sábado, 27 de janeiro de 2018

A Amizade

Arte de Weberson Santiago




Eu concordo com o ditado popular que diz que os amigos são a família que escolhemos ter.

Se não escolhemos a nossa família de origem, temos a possibilidade de escolher com quem conviver nos momentos de leveza e descontração.

Nossas primeiras amizades nascem da convivência, nos vínculos que criamos na escola. Nessa mesma convivência que é fonte de cumplicidade e incentivo, encontramos rejeição e intolerância, descobrindo que as crianças podem ser tão cruéis quanto os adultos.

A família, frequentemente fonte de conflito nas nossas vidas, faz com que sejamos obrigados a conviver e a tolerar diferenças em nome dos laços de sangue. Nossos parentes, em especial os nossos pais, são modelos de comportamento que criticamos, mas que volta e meia nos pegamos repetindo comportamentos outrora condenados.

As vezes nos contentamos com amizades que repetem o nosso padrão familiar. Por exemplo, quando se é invalidado por um membro da família durante a infância e adolescência com dizeres do tipo “você sempre perde no jogo porque é o mais fraco de seus irmãos” e aceita permanecer num grupo de “amigos” em que se é constantemente alvo de piadas que desqualificam seu desempenho em relação aos demais membros com as mulheres e em situações de competição.

As amizades que merecem permanecer em nossas vidas são as que nos aceitam como somos e que valorizam nossas qualidades. Ser cuidado ou se sentir querido pelos seus amigos produz um sentimento especialmente agradável. Essas amizades merecem espaço e investimento. Devemos nos esforçar para manter o vínculo.

Não que seja possível se relacionar sem nenhuma tensão, sem nenhum conflito. Mas quando você põe a parte boa e a parte ruim do relacionamento na balança, quando se trata de amizade, a parte boa tem que ser suficientemente maior do que a parte ruim.

Os amigos verdadeiros têm a capacidade (ou talvez o poder) de nos resgatar dos ambientes caóticos e das relações que nos fazem sofrer, mas que não temos como deixar de conviver, como alguém difícil no trabalho, por exemplo, além de membros de nossa própria família que são complicados na convivência.

Pense nisso na hora de avaliar e de construir seus laços de amizade.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Quando a competitividade impera, a amizade não tem espaço.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 27/01/2018, Edição Nº 1496.

sábado, 13 de janeiro de 2018

A Maria da Padaria

Arte de Weberson Santiago



Toda padaria tem uma Maria. A Maria da padaria que eu frequento é briguenta e, as vezes mal-humorada, mas ninguém faz um pão francês com queijo minas, tomate e orégano como a Maria. Reclama da colega de trabalho que não faz o seu serviço, de um cliente chato, mas serve a gente muito bem e faz tempo.

Serviu o café das manhãs das nossas primeiras noites juntos, serviu a família quando a Ane era pequena e seu pão na chapa me serviu de ombro quando tive a primeira briga com a Natália. Eu cheguei cabisbaixo, emburrado. Ela notou e perguntou o que eu tinha. Falei que estava com um problema em casa e ela disse que tinha tido um problema de doença na família durante aquela noite.

Nem eu nem ela entramos em detalhes, mas a Maria me serviu até como cúmplice de um péssimo dia com problemas. Tentou me animar colocando mais espuma no pingado com café expresso de sempre para que tomasse o café com leite como se entrasse em uma banheira de hidromassagem. Eu retribuí dizendo que torcia para que o problema de saúde na família fosse resolvido.

Maria também não deixou de sorrir com o canto da boca quando nos assistiu entrando no café da manhã depois da reconciliação, demonstrando saber qual era o problema que eu me referia na visita anterior. Acabou esquecendo do resmungo no meio quando nos viu. E caprichou no pão francês com queijo minas, tomate e orégano que dividimos ao meio naquele dia.

Se ela sabe quando estou triste, eu sei quando a Maria está animada: ela passa um lápis azul claro na linha dos cílios das suas pálpebras. Mas ela também sabe quando acordo animado para ir ao trabalho:  “caprichou na camisa hoje, hein?!”.

No fim do último ano, cheguei e encontrei a Maria estabanada. Ela me contou que estava tentando parar de fumar e a ansiedade e o nervosismo estavam nas alturas. “Calma, Maria, tenta dar uma respirada. Isso que você está sentindo é a abstinência, mas ela passa. Corta uns palitos de cenoura pra ir comendo”, disse tentando ajudar. “Ih! Já chupei um pacote de balas e não adiantou nada!”, respondeu ela.

Uma semana depois, cheguei com a Natália e a Ane e perguntei para a Maria como estava no propósito de parar de fumar. Ela disse que não tinha conseguido, mas que ia ao médico para procurar um remédio que a ajudasse e iria tentar de novo assim que saísse de férias na segunda-feira. Eu fiquei triste pela tentativa frustrada, enquanto a Natália lhe animava a tentar mais uma vez.

E assim a vida vai passando enquanto a gente come o pão e toma o café preto de cada dia. Algumas coisas começam, outras terminam, mas a padaria e a Maria estão sempre ali, de braços abertos para a vida.

Toda padaria tem uma Maria, mas para nós, a Maria da nossa padaria é a melhor. Deve ser porque toda Maria tem uma padaria dentro de si para oferecer aos seus fregueses.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| O que você oferece as pessoas ao seu redor no café da manhã?

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 13/01/2018, Edição Nº 1494.