermos e nos controlarmos por si próprios, aí a gentileza não irá aguentar. Morrerá num infarto fulminante.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| É necessário treinar a gentileza para que ela seja mais forte do que a tendência de pensar em si mesmo em primeiro lugar.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 24/09/2016, Edição Nº 1426.

sábado, 3 de setembro de 2016

Eu Não Sei Chorar

Arte de Weberson Santiago



Eu não sei chorar.
Eu não sei chorar porque fico pensando no que os outros vão pensar.
Não choro por amor porque tenho medo de me avaliarem como fraco. Não choro de raiva para não parecer descontrolado.
Não choro de saudade porque não quero demonstrar fraqueza. Não choro de alegria porque não quero que pensem que eu sou bobo.
Eu não sei chorar porque quero demonstrar que consigo controlar as minhas emoções.
Seguro o máximo que eu posso. Se meu copo estiver quase cheio, como diz a famosa comparação, e algum evento o faz querer transbordar, eu tento me segurar para não chorar.
Minha situação é o oposto da seca que andou assolando as represas no Estado de São Paulo. Meu estoque de lágrimas encheria a Cantareira.
Ainda assim eu me recuso a abrir as comportas do choro. Ainda assim eu prefiro represar as minhas emoções. Ainda assim eu prefiro conter as lágrimas.
Às vezes, quando me distraio, uma lágrima escapa quando fico comovido. Pelo motivo mais banal. Uma reportagem sobre a vida simples e feliz no campo que passa na televisão no domingo de manhã. Acho que de tanto impedir o choro, ele acaba por encontrar uma brecha quando eu relaxo. Se tem alguém perto, tento disfarçar. Viro para o lado ou levanto para pegar um copo de água.
Verter lágrimas me é tão vergonhoso que eu escondo até do meu chuveiro. Tento enganá-lo misturando uma ou outra lágrima com os fios de água que despencam dele. Tento provar que quem está chorando é o chuveiro e não eu.
Eu não sei chorar, mas se choro, ninguém pode ficar sabendo. É como canta o Arnaldo Antunes na música As Estrelas Sabem: “Eu não sei chorar, só me comover. Quase a me afogar, sem você saber”.
Eu não sei chorar e penso que quem chora quer chamar a atenção. Não gosto de chorar porque acho infantil querer colo quando não se é mais criança.
Eu não sei chorar porque me incomodo com a dependência. Acho que não chorar é a prova da independência. Eu não sei chorar porque eu não sei me abrir.
Eu não sei chorar e me sinto sufocado pelas minhas emoções. Eu queria saber chorar. Lágrimas em excesso não afogam, lágrimas caídas fazem respirar aliviado.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Quem passa a infância sendo punido por chorar, passa o resto da vida não sabendo o que fazer com as suas emoções.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 10/09/2016, Edição Nº 1424.