sábado, 29 de novembro de 2014

Coxinha Injustiçada





“O Augusto é coxinha”. Já tinha ouvido por aí alguns caras serem chamados de coxinha, mas foi quando o meu nome foi associado ao salgado que resolvi investigar a fundo o que é um homem coxinha.
Depois de muita investigação e leitura pude concluir que o coxinha é um mauricinho-versão-atualizada. O coxinha é um cara tão certinho que irrita. É um almofadinha que se preocupa com sua imagem e com o que os outros pensam dele. O coxinha é vaidoso, mantem o cabelo sempre impecável. Evita qualquer atividade que desmanche o seu topete. Não frequenta qualquer ambiente e não se mistura muito, mas quer que os outros pensem que ele é descolado e que é popular entre seu seleto grupo de amigos.
O coxinha não se arrisca, não ousa. Prefere tudo no seu lugar. Desde a camisa pólo por dentro da bermuda bege até a foto de família-tradicional-feliz. O coxinha é o orgulho dos pais: nunca repetiu de ano, sempre soube dividir o tempo entre o namoro e os estudos para o vestibular e por isso entrou cedo na faculdade. Casou logo, já que o coxinha é o sinônimo da estabilidade futura no mercado das solteiras.
Alguns blogueiros teóricos, dedicados a chegar ao perfil exato e definitivo do coxinha, defendem que eles estão por todas as partes, em diversas profissões, grupos e classes sociais. Eu fiquei confuso com a divergência entre as definições, porque o coxinha pode ser muita coisa. Pode-se ser chamado de coxinha quando discute futebol, quando dá opinião sobre política ou até se for falar de amor. O cara te incomodou? Chama de coxinha.
Quando ouvi esse papo de coxinha, confesso que me pareceu engraçado. Mas quando fui pensar a respeito da comparação, achei injusto um salgado gostoso ser equiparado a tantas características sem graça. O que o salgado dourado e crocante, recheado de frango e catupiry tem a ver com todos esses tipos de comparação pejorativa? O que está por trás desta injustiça com a coxinha, caro leitor?
Recentemente a coxinha ganhou sobrenome gourmet em versões variadas de recheios e massas. Tem até coxinha de pato. Versão de sobremesa com massa de brigadeiro e recheio de morango. Acredito que se trata de um complô dos outros salgados, invejosos do status que a coxinha conseguiu alcançar nos últimos tempos. Cidades tornaram-se ponto turístico por venderem coxinhas. A coxinha está sendo boicotada em seu momento mais glorioso.
Defendo a igualdade entre os salgados. Ou a coxinha deixa de ser xingamento ou todos os salgados devem ser usados para a difamação.
Se você não concorda com a minha teoria, não adianta me chamar de coxinha. Você pode se enquadrar no que eu chamo de rissoles: aquele tipo de pessoa que quando você espreme (pressiona), o recheio pula pra fora (não dá conta). Pode ser que você seja um quibe: o que o vernáculo das gírias outrora denominou de cagão (medroso). Pode ser ainda que você se enquadre no perfil do empadinha: parece alguém de gosto requintado e elegante, mas que quando você chega perto percebe que é gorduroso e o recheio é popular. Afinal, a tampinha sempre esconde o recheio de frango ralado, palmito e azeitona.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Se você for chamado de coxinha não questione. Um coxinha nunca aceita que é coxinha.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 29/11/2014, Edição Nº 1333.

sábado, 15 de novembro de 2014

Educação para a Morte

Arte de Weberson Santiago



Nunca estamos totalmente preparados para lidar com a morte, mesmo que anunciada por uma doença que se arrasta lentamente. Quem dirá quando é repentina, inesperada.
A Natália e eu temos o costume de deixar a Anelise participar das situações de perda que vivemos. Ela foi ao velório do pai da Natália no ano passado e mais recentemente no de minha avó materna, que morreu de repente.
Acreditamos que, se ela viver os rituais envolvidos na morte de um ente querido, estará mais preparada para viver outras perdas no futuro. Estou falando de educação para a morte.
Educar para a morte é o contrário de poupar a pessoa de viver situações que envolvem a perda. Não sou a favor de expor uma criança a uma situação de sofrimento que seja mais forte do que ela pode aguentar e que a faça ter pesadelos de que está perdendo seus pais, por exemplo. Mas que ela seja gradativamente exposta a este assunto que faz parte da vida.
Na verdade, optamos por não ensinar nossos filhos a lidar com a morte porque nós mesmos não sabemos lidar com ela. Preferimos evitar o assunto em qualquer ocasião, inclusive numa conversa familiar longe da ocorrência de uma perda próxima.
Aceitar a perda é um processo, com começo (a morte), meio (alguma forma de sofrimento geralmente acompanhada de questionamentos que de fato não tem resposta: por que com ele ou ela? Se eu tivesse feito tal coisa a morte seria evitada?) e o fim (a aceitação que deve vir acompanhada de um novo sentido para a vida sem a pessoa que se perdeu).
Algumas pessoas tem muita dificuldade de aceitar a perda. A tristeza faz parte do processo de aceitação. O problema é quando se para na tristeza, patinando sobre ela sem conseguir sair. É preciso algum esforço para ultrapassá-la. Quando não se consegue sozinho é preciso pedir ajuda.
Cerca de dez dias após a morte da minha avó, enquanto tomávamos café da manhã, a Anelise me perguntou:
— Quando a gente morre continua a fazer aniversário?
— A gente que fica se lembra do aniversário de quem morreu, mas não canta parabéns. Agora, lá no céu eu não sei. Imagino que as pessoas que morreram comemorem juntas lá, mas como a gente não tem como ir no céu pra ver, não dá pra ter certeza.
— Queria tanto que a gente pudesse ir lá no céu pra ver como é que é, e depois pudesse voltar pra nossa casa! – disse ela.
— Seria bem legal, né, Ane? Uma pena que não tem como... Quando eu era criança e ouvia o padre falar de como é o céu, também tinha vontade de dar uma espiada e ver se era tão bom quanto ele falava.
E assim ela vai ficando amiga do fantasma que é a morte.

UM CAFÉ E A CONTA!
| Pessoas que viveram em ambientes em que a morte era um tabu, geralmente são as que não sabem o que fazer com ela quando perdem alguém.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 15/11/2014, Edição Nº 1331.

sábado, 1 de novembro de 2014

Enxoval de Esperanças

Arte de Weberson Santiago



Luciana se enchia de esperança a cada novo relacionamento. Bastava o primeiro encontro e o telefonema do rapaz na semana seguinte para que ela começasse a se imaginar casando. Conforme o relacionamento avançava, ela que trabalhava no comércio, começava a comprar coisas em lojas de departamento: utensílios domésticos, roupas de cama, mesa e banho.
Quando Carlos, o primeiro namorado, descobriu a compra, se assustou com o tamanho do passo, com a rapidez da evolução. Fugiu do compromisso e abandonou o relacionamento. Luciana ficou muito chateada, perdeu a esperança de se casar, mesmo com as amigas lhe dizendo que ele partiu porque não gostava dela de verdade. Sentiu-se culpada.
Ainda assim, bastava que ficasse com outro rapaz em uma festa e ele demonstrasse a intenção de marcar outro encontro, para que ela fosse tomada por uma coceira incontrolável para comprar algum objeto para quando viesse a se casar. Era uma vontade persistente, que se sustentava em um sonho muito desejado.
Como percebeu que as compras tinham assustado o seu namorado anterior, Luciana passou a adiar mostrar todos os objetos que ela dispunha para usar após o casamento. Mantinha-os em um quartinho na casa de sua mãe. Quando o novo namorado Fábio, conheceu o enxoval, também pulou fora da relação. E foi assim com o Lucas, o Paulo e o Edgar.
Luciana já tinha uma casa completa dentro daquele quarto, entre móveis, enxoval e utensílios de cozinha, mas lhe faltava a esperança. Pouco a pouco ela foi diminuindo, chagando a pensar que não usaria nada daquilo que foi juntando, pois seus namoros não evoluíam.
Até que Luciana conheceu o Marcos, um cliente que atendeu na loja onde trabalhava. Ele era auxiliar administrativo em uma imobiliária do centro da cidade e havia acabado de receber as chaves de um pequeno apartamento que tinha financiado desde a planta. Ele havia entrado na loja para comprar as primeiras coisas pro novo apartamento.
Luciana lhe vendeu um jogo de cama de casal e entendeu que ele tinha a cama, mas não tinha a companhia. Observou as mãos e não encontrou nenhuma aliança. Ele achou ela bonita, mas só tomou alguma iniciativa quando lhe encontrou num restaurante por quilo e a convidou para sentar na mesa dele.
Pronto. Ele tinha o apartamento e ela era dona de tudo o que era preciso para transformar aquele espaço em um lar. Era a panela conhecendo a sua tampa. As metades da laranja que se completavam. Os opostos se atraindo na intensidade de um imã.
— Você não se importa de usar todas aquelas coisas que eu comprei em outros relacionamentos? – perguntou Luciana.
— Não – respondeu Marcos sem titubear – você comprou pra usar com seu marido, mas nenhum deles merecia ocupar este lugar. Você já comprava pra nossa casa, só que ainda não sabia disso.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Relacionamentos que não deram certo devem nos ensinar algo para quando estivermos diante de um relacionamento que pode dar certo.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 01/11/2014, Edição Nº 1329.