quarta-feira, 28 de julho de 2010

Fuligem

Tenho estranhado a passagem das estações. Mas as mudanças às vezes parecem demoradas. Ultimamente, a cada vez que abro a porta, mais preto está o chão da minha garagem. Todo coberto de fuligem, que não se contenta em ficar do lado de fora, entra na casa pelos vitrôs, frestas e venezianas.

A fuligem é para a dona de casa como a caspa para o executivo de terno. Estampa a preguiça na falta de cuidado. O acúmulo de poeira que desanima qualquer faxineira por uma combinação sem noção de mato seco com o fogo. O cheiro de queimado vai entrando pelas janelas, assim como pelas narinas e na garganta. Noite dessas, sonhei que estava sendo defumado junto com o bacon. Depois descobri que queimaram um terreno no bairro durante a noite.

Na estação passada, meu problema eram os folhetos de promoção de supermercado. Cada saída de casa me deparava com um. Eles vinham de todo o lado, por baixo do portão, pela caixa do correio, enfiados nos vãos das janelas do carro ou tradicionalmente presos no pára brisas. Se eu os recolhesse e catalogasse, passaria o mês com 50 reais. Compraria na quinta da carne e na terça da feira. Buscaria o pão de um lado da cidade e a manteiga do outro. Lá está mais barato!

Resolvi guardar os folhetos com as promoções. Fiz uma pilha e seis meses depois fui devolvê-los no supermercado. Entreguei ao dono esbanjando ironia: “esses aqui vocês deixaram na minha porta nos últimos seis meses”. Ele não entendeu, achou que eu havia guardado porque os consultava e, como me via sempre no seu estabelecimento, mandou que assobiassem quando entregassem novos folhetos. O excesso de gentileza às vezes é um problema.

Estou esperando a primavera para descobrir a cor das orquídeas do jardim da frente. Enquanto isso, as rosas vão florindo na janela, uma de cada cor. Amanhecem cobertas pelas fuligens desta época do ano, nada que um sopro não dê jeito. Nas tréguas noturnas de ar puro, vou pro quintal pra espiar a lua e as estrelas. Esqueço da fuligem e deito na grama. Pronto, carimbado pelas cinzas. Que venha a próxima estação.





terça-feira, 13 de julho de 2010

O Inverso do Anverso

Estou de férias. Não de férias de trabalho, das minhas idéias, dos meus sentimentos. Muito menos da escrita. Estou dissertando aquilo que um dia terei que defender. Fase final do mestrado. Deixo alguns versos abaixo e mais três sugestões de leitura do arquivo do Observatório, onde você pode passear sempre que quiser: Ombros, Ombreiras e Corcundas, Padarias e Angústia. Até breve, caro leitor!

O inverso do anverso
Do universo da partícula
Da molécula do sentimento
Na ternura do abraço nas falas
Das verdades sentidas nas mãos das palavras
Que tocam os sentidos na completude do entendimento
Da discrepância divergente da dúvida
Das incertezas de um mergulho reflexivo
Da efêmera conclusão precipitada
De uma permanente questão não respondida
Que acompanham os caminhos percorridos
Dá de atravessar a ponte sem saber onde ela termina
De ouvir o ranger das estruturas e a possibilidade da queda
De uma coragem não contabilizada
De um perigo desmedido
Que dão a sensação de que tudo se suporta.