sábado, 28 de maio de 2016

Padeiro das Emoções

Arte de Weberson Santiago



Um dia descobri que minha missão na vida era ser padeiro das emoções. Você pode me perguntar o que significa ser padeiro das emoções. Explico.
Ser padeiro das emoções é trabalhar com os ingredientes dos sentimentos. É ajudar a pessoa a entender o que ela está sentindo. É pegar um sentimento negativo e colocar a mão na massa. Experimentar e compartilhar do sabor desagradável de um sentimento ruim junto com a pessoa que o sente, para entender com ela quais foram os ingredientes que o produziram. Ser padeiro das emoções é ajudar alguém que sente que está comendo o pão que o diabo amassou.
Para que ela não continue a pensar que o sentimento negativo caiu do céu e entenda o que lhe deixou assim. São as situações que vivemos e as pessoas que convivemos que nos produzem sentimentos negativos. Tentar se esquivar de encarar o sentimento é a mesma coisa do que pôr fermento na massa. Quanto mais se evita, maior o incômodo fica. Ser padeiro das emoções é ajudar a encarar o miolo que fica debaixo da casca e ajudar a compreender como ele funciona. Ser padeiro das emoções é ensinar a conviver com a farinha branca que te assombra.
Ser padeiro das emoções é ajudar a entender que o desânimo pode ser resultante das tentativas frustradas, mas que não existe outro caminho a não ser tentar outra vez. Ser padeiro das emoções é desengasgar o outro de uma culpa, é retirar uma parte dos fardos de farinha de trigo que alguém depositou sobre os próprios ombros. Ser padeiro das emoções é ajudar a conter a ansiedade antecipatória ou ajudar a gastá-la em algo mais produtivo.
Ser padeiro das emoções não é ficar dando ouvidos para a lamentação, mas ajudar a remover do caminho os sentimentos que paralisam. O medo é um deles. Quantas atitudes são contidas pelo medo de errar, pelo medo de perder, pelo medo de assumir novas responsabilidades e pelo medo de arriscar? Ser padeiro das emoções é encorajar e incentivar. Ser padeiro das emoções é dar um empurrãozinho para que a pessoa caminhe com seus próprios pés.
Ser padeiro das emoções é ouvir mais e falar menos. Ser padeiro das emoções é observar e entender o comportamento, para depois mostrar para a pessoa como ela reage e como ela age. E ter o cuidado de fazer isso na hora certa e de uma forma que não seja destrutiva.
Ser padeiro das emoções é compartilhar o que alimenta. É multiplicar palavras de encorajamento, resgatar as esperanças adormecidas e reconhecer capacidades que se destacam.
Ser padeiro das emoções é não ser pão duro na hora de oferecer coisas boas aos outros. Ser padeiro das emoções é passar o dia dando toques finais que farão a diferença para que a experiência do outro seja melhor.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Ser padeiro das emoções não é apenas uma escolha, é mais do que isso.  Ser padeiro das emoções é uma missão.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 28/05/2016, Edição Nº 1409.

sábado, 14 de maio de 2016

As Pessoas Que Nascem Com Rugas

Arte de Weberson Santiago



Tem pessoas que nascem com rugas. Algumas nascem com pautas na testa. Umas nascem com aspas marcadas entre as sobrancelhas. Outras nascem com raízes que se ramificam do canto dos olhos. Tem aquelas que nascem totalmente enrugadas como um filhote de Shar-Pei. Mas diferente dos filhotes de Shar-Pei, as pessoas que nascem com rugas não são nada fofas.
As pessoas que nascem com rugas são aquelas que parecem que são mal-humoradas antes mesmo de sair do ventre da mãe. Quando entramos em contato com uma, temos a sensação de que ela nasceu berrando com o choro estrindente antes mesmo de levar o tapa na bunda como se a culpa de ter que sair do útero da mãe fosse do médico.
A pessoa que nasce com rugas não ficou amarga com as agruras da vida. Ela não tem o álibi da velhice, não ficou assim por conta das suas perdas.
A pessoa que nasce com rugas, não precisa de motivo, não precisa de contexto, não precisa de condição. Ela é mal-humorada a priori. A situação só serve para ela botar a agressividade para fora.
A pessoa que nasce com rugas acha a vida um fardo e desconsidera a necessidade dos outros. Aliás, dependendo do tamanho da ruga, desconsidera o outro inteiro. Preferiria que o outro não existisse. Dependendo da quantidade de rugas, pensa que o outro só existe para atrapalhá-lo.
A pessoa que nasce com rugas não agradece o céu azul e o dia ensolarado, porque vai suar. A pessoa que nasce com rugas não enxerga a chuva como uma benção nem após a longa estiagem, pois a chuva molhará os seus sapatos e lhe fará carregar o guarda-chuva.
A pessoa que nasce com rugas não fala bom dia, não dá boa tarde e nem deseja boa noite.
Infelizmente ainda não inventaram uma cirurgia plástica para estas rugas que eu estou falando. E o pior: às vezes as rugas da pessoa que nasce com rugas são invisíveis. Ficam escondidas por detrás de uma máscara de pele lisinha e de um sorriso de Mona Lisa. Você só vai descobrir que é uma pessoa que nasceu com rugas depois de se aproximar e tomar um choque.
Eu já me enchi de esperança de que as situações da vida consertassem as pessoas que nascem com rugas. Imaginava cá com os meus botões: “depois de ter passado por isso, agora a pessoa muda”. E nada.
A esperança era minha, quem aprendeu a lição foi eu. Eu bem que queria falar: “Olha o que a vida está te ensinando! Preste atenção, reveja seus comportamentos...”. Mas quem disse que a pessoa que nasceu com rugas me dá o espaço para lhe mostrar?
As pessoas que nascem com rugas parecem um pouco cegas e um pouco surdas. Um pouco porque quando é para benefício próprio, elas enxergam e escutam muito bem. Quem nasce com rugas é liso.
Ruga boa não é essa de nascença. Ruga boa é aquela que vai se desenhando com o passar dos anos, como cicatrizes de quem vive e aprende as lições da vida. Ruga boa é aquela que a gente vê aparecer junto com uma careca, mas que não apareceu porque rejeita-se a si mesmo pela falta de cabelos. Ruga boa é aquela que vai sulcando a pele conforme os cabelos necessitem ser tingidos de tempos em tempos para cobrir os cabelos brancos, enquanto se aceita os efeitos de ficar velho sem perder o sorriso. Ruga boa é a que te convida para desvendar a história de vida que teve como consequência aquela marca.
A ruga de quem vive a vida com hombridade atrai. A ruga de quem nasceu para deixar marcas tristes nos outros espanta.
UM CAFÉ E A CONTA!
| As suas rugas atraem ou espantam?

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 14/05/2016, Edição Nº 1407.