sábado, 18 de abril de 2015

Os Avós para a Criança

Arte de Weberson Santiago



Todos os finais de semana vou ao clube. Anelise me acompanha. Enquanto eu faço minha natação, ela brinca pelos espaços do clube. Para que ela tenha diversão, costumo levar algum brinquedo: os patins, um quebra-cabeça ou papeis e lápis de cor. Alguma coisa para que ela se ocupe se ficar entediada com o parquinho ou não encontrar uma amiga pra brincar.
Percebi que a Anelise passava mais tempo naqueles aparelhos chamados de “academia da terceira idade” do que no parquinho infantil. Enquanto íamos embora, ela me contava:
— Fiz uma nova amiga hoje!
— E onde ela estuda?
— Não estuda mais, ela é uma moça de cabelo branco que estava sentada lá.
No caminho para o carro, a amiga mais velha me abordava:
— Parabéns pela sua filha. Como ela é inteligente e educada!
E não foi uma, duas ou três vezes. Isto acontece com frequência. É ela mirar uma senhora pelo clube que ela dá um jeito de se aproximar e ganhar intimidade.
Ela acha a companhia de crianças mais novas sem graça. Prefere as amigas da sua idade ou mais velhas, mas gosta mesmo de conversar com uma senhora a brincar com uma criança.
Eu acredito que é a calma e a paciência que atraem a Ane. Quando ela arruma uma amiga de cabelos brancos, ela conversa, desenha junto e algumas até contam algumas histórias de sua vida para ela.
Anelise me fez lembrar de minha infância. Sempre gostei de estar perto dos mais velhos. Por isso, sempre gostei de frequentar a casa dos meus avós.
Mesmo na adolescência costumava intercalar os programas: um dia ia no clube com os amigos a tarde, no outro passava a tarde na casa dos meus avós. Por diversas vezes recusei o convite dos amigos para ir ao cinema ou comer um lanche para ficar na casa dos meus avós para jantar e assistir ao jornal.
Era uma fuga da agitação da casa dos meus pais – éramos três irmãos homens e uma caçulinha – ou de quando me cansava da minha turma de amigos. Um refúgio onde me sentia em paz e seguro.
Os avós por algumas horas ou os avós de verdade oferecem a uma criança o que os pais não tem condições de oferecer por conta do seu momento de vida. Geralmente estão numa fase em que precisam dispor de muita energia para obter resultado em sua carreira. Sob a justificativa de poder oferecer boas condições financeiras e de conforto para seus filhos, concentram esforços no trabalho, o que diminui a disposição para se jogar nas brincadeiras de uma criança. Falta tempo para ficar ao lado da criança e deixar a imaginação fluir, e é justamente isso que ela encontra nos velhos.
Faz toda a diferença para uma criança poder aproveitar uma avó ou um avô disposto, alguém com tempo e paciência para brincar e conversar.
Avós protegem e cuidam enquanto vamos crescendo. Descansamos de nossa família, da nossa escola enquanto estamos na companhia dos mais velhos.
Estar ao lado de um velho é aprender continuamente, ainda que reine o silêncio.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Na falta dos pais dos seus pais, arrume um avô e uma avó emprestados.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 18/04/2015, Edição Nº 1351.

sábado, 4 de abril de 2015

Os Defeitos de Uma Casa

Arte de Weberson Santiago



A Natália e eu compartilhávamos o sonho da casa própria. Moramos em duas casas de aluguel, mas queríamos mesmo uma casa para financiar que atendesse as nossas necessidades e que fosse bonita. Começamos a listar as características necessárias para isso (ao mesmo tempo em que começamos a sonhar com ela): uma garagem para dois carros lado a lado (nas duas casas alugadas um carro ficava atrás do outro) para evitar ter de tirar o carro pro outro sair, que tivesse pelo menos dois quartos (com a possibilidade de vir a ter um terceiro), com uma cozinha espaçosa (porque gostamos de ficar cozinhando no tempo livre), etc.
Fomos juntando as economias para a entrada até que apareceu uma casa em construção em um dos bairros que imaginávamos morar. Entre o início da negociação com o proprietário e a assinatura de contrato, passando pela finalização da parte interna da casa até o financiamento se concretizar foram exatamente 6 meses e 17 dias. Tivemos de conciliar todas nossas atividades profissionais com a compra de materiais, gerenciamento da obra, inúmeras idas ao banco e ao cartório, e lidar com alguns contratempos.
Acredito que a gente aprende a lidar com imprevistos. Quando fazemos uma mesma coisa por um longo tempo, vamos ficando escolados no enfrentamento de problemas e criando uma lista de possíveis soluções. Como era nossa primeira obra, não estávamos preparados para lidar com aquilo que não saía conforme o combinado ou com os atrasos nos prazos estabelecidos.
Muitos finais de tarde foram de irritação ao descobrir um resultado diferente do que deveria ser. Consertar é mais difícil do que fazer corretamente, já que vai mais tempo e mais material. Foi um processo muito desgastante. E não foi exclusividade de um único profissional. A cada novo serviço, algum ponto sempre veio a dar problema. Tive até de lidar com um ajudante bêbado, que se recusava a trabalhar.
Quem se envolveu em obra ou reforma já sabe bem do que eu estou falando. Se você ainda não se envolveu, não quero que desista do seu sonho. Se prepare para enfrentar os imprevistos e respire fundo buscando paciência. No meio de todo processo que vivemos, no auge da turbulência com os problemas da obra e da documentação uma amiga nossa disse uma coisa que me ajudou muito e que eu gostaria de dividir com você.
Ela repetiu um conselho que recebera de sua mãe: “quando se muda para uma casa nova é preciso se acostumar com os defeitos que a casa tem”. Foi quando ela disse isso que eu percebi que foi a expectativa de uma casa perfeita que nos deixou frustrados com os problemas que surgiram no caminho.
Quando dependemos do trabalho dos outros não temos como garantir a perfeição. Lidamos com seres-humanos e suas imperfeições. É preciso muita habilidade para lidar com as pessoas e o resultado do seu trabalho. Nós mesmos não conseguimos ser excelentes naquilo que fazemos o tempo todo.
Os defeitos de uma casa são suas cicatrizes e mostram a imperfeição dos que moram nela ou trabalharam na sua construção.
Sonhar foi muito importante para vir a ter a nossa casa, mas entre a ideia e a concretização foram muitas doses de uma dura realidade.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Tudo passa. E é sinal que passou quando a gente se lembra e é capaz de dar risada.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 04/04/2015, Edição Nº 1349.