quarta-feira, 25 de março de 2020

Os Presentes que o Corona Vírus me Deu


Foto: arquivo pessoal.

Quando cursava Psicologia, tive uma matéria de Orientação Vocacional que funcionava como uma supervisão paralela aos atendimentos de adolescentes vestibulandos. O nosso supervisor, Prof. José Maurício aplicava as técnicas em nós durante a supervisão e, em seguida, nós aplicávamos nos estudantes.

Numa das supervisões, ele pediu que fizéssemos um exercício de imaginação do nosso futuro profissional em uma cena, e depois descrevêssemos para o grupo. A imagem que veio na minha cabeça foi de uma mesa grande de mármore e eu sentado de camisa social, mas de bermuda embaixo dela.

Naquela época eu era obeso e sentia muito calor. Diz a lenda que o Cid Moreira apresentava, ao vivo, o Jornal Nacional de terno na parte de cima e bermuda por baixo da bancada.

Eu queria fazer igual. Pois bem, graças ao Corona Vírus este sonho se concretizou! Com a pandemia, só podendo realizar sessões virtuais por meio de chamada de vídeo, posso atender de bermuda e Havaianas, e assim estou fazendo. Mas não foi só isso que ele me deu.

Natália e eu trabalhamos revezando de consultórios em duas cidades. Por isso, nunca trabalhamos ao mesmo tempo no mesmo lugar. Não conseguimos almoçar juntos durante a semana, nem tomar um cafezinho no meio do expediente. Agora, graças ao Corona Vírus, atendemos virtualmente em cômodos vizinhos de nossa casa. Quem tem um intervalo prepara um café, faz um bolo. Neste período, podemos almoçar juntos, em família, todos os dias. Benefícios graças ao Covid-19.

O Corona Vírus também me permitiu resgatar alguns hobbies que não estavam encontrando espaço na minha rotina. Estou pintando um par de quadros enorme para um casal de amigos há mais de um ano e meio. Não havia tempo e, quando havia, faltava paciência e disposição. Foi retomada a pintura, e espero termina-la até o fim da quarentena.

Passei o ano de 2019 inteiro sem publicar uma crônica por conta do gerenciamento de uma obra em casa, o que me tomou todo o tempo livre que me restava. A obra terminou no fim do ano passado, mas só agora com a pausa obrigatória da quarentena que eu tive a possibilidade de sentar e escrever essas palavras que você lê.

Perdemos e perderemos algumas coisas – que eu espero que por termos agido antecipadamente não percamos muito – com essa pandemia, mas é preciso saber reconhecer também os seus ganhos. A tão importante gratidão, que de tanto ter seu uso banalizado, vem correndo o risco de perder a essência do seu significado. A verdadeira gratidão consiste em ser grato inclusive pelas coisas que nós não queríamos que tivessem acontecido, mas que nos trouxeram aprendizados por terem acontecido.

Obrigado, Corona – olha a intimidade! – por ter me permitido experimentar uma série de coisas que eu desejei e que se não fosse você eu não experimentaria. Obrigado por ter me exigido flexibilidade de comportamento, por ter me feito experimentar a empatia, por ter feito valorizar a minha rotina e a minha liberdade.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| É importante se proteger para o futuro, mas não podemos esquecer de viver o momento presente. E neste exato momento, eu não estou em sofrimento. Obrigado.

sábado, 22 de dezembro de 2018

Como Sobreviver Ao Final do Ano?

Arte de Weberson Santiago



É quase impossível sobreviver e sair ileso ao período de festas de final de ano.

Partimos do cansaço acumulado no decorrer do ano e nos deparamos com uma série de compromissos típicos: confraternizações, amigos secretos e as ceias e almoços de Natal e Ano Novo.

O que mais queremos nessa época é finalizar, é chegar ao fim dos compromissos que perduraram todo o ano. Não vemos a hora de parar para descansar, para pensar, para curtir e, porque não, para dedicar-se a arte de não fazer nada. Mas isso só é possível na fantasia porque na realidade é preciso encontrar forças para o milagre da multiplicação dos compromissos de final de ano.

Não há como fugir de encarar uma maratona de festas regadas a álcool e comilança. Ninguém quer ser tachado de antissocial ou de estraga prazeres do grupo. É festa da firma, amigo secreto da turma de Pilates, confraternização do curso, cerimônia de colação, festa de formatura, ceia, almoço e por aí vai.

Se as vinte quatro horas do dia parecem poucas para nossas demandas, o que é dezembro para toda essa festança? Não dá para parcelar durante o ano?

É preciso mais que disposição para as compras de final de ano.  Encarar as filas nos supermercados e nas lojas. Treinar meditação no trânsito no centro e a atenção para achar uma vaga de estacionamento. É só o início da jornada de compras.

A multidão se atracando para comprar são obstáculos obrigatórios: você estará em desvantagem na distância em comparação a outro consumidor, ambos mirando o último item de um produto essencial para a sua ceia. A disputa ocorrerá em câmera lenta e você certamente perderá. Mais um teste de paciência para ver se você será um bom menino ou uma boa menina neste Natal. Programe-se e evite as ciladas do comércio dessa época.

A família é um capítulo à parte. Há quem passe o ano brigando e depois brinde a aparente harmonia nessas festas, com direito a foto e tudo. Isso quando a própria festa que deveria ser santa não se torna palco de intrigas e discórdias que vão se desenrolar no ano seguinte.

Por isso, recomendo que você se prepare pensando em tudo o que pode dar errado na sua festa de família e tenha um plano para lidar com o que pode acontecer. Pode parecer um excesso de preocupação de alguém que só vê o lado ruim das coisas. Não penso que seja exagero. É apenas uma estratégia para que sua ceia e seu almoço não sejam indigestos. Um exercício para você se proteger.

Está cada vez mais difícil encontrar sentido para o Natal ao nosso redor. Por isso, encontre o sentido do Natal dentro de você. E se proteja do resto.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Se alguém tiver um manual de sobrevivência para as festas de fim de ano, por favor me empreste.

 Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 21/12/2018, Edição Nº 1543.



sábado, 1 de dezembro de 2018

A Felicidade Pode Ser Uma Fuga da Dor

Arte de Weberson Santiago




Lucas era um cara feliz. O sorriso parecia ter sido carimbado na sua cara. Estava sempre brincando com aqueles que estavam ao seu redor.

Não eram brincadeiras inconvenientes, mas piadas divertidas. Aproveitava toda oportunidade que tinha de deixar a vida mais leve.

Ninguém lhe passava despercebido, o cumprimento era sempre acompanhado de um sorriso e uma tirada. Parecia que Lucas acordava todos os dias para espalhar a felicidade por onde passasse.

Por conta deste comportamento, era visto como alguém legal e espontâneo para a maioria das pessoas. Não tinha inimigos, raramente incomodava alguém.

Um dia, numa roda de colegas da qual eu fazia parte, surgiu o comentário de que alguém na cidade havia se suicidado. Foi quando Lucas fez uma revelação que surpreendeu a todos.

A sua mãe havia se matado quando ele ainda era criança. Ele contou que ela sempre teve depressão e havia passado a vida toda entre momentos de grande tristeza e de melhora.

A separação lhe fez recair mais vezes. As primeiras tentativas foram com excesso de medicação, mas ela sempre sobreviveu.

Mais adiante ela se jogou na frente de um veículo em movimento. Não morreu na hora, ficou dias internada. Quando Lucas lhe perguntava a razão de ter feito isso durante a internação, ela mudava de assunto. A angústia era sua maior companheira, ela já havia revelado antes que queria pôr fim ao seu sofrimento.

A família já havia tentado psiquiatra e psicólogo, mas não haviam sido suficientes para lhe amenizar a dor. No hospital ela pegou uma infecção e morreu. Lucas revelou que ainda pensava que podia ter feito mais alguma coisa, apesar de eu ter observado que o seu relato todo tenha sido feito com aceitação.

A turma que o rodeava, depois da surpresa com a revelação, acolheu a história de Lucas e retribuiu com afeto a alegria que ele proporcionava na convivência. Ninguém imaginava que alguém que esbanjava tanta animação pudesse ter vivido algo tão difícil.

Para mim, ficou mais fácil entender a sua alegria. Lucas havia se proposto uma missão: a de não permitir se entregar a tristeza e de ajudar àqueles que estão ao seu redor a não sucumbir a dor.

Desta maneira, evitaria que outros filhos perdessem uma mãe ou um pai, um irmão ou um filho. Com isso, curaria a sua própria dor enquanto ajudava os outros a deixar a sua de lado.

As situações mais difíceis sempre têm muitas saídas. Algumas nobres e honrosas. Outras atalhos perigosos. Na minha opinião, Lucas havia transformado seu sofrimento em algo produtivo, havia encontrado uma saída honrosa para lidar com a sua perda.

Mais vale lutar para manter a felicidade do que se entregar resignado a dor.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Por trás da alegria abundante pode existir uma boa dose de tristeza.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 30/11/2018, Edição Nº 1540.

sábado, 10 de novembro de 2018

A Ausência de Limites é a Base da Insegurança

Arte de Weberson Santiago




Fazíamos uma caminhada quando a Natália resolveu dividir uma reflexão a partir da sua prática clínica psicológica. Ela me disse que havia pensado sobre como estamos o tempo todo extrapolando os limites e necessitando que alguém nos coloque de volta no lugar que corresponde ao nosso naquele momento.

Ela me dizia que é assim desde a gestação quando não nos contentamos com os limites do útero e tentamos ganhar espaço com chutes e movimentos. Pensei que aqueles chutes que comemoramos talvez não deveriam ser tão festejados se considerarmos como uma forma precoce de extrapolar os limites levemente agressiva. Difícil é não se derreter com a mágica da vida tomando forma.

Naquele momento, involuntariamente a mãe está ponto limite com seu útero. Mas não demora muito para o bebê querer ficar sentado o tempo todo e termos de deita-lo, para ele querer ficar de pé no berço, nos obrigando a descer o estrado, dele engatinhar e andar, querendo explorar mais espaço do que sua segurança permite e lá vamos nós correndo atrás para mostrar até onde ele pode ir.

E isso não termina com a infância. A adolescência é a extrapolação dos limites de dentro e de fora de casa, quando pedimos para ser contidos nessa busca por liberdade. É provável que até na vida adulta busquemos este limite em uma relação estável que freie uma vida desregrada e promíscua, um trabalho que me ponha horários e regras e não me permita viver de qualquer jeito.

Alguém poderia questionar o quanto o limite é uma necessidade. A necessidade do limite fica evidente quando ele não existe. Se o limite fosse algo restritivamente ruim, sua ausência deveria trazer felicidade. Na psicologia clínica vemos o contrário.

Quando há ausência de limites, a pessoa se sente negligenciada, como se fosse pouco importante para que os próximos se preocupassem com ela. A falta de alguém que me proteja me faz experimentar sentimentos de solidão e tristeza. Esta ausência pode fazer inclusive com que eu me sinta invisível. Vemos que é esta ausência – muitas vezes uma ausência presente – que está por trás de automutilação e tentativas de suicídio em adolescentes, por exemplo.

Como suas necessidades afetivas não são percebidas e uma série de imposições que consideram o desejo dos pais se sobrepõe, o comportamento autolesivo de um adolescente pode ser uma forma – ainda que drástica – de pedir amor na forma de compreensão e na forma de limites.

A reflexão inicial da Natália me fez pensar no momento político e social em que estamos vivendo e o comportamento das pessoas, sobretudo nas redes sociais. Acredito que o comportamento intolerante e agressivo que temos visto tem muito a ver com a ausência de limites. Tenho a sensação que vejo pessoas desesperadas por atenção e para que alguém venha, ainda que sobre a forma de conflito, e lhe ponha limites. Todo mundo é extremamente corajoso atrás de um computador ou celular porque não tem o semblante e o olhar – e as vezes a mão – do outro lhe pondo limites.

Não acredito que as pessoas postem suas posições com o intuito de instruir os desinformados. Também não acredito que o propagador de fake news o faça por ignorância. Ele está desesperadamente pedindo que alguém o corrija e prolongará o máximo da atenção que puder obter “resistindo” a ceder para se certificar que não pode tudo e que não está sozinho neste mundo. A insegurança que sentimos neste momento é por vivermos em um mundo em que tudo pode. E poder tudo é não ter limites.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| O limite não limita, dá segurança.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 10/11/2018, Edição Nº 1537.

sábado, 20 de outubro de 2018

As Flores Não Mentem

Arte de Weberson Santiago



As flores nunca mentem. Posso lhe dar um ramalhete de exemplos para comprovar.

As flores nunca mentem quando recebemos uma visita que parece muito feliz com nossos progressos pessoais, mas que esconde uma inveja enorme de nossas conquistas. As flores murcham pouco tempo depois para nos mostrar com quem estamos lidando.
Se ainda resta alguma dúvida de que as flores murcharam por conta da inveja elas reagem brotando ou florindo um tempo depois para nos lembrar que o motivo de ter murchado foi o sentimento da visita. As flores nunca mentem.

As flores nunca mentem quando recebemos um buquê de presente. Se retrata de um amor verdadeiro o buquê exala frescor. Se foi planejado para comemorar uma data especial, o buquê conversará com você sobre as memórias do relacionamento. Se foi um presente para compensar uma pisada de bola, as flores estarão dispostas a lhe dar um alerta sobre os perigos da sedução, mas só se você estiver disposto a ouvir. As flores nunca mentem, desde que nós mesmos não queiramos nos enganar.

As flores nunca mentem sobre o quanto as pessoas são boas em cultivar. As flores revelam se a pessoa tem “mão boa” para plantar, se a pessoa tem disponibilidade para cuidar com frequência, se a pessoa sabe perceber a necessidade da planta e dos outros, se a pessoa sabe adubar suas plantas e as pessoas de ideias.

As flores nunca mentem quando morrem e respeitam nossa dificuldade em lidar com a perda. Se nossa dificuldade é grande, a flor perde pétala por pétala para que nos acostumemos com a morte. Se já endurecemos diante de outras perdas, a flor seca por inteiro. Se são muito representativas, aceitam ser esmagadas pelas páginas de um livro para que sejam eternizadas, ainda que secas.

As flores não mentem quando estão presentes nos velórios. Há coroas que verdadeiramente homenageiam, mas há outras que revelam culpa por uma atitude com o morto ou remorso pelo abandono no final da vida. E as flores entregues no túmulo com frequência revelam a dificuldade de aceitar a perda ao tentar manter a pessoa viva dentro de si com o ritual. As flores nunca mentem.

Por isso eu não concordo com o Cartola– e não concordo só com este trecho de toda sua obra – quando ele diz que as rosas não falam. As rosas não só falam como avisam, aconselham, dão dicas e até gritam. As gérberas, petúnias, begônias, margaridas, violetas e até os cravos também. Basta querer ouvir.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Você já ouviu as verdades que as suas flores tem para lhe dizer?


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 20/10/2018, Edição Nº 1534.

sábado, 6 de outubro de 2018

A Virtude de Aprender a Lidar com as Emoções

Arte de Weberson Santiago




Uma das maiores virtudes que se pode ter nos dias de hoje é a capacidade de gerenciamento de emoções negativas.

O manejo de pensamentos desagradáveis, sentimentos ruins e memórias difíceis de lidar é fundamental para que sejamos capazes de viver.

Nossa principal tendência diante de um pensamento ou sentimento ruim é tentar fazer algo para que paremos de pensar ou de sentir. Como se a esquiva ou a fuga fossem de fato uma maneira de lidar com eles.

Na verdade, ainda que seja uma tentativa de resolução, a fuga ou a esquiva só encerram ou adiam o contato temporariamente. Com esses comportamentos apenas deixamos o problema para depois e não aprendemos a lidar com eles.

O complicado é que não percebemos que fazemos isso muitas vezes ao dia e que a longo prazo ficamos limitados na arte de fazer malabarismos com estas emoções ao viver a vida.

Os psicólogos que propões a Terapia de Aceitação e Compromisso afirmam que tentar controlar os pensamentos, sentimentos, emoções e memórias é parte do problema e não a solução.

Para eles, a saída é exatamente o contrário: para que seus pensamentos e sentimentos deixem de atrapalhar a sua vida você deve tolerar entrar em contato com eles e deixarem que eles passem.
Esses terapeutas dizem que o sentimento costuma ser evocado por uma situação, até atingir um máximo de intensidade e depois ele passa. Ou seja, para gerenciar é preciso ser capaz de sentir e deixar passar.

Para a TAC, um sentimento não é a realidade, é uma resposta do seu corpo a uma realidade, mas é só um sentimento. De maneira que suas decisões não devam ser tomadas nesse momento de maior intensidade.

O mesmo raciocínio vale para os nossos pensamentos. Eles são resultados de nossa história de vida e evocado pelas situações atuais. Muitas vezes nossos pensamentos se distanciam da realidade e são “maus conselheiros” para lidar com as situações.

A TAC diz que a direção de nossas ações não pode ser definida por aquilo que pensamos e que as vezes devemos inclusive desconfiar do quanto nossos pensamentos são precisos, de maneira a olhar nosso próprio comportamento e as situações com distanciamento.

Se eu falarei em público, por exemplo, e no caminho penso que posso falar algo errado e passar um constrangimento, se eu levar esse pensamento muito a sério eu darei meia volta e voltarei para casa, o que seria um erro.

É preciso parar de encarar os pensamentos e sentimentos negativos como problemas e compreendê-los como parte de nosso funcionamento. Aceitar e compreender lhe darão a liberdade que você busca.

 UM CAFÉ E A CONTA!
|Desejar viver somente de emoções positivas é a melhor maneira de não aprender a lidar com emoções negativas.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 06/10/2018, Edição Nº 1532.

sábado, 22 de setembro de 2018

Será Que Eu Consigo?

Arte de Weberson Santiago



Quando eu era criança, pensava que nunca seria capaz de ser bom em nenhum esporte. Isso porque não conseguia me manter praticando nenhum por muito tempo. Pensava que alguém acima do peso sempre desiste de qualquer atividade física. Cheguei a pensar que o sedentarismo seria sempre o meu destino. Quem hoje me vê madrugando para nadar ou correr, não imagina que já me faltou disposição.

Quando eu era adolescente, cheguei a pensar que não conseguiria arrumar uma namorada.  Pensei isso quando eu enfrentava a seca no campo amoroso. Me comparava com alguns colegas "pegadores" e achava que estava ficando para trás. Minha timidez não colaborava na hora de abordar as meninas. Na tentativa de me aproximar de forma indireta, acabava ficando amigo delas. Cheguei a pensar que ficaria sozinho para o resto da vida. Quem me vê hoje casado com uma linda mulher não pensa que eu passei por isso.

Quando fiquei adulto e me formei na faculdade, cheguei a pensar que não conseguiria arrumar um emprego ou encher a minha agenda de clientes como psicólogo. Pensei isso quando montei o consultório e mais esperava do que atendia, depois quando queria ser docente e não obtinha resposta ao enviar currículos. Quem me vê hoje, com a agenda do consultório cheia em duas cidades, dando aula em duas universidades e no ensino médio de dois colégios, não imagina que já me faltou trabalho.

Quando eu era criança e estava na terceira série do ensino fundamental, a professora pediu uma redação. E eu fiquei horas rabiscando primeiros parágrafos e amassando as folhas. Até que liguei para a minha avó materna, professora de português, e pedi alguma dica. Ela indicou que eu deixasse a imaginação livre para voar. Resultado: a redação foi escolhida como a melhor da sala, digitada na máquina de escrever pela professora, ilustrada por mim, e dependurada no mural da sala. Quando estava no ensino médio, tinha dificuldade na elaboração de redações e lutava para tirar a média na redação com a professora. Até que a proposta foi para um tema mais psicológico e eu escrevi sobre as escolhas e suas consequências e tirei nota máxima pela primeira e única vez com aquela professora. Mais adiante, depois de ter decidido que escreveria crônicas e que montaria meu blog, enviei os primeiros textos para um amigo médico e escritor que me disse para continuar a pintar, que eu era melhor com os pincéis do que com as palavras. Mas eu não desisti, pois sabia que o gosto dele não era o de todas as pessoas desse mundo. Quem me vê escrevendo nessa coluna de jornal há sete anos, com mais de duzentos textos publicados, não imagina que eu já tive dificuldade para escrever.

Nos deparamos com pensamentos de incapacidade quando aquilo que queremos parece estar distante do nosso alcance. Este pensamento é efeito do contexto no qual nos encontramos, que geralmente envolve a privação de algo. Se, por conta desses pensamentos, desistimos de seguir tentando, não chegamos até a conquista e não descobrimos que somos capazes. Quando alguém duvidar da sua capacidade, duvide dessa pessoa, ainda que a pessoa seja você mesmo.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Quando vemos o sucesso dos outros, não costumamos pensar em como essas pessoas chegaram ali. Exatamente como diz o ditado da pinga e do tombo.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 22/09/2018, Edição Nº 1530.