sábado, 25 de julho de 2015

Fome de Música

Arte de Weberson Santiago


Outro dia fiquei pensando em como eu escuto música. Funciona assim:
1. Eu compro o CD físico ou compro o disco virtual no iTunes.
2. Começo a ouvir as músicas. Neste momento, a maioria delas me causa estranhamento. Fico na dúvida se fiz um bom negócio em comprar o disco. Uma ou outra elicia em mim uma sensação agradável.
3. Então continuo escutando apenas o disco novo em todos os trajetos de carro e quando estou em casa, enquanto tomo banho ou estou cozinhando. Pela repetição, o estranhamento já não existe mais e as músicas preferidas já estão definidas. É quando eu saio por aí cantando, na rua, sem nenhuma vergonha. Não chego a usar o celular como microfone, como fazia uma moça que parou atrás do meu carro no semáforo, mas não ligo nem um pouco para o que os outros vão pensar.
4. Mesmo que esteja rolando o mesmo som há algumas semanas, continuo ouvindo o ex-CD novo. Volto a faixa quando as preferidas terminam ou pulo aquelas que não gosto até chegar em uma música que eu gosto. De repente o disco já não preenche os trajetos mais longos porque as músicas que não gosto começam a me irritar. É o primeiro sinal de desgaste.
5. O disco está rodando muito quando chega uma hora em que eu não aguento mais ouvir aquelas músicas – estou saciado – e eu arquivo o CD junto com os outros na estante.
6. Está na hora de buscar outras trilhas sonoras para minha vida.
Sigo estes passos com todos os discos que compro. Pelo padrão de comportamento, descobri que eu não ouço música, e sim consumo música. Escuto, escuto e escuto até enjoar.
Às vezes vasculho a pilha de CDs e encontro algum disco que eu não me lembrava que tinha, mas que as músicas imediatamente me remetem ao momento da vida em que elas tocaram. Levo o CD velho para dar umas voltas no carro, mas logo enjoo novamente.
Reencontrar um CD que marcou é igual a ver novamente um chocolate preferido que saiu de linha de volta às prateleiras. Foi assim com o Milkbar, que chamava Lolo. Foi assim com o Kit-Kat.
O que seriam de nossos novos gostos se não fossem as nossas antigas paixões?

UM CAFÉ E A CONTA!
| Estou enjoado de toda a minha discografia. Estou precisando de música nova para me inspirar. Tem alguma sugestão?

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 25/07/2015, Edição Nº 1365.

domingo, 12 de julho de 2015

O Menino que se Tornou Olhos e Ouvidos - Conto


Vitor tinha quatro anos quando o Sr. Arthur se mudou para a casa do outro lado da rua com sua esposa, dona Olímpia. O casal não era de conversa e ninguém da rua sabia de onde tinham vindo. Pouco tempo depois da mudança, a vizinha fofoqueira, dona Elvira, procurou sua mãe para lhe contar o boato que corria na vizinhança. Diziam que o novo morador havia saído fugido de uma cidade do interior de Minas onde morava por ter matado um homem.
A vizinhança cultivou uma distância. Os homens acenavam ou diziam bom dia quando abriam o portão da garagem e encontravam seu Arthur na frente de casa. As mulheres sequer cumprimentavam dona Olímpia. O casal nunca tomou iniciativa para o entrosamento e manteve-se, de certo modo, isolado dos vizinhos.
De ouvir os comentários dos pais, as crianças cresceram com medo do casal. A partir dos sete anos, Vitor e seus amigos passaram a ir pra escola a pé e toda manhã de dia de aula tinham de passar pela calçada da casa de seu Arthur e dona Olímpia para chegar até a escola. Jorjão apertava a campainha da casa deles sem avisar os outros dois amigos e saia correndo na frente, seguido pelos dois. Remela jurava de pé junto que tinha visto um dia, pela fresta entre o portão e o muro, seu Arthur cortando um cadáver com o serrote no fundo do terreno. Todos da rua ouviam barulhos de ferramentas diariamente vindos de lá.
Arte de Weberson Santiago
Depois dos sete anos de idade, Vitor perdeu um pouco do medo e passou a se interessar pelo que lhe causava estranheza. Um dia saiu pra escola sozinho e viu seu Arthur na porta. Desejou-lhe bom dia. Ouviu como resposta um murmúrio seguido de um bom dia mais pra dentro do que pra fora. Na semana seguinte, acompanhado de Jorjão e Remela, viu o seu Arthur de costas, recolhendo as folhas que varreu na calçada. Disse-lhe bom dia e teve o silêncio como resposta. Virando a esquina, os amigos lhe repreenderam:
— Tá louco, Vitor? – perguntou o Remela.
— Você não sabe que ele é um assassino? Não viu a enxada na calçada? Vai que ele resolve arrancar a sua cabeça fora! – emendou o Jorjão.
 Vocês são dois cagões! – respondeu.
Num dia qualquer, após o almoço, a mãe de Vitor foi limpar a gaiola do canário de estimação do menino – batizado por ele de Falcão – quando, sem querer, o deixou escapar. Vitor, que estava por perto, viu que o canário pousou na cadeira da sala de jantar. Na ponta dos pés, se aproximou para tentar capturar o pássaro, mas ele percebeu sua aproximação e bateu asas, deu um rasante na sala de estar e escapou pela janela da frente, para fora da casa. Vitor, que seguiu o pássaro até a sala, subiu na mesa de centro e acompanhou a trajetória do pássaro. Ele foi na direção da casa do seu Arthur e pousou na goiabeira plantada na frente da casa.
Sua mãe, sentindo-se culpada, disse que lhe compraria outro. Mas ele não queria outro. Nenhum canário cantaria tão bonito quanto o Falcão. Se ele quisesse recuperar seu pássaro teria de pedir ajuda para o vizinho enfezado. A goiabeira ficava do lado de dentro da casa, atrás do muro, em frente da varanda da porta de entrada, onde o casal costumava ficar sentado algumas horas do dia.
Vitor não hesitou, atravessou e tocou a campainha.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Às vezes a vida nos impõe mudar de direção. Somos obrigados a ir de encontro ao que evitávamos manter contato.

Vitor atravessou a rua correndo e tocou a campainha da casa do seu Arthur. Alguns minutos depois saiu dona Olímpia. Vitor contou que seu pássaro havia fugido e que viu ele pousando na goiabeira da frente da casa deles. Seu Arthur, que viu a mulher indo em direção ao portão, interrompeu a conversa lá de dentro perguntando: “Quem é, mulher?”. Ela se virou de costas e, olhando no rosto do marido, disse: “É o menino que mora aí na frente. O canário dele fugiu e ele acha que está aqui na nossa árvore”. “Manda ele esperar aí que eu vou pegar meus óculos e uma ferramenta pra ajudar” – respondeu o dono da casa.
Vitor sentiu um enorme frio na barriga. Começou a imaginar que seu Arthur traria alguma ferramenta para lhe punir por alguma daquelas vezes que aprontou com seus amigos. Suas pernas finas começaram a tremer e ele sentiu uma enorme vontade de sair correndo e voltar pra casa. Foi quando avistou o velho Arthur, que saiu pelos fundos da casa até sua oficina e deu a volta pelo quintal, empunhando uma vara. Em pensamento Vitor já tinha atravessado a rua, fechado o portão da sua casa quando a parte final da vara chegou a seu campo de visão e ele viu um aro e um saco de tule. “Uso isso pra apanhar manga lá no fundo, acho que pode nos ajudar a pegar seu canário” – disse o senhor – “vamos lá, me mostra onde ele está, menino”.
“Eu não sei direito, mas fiquei de olho e ele não saiu daqui” – respondeu Vitor enquanto dava voltas no pé de goiaba. Dona Olímpia, sentada na varanda, interrompeu: “Você tem que falar com o meu marido com a boca voltada para os olhos dele. Ele perdeu a audição no tempo em que trabalhou na mineração, mas consegue ler o movimento do seu lábio.” Vitor enxergou o canário bem no alto e apontou o dedo em sua direção, sem lembrar da instrução que havia acabado de receber. “Olímpia, busca uma caixa de sapato”, disse o velho à esposa. Em seguida, combinou com Vitor: “Temos de agir rápido pro seu canário não escapar. Eu vou dar o bote com a rede e trazer em sua direção, você vai estar com a caixa e vai tampar o aro pra ele não escapar, depois eu te ajudo a colocar ele dentro da caixa”. “Tá certo” – respondeu o menino.
O velho partiu para a captura empunhando a ferramenta e foi em direção ao topo da árvore, onde estava o canário. Vitor se posiciona a distância exata do comprimento da vara para que seu Arthur pudesse descer a rede diretamente na direção da caixa. Quando balançou a rede pelas costas do canário, o pássaro voou. Embora Arthur dispusesse de grande vigor físico, os 77 anos lhe trouxeram como consequência alguma lentidão nos movimentos, tempo suficiente para o pássaro escapar, sabe-se lá pra onde.
Arte deWeberson Santiago
O velho ficou decepcionado e pediu desculpas por não ter conseguido. O menino ficou dividido entre a tristeza de ter perdido seu canário e a pena do velho que teve tão boa vontade. Os dois estavam cabisbaixos quando o velho disse: “Tive uma ideia! Venha aqui que eu quero te mostrar uma coisa”.
Vitor seguiu Arthur pelo quintal até a área coberta do fundo, onde também havia um cômodo. Lá estavam diversas ferramentas, madeiras, troncos, móveis. “O senhor é que fez isso aqui?” – perguntou apontando as pequenas esculturas de madeira. “Sim, desde que me aposentei da mineração, trabalho como marceneiro, mas não é isso que eu queria te mostrar”.
E continuou: “Olha aqui, eu tenho esse casal de Diamante de Gould. A fêmea botou quatro ovos anteontem. Daqui a 16 dias eles vão nascer e um deles será seu. Volte daqui a duas semanas para ver se a cria vingou e quando tiver com três semanas de vida você já pode levar pra sua casa. Vitor saiu de lá empolgado. Nunca tinha visto um pássaro daquele, com cores tão diferentes. Entrou em casa correndo, contando pra mãe que iria ganhar um pássaro do vizinho e só se lembrou da perda do canário quando viu a gaiola vazia. A mãe ficou preocupada com a aproximação dos dois, já que a fama do vizinho não era boa, mas pensou que a história acabaria quando o pássaro viesse pra casa. Para Vitor, duas semanas pareciam uma eternidade.
UM CAFÉ E A CONTA!
| O que causa estranheza de longe pode causar uma agradável surpresa quando nos aproximamos.

Vitor não aguentou e resolveu contar para os amigos naquele mesmo dia que havia entrado na casa do velho e ficado amigo dele. Jorjão e Remela admiraram a coragem do amigo e pediram para ir junto quando ele fosse buscar o pássaro. Na véspera de ir buscar o pássaro, Vitor não conseguia dormir. A mãe só lhe autorizou passar de lá na volta da escola. O sinal tocou e Vitor disparou no caminho de volta e chegou ofegante na casa do velho Arthur, deixando os amigos para trás.
Dona Olímpia levou o menino até o fundo onde estava o marido e ele viu o filhote pelado no ninho, junto da mãe. A cria tinha vingado, mas ele precisaria esperar alguns dias até poder leva-lo pra casa. Ele já ficou satisfeito em ver o bichinho vivo. Dona Olímpia estava acabando de fazer o almoço e convidou o menino pra ficar e comer com eles. Ele disse que precisava avisar a mãe. Deu um pulo em casa, jogou a mochila e avisou a mãe que voltaria lá. A mãe consentiu, mas viu que teria de se aproximar da vizinha para ver quais eram as intenções do casal.
Enquanto almoçavam, Seu Arthur explicou como alimentar e cuidar do Diamante de Gould. Dona Olímpia questionou qual seria o nome do pássaro. Vitor respondeu prontamente: “Vai se chamar Gavião, dona”. Os velhos riram. Quando acabaram, Arthur convidou Vitor pra chegar na oficina. Arrumou uma cadeira pequena que parecia ter sido feita sob encomenda para acomodar o menino e o colocou num canto seguro longe das ferramentas, para que o velho pudesse trabalhar e, ao mesmo tempo, olhar no rosto do menino para fazer a leitura labial.
Arte de Weberson Santiago
Nasceu aí uma grande amizade entre o menino e o velho. Por duas ou três vezes na semana, Vitor frequentava a casa do casal. Às vezes ia direto da escola e almoçava lá. Outro dia aparecia mais tarde e comia um pedaço do bolo de fubá da Dona Olímpia a tomava café com seu Arthur no intervalo entre as horas de trabalho. Vitor passava as tardes observando o velho trabalhar e construir objetos de madeira dos mais variados. Todo aniversário do garoto, o velho Arthur lhe fazia um presente de madeira. Cerca de três anos se passaram, enquanto Vitor assistiu os movimentos do carpinteiro ficarem mais lentos. Percebeu o aumento da sua dificuldade ao usar a força e viu a catarata dificultar a visão e a leitura labial. Já tinha ouvido todas as suas histórias do garimpo, as aventuras da juventude, sabia de cor a história de como ele conheceu a esposa. Vitor sabia o motivo de cada ruga de Arthur e que a carpintaria era o seu esqueleto, o que o mantinha de pé.
Foi a decadência do corpo do velho mais o interesse aguçado do garoto que fizeram com que Vitor começasse como ajudante e fosse aprendendo passo-a-passo a ser um carpinteiro. Vitor ajudava a atender os clientes, fazia cobranças dos móveis comprados em parcelas. Aos quatorze anos era os olhos, os ouvidos e o braço direito do velho Arthur. O adolescente era o filho e o neto que Arthur e Olímpia não tiveram. O casal eram os avós que Vitor não teve presentes porque moravam longe.
Aos oitenta e quatro anos, pela manhã, Seu Arthur estava trabalhando numa estante quando começou a passar mal e caiu no chão desacordado. Dona Olímpia se assustou quando chegou com o café e encontrou o marido no chão. Ele já estava morto, vítima de uma parada cardíaca.
Quando Vitor saiu da escola, seus pais estavam parados na frente da casa dos velhos. O menino estranhou encontrá-los ali. A mãe o pegou pela mão, o pai lhe colocou a mão no ombro e lhe deram a notícia da perda do amigo. Vitor saiu correndo, subiu o morro onde ele soltava pipa quando era mais novo e ficou sozinho por algum tempo. Não se conformava com o que havia acontecido. Voltou pra casa nervoso, revoltado. Entrou batendo a porta e seguiu em direção a gaiola onde estava o Gavião. Pegou a gaiola e foi até a frente da casa. Abriu a portinhola.
O pássaro ficou parado. O menino ficou olhando. De repente ele saiu do poleiro e pousou na porta da gaiola. Vitor não fez nada para impedir e ele bateu asas. O menino viu pelas grades para onde.
Ele havia ido em direção à oficina, no fundo da casa dos velhos. Demorou alguns dias mas Vitor entendeu o recado. Se ele quisesse que o espírito do velho Arthur continuasse vivo, teria de continuar a carpintaria.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Nós escolhemos as heranças que carregamos para o resto de nossas vidas.

Publicado em três partes no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, nas capa do caderno Dois das edições Nº 1359, 1361 e 1363.


sábado, 11 de julho de 2015

O Menino que se Tornou Olhos e Ouvidos - Parte 3

Arte de Weberson Santiago



Vitor não aguentou e resolveu contar para os amigos naquele mesmo dia que havia entrado na casa do velho e ficado amigo dele. Jorjão e Remela admiraram a coragem do amigo e pediram para ir junto quando ele fosse buscar o pássaro. Na véspera de ir buscar o pássaro, Vitor não conseguia dormir. A mãe só lhe autorizou passar de lá na volta da escola. O sinal tocou e Vitor disparou no caminho de volta e chegou ofegante na casa do velho Arthur, deixando os amigos para trás.
Dona Olímpia levou o menino até o fundo onde estava o marido e ele viu o filhote pelado no ninho, junto da mãe. A cria tinha vingado, mas ele precisaria esperar alguns dias até poder leva-lo pra casa. Ele já ficou satisfeito em ver o bichinho vivo. Dona Olímpia estava acabando de fazer o almoço e convidou o menino pra ficar e comer com eles. Ele disse que precisava avisar a mãe. Deu um pulo em casa, jogou a mochila e avisou a mãe que voltaria lá. A mãe consentiu, mas viu que teria de se aproximar da vizinha para ver quais eram as intenções do casal.
Enquanto almoçavam, Seu Arthur explicou como alimentar e cuidar do Diamante de Gould. Dona Olímpia questionou qual seria o nome do pássaro. Vitor respondeu prontamente: “Vai se chamar Falcão, dona”. Os velhos riram. Quando acabaram, Arthur convidou Vitor pra chegar na oficina. Arrumou uma cadeira pequena que parecia ter sido feita sob encomenda para acomodar o menino e o colocou num canto seguro longe das ferramentas, para que o velho pudesse trabalhar e, ao mesmo tempo, olhar no rosto do menino para fazer a leitura labial.
Nasceu aí uma grande amizade entre o menino e o velho. Por duas ou três vezes na semana, Vitor frequentava a casa do casal. Às vezes ia direto da escola e almoçava lá. Outro dia aparecia mais tarde e comia um pedaço do bolo de fubá da Dona Olímpia a tomava café com seu Arthur no intervalo entre as horas de trabalho. Vitor passava as tardes observando o velho trabalhar e construir objetos de madeira dos mais variados. Todo aniversário do garoto, o velho Arthur lhe fazia um presente de madeira. Cerca de três anos se passaram, enquanto Vitor assistiu os movimentos do carpinteiro ficarem mais lentos. Percebeu o aumento da sua dificuldade ao usar a força e viu a catarata dificultar a visão e a leitura labial. Já tinha ouvido todas as suas histórias do garimpo, as aventuras da juventude, sabia de cor a história de como ele conheceu a esposa. Vitor sabia o motivo de cada ruga de Arthur e que a carpintaria era o seu esqueleto, o que o mantinha de pé.
Foi a decadência do corpo do velho mais o interesse aguçado do garoto que fizeram com que Vitor começasse como ajudante e fosse aprendendo passo-a-passo a ser um carpinteiro. Vitor ajudava a atender os clientes, fazia cobranças dos móveis comprados em parcelas. Aos quatorze anos era os olhos, os ouvidos e o braço direito do velho Arthur. O adolescente era o filho e o neto que Arthur e Olímpia não tiveram. O casal eram os avós que Vitor não teve presentes porque moravam longe.
Aos oitenta e quatro anos, pela manhã, Seu Arthur estava trabalhando numa estante quando começou a passar mal e caiu no chão desacordado. Dona Olímpia se assustou quando chegou com o café e encontrou o marido no chão. Ele já estava morto, vítima de uma parada cardíaca.
Quando Vitor saiu da escola, seus pais estavam parados na frente da casa dos velhos. O menino estranhou encontrá-los ali. A mãe o pegou pela mão, o pai lhe colocou a mão no ombro e lhe deram a notícia da perda do amigo. Vitor saiu correndo, subiu o morro onde ele soltava pipa quando era mais novo e ficou sozinho por algum tempo. Não se conformava com o que havia acontecido. Voltou pra casa nervoso, revoltado. Entrou batendo a porta e seguiu em direção a gaiola onde estava o Falcão. Pegou a gaiola e foi até a frente da casa. Abriu a portinhola.
O pássaro ficou parado. O menino ficou olhando. De repente ele saiu do poleiro e pousou na porta da gaiola. Vitor não fez nada para impedir e ele bateu asas. O menino viu pelas grades para onde.
Ele havia ido em direção à oficina, no fundo da casa dos velhos. Demorou alguns dias mas Vitor entendeu o recado. Se ele quisesse que o espírito do velho Arthur continuasse vivo, teria de continuar a carpintaria.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Nós escolhemos as heranças que carregamos para o resto de nossas vidas.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 11/07/2015, Edição Nº 1363.