sábado, 22 de setembro de 2018

Será Que Eu Consigo?

Arte de Weberson Santiago



Quando eu era criança, pensava que nunca seria capaz de ser bom em nenhum esporte. Isso porque não conseguia me manter praticando nenhum por muito tempo. Pensava que alguém acima do peso sempre desiste de qualquer atividade física. Cheguei a pensar que o sedentarismo seria sempre o meu destino. Quem hoje me vê madrugando para nadar ou correr, não imagina que já me faltou disposição.

Quando eu era adolescente, cheguei a pensar que não conseguiria arrumar uma namorada.  Pensei isso quando eu enfrentava a seca no campo amoroso. Me comparava com alguns colegas "pegadores" e achava que estava ficando para trás. Minha timidez não colaborava na hora de abordar as meninas. Na tentativa de me aproximar de forma indireta, acabava ficando amigo delas. Cheguei a pensar que ficaria sozinho para o resto da vida. Quem me vê hoje casado com uma linda mulher não pensa que eu passei por isso.

Quando fiquei adulto e me formei na faculdade, cheguei a pensar que não conseguiria arrumar um emprego ou encher a minha agenda de clientes como psicólogo. Pensei isso quando montei o consultório e mais esperava do que atendia, depois quando queria ser docente e não obtinha resposta ao enviar currículos. Quem me vê hoje, com a agenda do consultório cheia em duas cidades, dando aula em duas universidades e no ensino médio de dois colégios, não imagina que já me faltou trabalho.

Quando eu era criança e estava na terceira série do ensino fundamental, a professora pediu uma redação. E eu fiquei horas rabiscando primeiros parágrafos e amassando as folhas. Até que liguei para a minha avó materna, professora de português, e pedi alguma dica. Ela indicou que eu deixasse a imaginação livre para voar. Resultado: a redação foi escolhida como a melhor da sala, digitada na máquina de escrever pela professora, ilustrada por mim, e dependurada no mural da sala. Quando estava no ensino médio, tinha dificuldade na elaboração de redações e lutava para tirar a média na redação com a professora. Até que a proposta foi para um tema mais psicológico e eu escrevi sobre as escolhas e suas consequências e tirei nota máxima pela primeira e única vez com aquela professora. Mais adiante, depois de ter decidido que escreveria crônicas e que montaria meu blog, enviei os primeiros textos para um amigo médico e escritor que me disse para continuar a pintar, que eu era melhor com os pincéis do que com as palavras. Mas eu não desisti, pois sabia que o gosto dele não era o de todas as pessoas desse mundo. Quem me vê escrevendo nessa coluna de jornal há sete anos, com mais de duzentos textos publicados, não imagina que eu já tive dificuldade para escrever.

Nos deparamos com pensamentos de incapacidade quando aquilo que queremos parece estar distante do nosso alcance. Este pensamento é efeito do contexto no qual nos encontramos, que geralmente envolve a privação de algo. Se, por conta desses pensamentos, desistimos de seguir tentando, não chegamos até a conquista e não descobrimos que somos capazes. Quando alguém duvidar da sua capacidade, duvide dessa pessoa, ainda que a pessoa seja você mesmo.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Quando vemos o sucesso dos outros, não costumamos pensar em como essas pessoas chegaram ali. Exatamente como diz o ditado da pinga e do tombo.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 22/09/2018, Edição Nº 1530.

sábado, 8 de setembro de 2018

O Lugar e o Olhar





Quando a Natália e eu fomos montar a primeira sala de atendimentos de psicologia só nossa, sem compartilhar com mais nenhum outro profissional, escolhemos cada um dos móveis com muito cuidado. Cheguei até a fazer uma planta no papel e recortar os móveis em escala para ver quais combinações ocupariam melhor no espaço.

Era a primeira vez que não usaria poltronas idênticas em minha sala de atendimento, o que foi usado na minha primeira década de clínica como estratégia de promover igualdade numa relação que nunca é igual, já que somos os especialistas que supostamente sabem de tudo e até chegamos a ter, na imaginação dos clientes, a capacidade de ler seus pensamentos e sentimentos, enquanto o cliente é alguém em sofrimento e, por isso, em situação vulnerável.

A psicoterapia é uma relação humana de troca. Para que possamos ajudar alguém, precisamos nos aproximar e criar um vínculo, o que chamamos de relação terapêutica.

Como resultado de um amadurecimento profissional, havia decidido que deixaria a responsabilidade de acolher e propiciar uma boa relação terapêutica “somente” à minha postura profissional e às minhas estratégias terapêuticas ao invés de confiar na simetria das poltronas como ingrediente essencial. Escolhemos uma poltrona confortável para o terapeuta e um sofá bem espaçoso e aconchegante para os clientes.

Quando os móveis foram chegando na nova sala, constatei que a poltrona Charles Eames que escolhemos para o terapeuta era um tanto quanto mais baixa do que o sofá dos clientes. Isso me incomodou. Fiquei incomodado com a diferença de altura porque gosto de olhar de igual para igual para com meus clientes.

Após os primeiros atendimentos, comentei com a Natália que estava cogitando mandar fazer uma estrutura de MDF para colocar a poltrona em cima e elevar a sua altura.

No dia seguinte a Natália me disse que considerava que a poltrona não era menor por acaso. Que ficar em um patamar abaixo da altura do olhar de nossos clientes poderia ter algumas vantagens. Questionei quais eram. Ela me disse que as pessoas que chegam deprimidas tendem a ter um olhar mais cabisbaixo e uma perda do tônus muscular na postura. Estarmos em um nível mais baixo nos permitiria observar melhor as expressões faciais e manter contato visual com estes clientes. Além disso, defendeu ela, aquelas pessoas muito egocêntricas e arrogantes – popularmente chamadas de “nariz em pé” – seriam obrigadas a “baixar o nariz” para receber nossos feedbacks.

Refleti e dei razão a ela. Percebi que eu queria mudar, mas estava inseguro com o risco da mudança, com medo de lidar com o diferente e com dificuldade para aceitar o novo. Embora esses sentimentos nos acompanhem em qualquer situação de mudança, precisamos passar por eles para conseguir mudar.

Se eu quero que meus clientes mudem de comportamento, fico em melhor posição de ajuda-los nesse processo quando também sou capaz de mudar e lidar com as consequências da mudança.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| O autoconhecimento é uma via de mão dupla. Quando eu ajudo o outro a se conhecer, passo a conhecer melhor como posso ajudar.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 08/09/2018, Edição Nº 1528.