sábado, 25 de junho de 2016

Encapotado no Frio

Arte de Weberson Santiago



Quando vira o tempo e entramos de fato no clima do outono é hora de tirarmos as roupas de frio do guarda-roupa. A segunda leva que sai do armário é dos casacos pesados, quando o inverno resolve verdadeiramente entrar em vigor.
A mudança de clima não tem acontecido na data que marca a mudança das estações. Neste ano, por exemplo, o frio típico do inverno chegou no outono.
Botar os casacos para andar, aqui pela nossa região, é coisa rara. Por aqui o calor é regra e o frio é exceção. Durante o ano que o frio é leve, só as malhas têm o privilégio de sair para passear, enquanto os casacos ficam esquecidos até que o frio aperte.
Se no verão a frase mais repetida para iniciar uma interação entre duas pessoas é “nossa, que calor!”, no inverno vale o inverso: “nossa, o tempo virou! Que frio!”. Geralmente a conversa segue a seguinte sequência:
— Você gosta de frio?
— Adoro, as pessoas se vestem melhor e ficam mais bonitas. Ou então:
— Detesto, gosto mesmo é do calor!
Eu não concordo totalmente com a máxima de que as pessoas se vestem melhor no inverno. Claro que algumas roupas bonitas só saem no guarda roupa nesta época do ano. Cachecóis e lenços, por exemplo, fazem todos ficarem mais elegantes, mas o contrário também acontece.
É no frio que a gente se permite vestir um punhado de roupa sem se preocupar com a aparência, só pensando no conforto e em chegar na temperatura ideal. Quem pensa que as pessoas se vestem melhor no inverno precisa dar uma passada lá em casa em um entardecer de domingo em que faz muito frio.
São duas calças com a meia mais comprida da gaveta; camiseta, malha e blusa de moletom por cima, de preferência com capuz; gorro, luva e cachecol. Se não bastasse tudo isso, manta e/ou edredom na cama e no sofá.
Difícil vai ser me encontrar no meio de tanto pano. É tanta roupa que, distribuída aos pares, vestiria a família toda.
Fico redondo feito bola de meia de pelada de campo de terra batida. Até evito sair assim, mas se precisa dar um pulo na padaria do bairro, lá vou eu.
É, pensando bem, dá para se vestir mal em qualquer estação.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Quanto mais velha a roupa, mais confortável é vesti-la.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 25/06/2016, Edição Nº 1413.

sábado, 11 de junho de 2016

O Creme Para as Mãos

Arte de Weberson Santiago



Outro dia a Natália me pediu para pegar uma coisa na sua bolsa. Para o homem, ter de encontrar um objeto na bolsa da mulher é uma aventura. Quase uma viagem para as savanas africanas.
Já imagino o locutor de documentários narrando os obstáculos e armadilhas do percurso até encontrar o objeto solicitado. Na verdade, eu nunca encontro.
Depois de colocar para fora metade das coisas que ela carrega, vou ficando irritado com o remover os objetos para o lado e eles caindo novamente por cima de maneira que eu me sinto procurando o fundo de uma piscina de bolinhas.
Para mim, esta é uma prova da superioridade feminina sobre nós homens. Não tenho estrutura emocional para manejar uma bolsa repleta de objetos diante da necessidade de um apetrecho qualquer. E não consigo entender como as mulheres conseguem essa proeza no seu dia a dia, em meio a tantas demandas.
Naquele dia, um dos conteúdos da bolsa que eu havia retirado me chamou a atenção. Tratava-se de uma bisnaga de creme para as mãos, já pela metade. Ao percebê-la, lembrei-me de que a Natália guarda um creme desses em diversos lugares: na gaveta do criado mudo, no seu armário no trabalho e na bolsa.
Eu já estava pronto para me dirigir a ela, dizer que não achei o que ela me pediu e questionar a mania do creme, mas não questionei, só avisei que não havia achado.
Toda vez que eu não acho uma coisa na sua bolsa, ela para o que está fazendo e me prova que está lá, em algum canto. Não questionei o motivo de tantos cremes para as mãos, espalhados pelos seus caminhos, porque pensei que o maior beneficiado por esta mania sou eu.
Quando estou preocupado e franzo a testa, ela escorrega o dedo macio bem no meio da fronte para me desenrugar a testa e eu sinto o cheiro do creme Nívea quando a mão passa perto do meu nariz.
Quando ela me olha com os olhos brilhando e resolve fazer as mãos de cadeira para o meu queixo, sinto o perfume do creme de castanhas durante o carinho.
Quando ela repousa sua palma sobre a minha mão, que está dando sopa por perto, e eu retribuo com um beijo na sua mão, sinto o cheiro de erva-doce.
Ao lembrar disso, resolvi que o presente do dia dos namorados será uma caixa cheia de creme para as mãos, de diferentes marcas e perfumes. Mulher quando ama usa luvas invisíveis macias de cheiro.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Mais difícil do que encontrar algo na bolsa dela é conseguir esconder um presente dela até que chegue o dia de dar.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 11/06/2016, Edição Nº 1411.