sábado, 31 de março de 2012

20 Coisas Que Não Me Avisaram

Arte de Weberson Santiago



Existem coisas que ninguém fala pra gente e temos de descobrir na prática. O problema é que demoramos para chegar a uma conclusão que, falada, certamente simplificaria nossa caminhada. Faço uma lista das coisas que descobri e que gostaria que tivessem me avisado.

Não me avisaram que os dias quentes não justificam a moleza [1]. Nunca fui avisado que a segunda-feira é um dia de adaptação [2]. Não me contaram que demoramos uma semana para se acostumar com o tempo livre das férias e que começamos a sofrer uma semana antes de retornar as atividades [3]. Nunca me disseram que férias só existem na infância, certamente teria aproveitado mais [4].

Se alguém tivesse me dito que o casamento deve combinar os três sentimentos, tudo seria mais fácil. Uma grande dose de amor com pitadas de paixão e amizade [5]. Se tivessem me avisado que o amor é menos explosivo que a paixão e que o amor é menos morno e seguro do que a amizade, talvez não tivesse tido tanta dificuldade nessa questão [6]. Se alguém tivesse me dito que eu passaria o resto da vida tentando equilibrar o amor, a paixão e a amizade, mais fácil seria encontrar o sentimento de felicidade [7].

Alguém se esqueceu de me avisar que promessa não é dívida, é compromisso [8]. Faltou dizer que é mais difícil cumprir o que prometemos a nós mesmos do que aquilo que firmamos com os outros [9]. E que comprometimento  verdadeiro são as ações que promovem o bem da maioria das pessoas. Não me avisaram que ser justo na conduta é o mesmo que ser protegido pela sua própria ação [10].

Ninguém me falou que o melhor amigo do homem não deveria ser o cachorro, mas sim o próprio homem [11]. Me disseram que sem atrevimento não é possível conquistar as coisas na vida, mas não me informaram que quando a ousadia for na hora errada, o resultado é o contrário do que se queria [12].  Tive de descobrir que uma atitude correta no contexto inadequado só pode trazer um resultado inesperado [13].

Esqueceram de me avisar que um dos desafios da vida é construir uma ponte entre o agir e o pensar, de forma que se estabeleça uma coerência [14]. Por não ter sido avisado, tive de superar o conflito entre o que eu penso e o que eu faço.

Não fui avisado que focinho de porco não é tomada e pensei que o aparelho estava quebrado, que faltava a energia e até que eu era azarado [15]. Não me preveniram que cada escolha tem suas consequências e que, feita a escolha, as outras opções devem ser deixadas de lado, esquecidas, ignoradas [16]. Nunca me disseram que a gente se acostuma com o que é ruim, que a gente se sujeita a situações humilhantes para manter o pouco daquilo com que nos apegamos [17].

Não fui conhecedor de que brincar com as palavras pode seria perigoso, mas precisei aprender a usá-las para me defender [18].

Ninguém me fez ciente que mataría boa parte do meus problemas se trabalhasse mais a aceitação e o comprometimento [19].

Nunca me ensinaram que amor não se exige, se dá. E que uma vez dado, não há como pedir de volta [20].

 UM CAFÉ E A CONTA!
| O que não me avisaram, eu tive que aprender na prática, experimentando.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, Caderno Dois, p. 5, 31/03/2012, Edição Nº 1193.



sábado, 24 de março de 2012

Educar é Desaprender

Arte de Werberson Santiago




Educar uma criança sempre é um desafio. Precisamos dedicar tempo para ensinar, corrigir, mostrar como se faz, explicar o que não se deve fazer na esperança que a lição seja entendida e que o comportamento futuro seja adequado.

A Anelise é uma criança que conquista facilmente a simpatia de quem a conhece. Sua espontaneidade é envolvente, suas percepções contadas são interessantes para uma menina de quatro anos. Apesar de não passar indiferente em qualquer ambiente, andei preocupado com o fato dela fugir de cumprimentar as pessoas quando nós chegamos em algum lugar.

Preocupado com a questão, resolvi recorrer a minha tia Egle. Me lembrava que ela usava um procedimento interessante quando a minha prima Ana Helena era criança. Ela se destacava por cumprimentar todas as pessoas quando chegava em um aniversário ou reunião de família. Sabia que a minha tia teria o passo a passo para que eu pudesse ensinar este novo comportamento à pequena.

Como eu já desconfiava, ela me disse que o maior erro é forçar a aproximação, empurrar a criança para beijar o parente. Forçar a aproximação pode incitar aquele comportamento de esconder atrás do pai ou da mãe, de grudar na perna feito um macaquinho. Ela explicou que adultos estranhos, mesmo que em meio a conhecidos, parecem ameaçadores para a criança. Pode ser pior coagir do que não cumprimentar. Quando se obriga, corre-se o risco dela explicar porque não quer dar um beijo na tia Cacilda e gerar aquele tipo de constrangimento:

— Vai, Anelise, dá um beijo na tia Cacilda!

— Eu não quero, ela tem bigode e parece uma bruxa...

O procedimento bem sucedido da tia Egle começava dentro de casa. Ela explicava pra Ana Helena aonde eles iriam e quem estaria lá. Especificava os convidados da festa, citava seus nomes e dizia que teria mais algumas pessoas que ela não conhecia, mas que eram amigos dos conhecidos. No percurso de carro, relembrava a Ana Helena de cumprimentar cada um dos presentes porque eles ficariam felizes com a sua educação.

A Natália e eu registramos todos os detalhes e colocamos o plano em prática. E não é que funcionou? A Anelise deixou de se retrair e passou a saudar as pessoas quando chegamos nalgum lugar. Animado, voltei para contar o resultado para minha tia.

Ela ficou satisfeita com os primeiros passos, mas, como boa professora, resolveu contar o que aconteceu em uma determinada ocasião. Sua família chegava a uma festa acompanhada dos meus avós. Na porta da casa estava sentado um morador de rua conhecido na cidade. Minha prima Ana Helena não hesitou em pôr em prática o costume de sempre. Deu a mão ao pedinte para lhe cumprimentar. Minha avó já queria interceder e impedir o contato quando minha tia pediu que ela deixasse. E a Ana Helena tascou um beijo no rosto do mendigo.

Ela disse que deixou para me contar esta parte de sua experiência depois que eu acreditasse e testasse a técnica que ela me ensinou, pois só assim ela poderia funcionar. A segunda parte da lição consistia em entender que eu não deveria desdizer uma regra que eu mesmo criara, mesmo numa situação difícil como aquela que aconteceu com a minha prima. “Foi só levar ela pra lavar a mão depois”, contou.

Para educar é preciso ser coerente naquilo que anunciamos e naquilo que fazemos. A criança não aceita exceções que partam do adulto que a ensinou como deve fazer. Ao descumprir a regra, jogamos fora todo o esforço de proporcionar a aprendizagem.

É quando a gente acha que está ensinando que descobrimos quem tomou a lição. Educar é desaprender o que a gente acha que sabe para ensinar o que a gente ainda não aprendeu.


 UM CAFÉ E A CONTA!
| Desaprender é tão importante quanto estar disposto aprender. Há quem passe uma vida achando que sabe.

sábado, 17 de março de 2012

O Noivado

Arte de Weberson Santiago



O noivado é a ocasião ou festa que estabelece o COMPROMISSO de matrimônio de um homem com uma mulher. Simples na definição, deliciosamente complicado na prática.

No final do ano passado decidi que ficaria noivo da Natália. Decidi por nós dois. Queria fazer uma surpresa para ela e correr o risco da resposta ser uma surpresa para mim. Não temia o não. Talvez tivesse um pouco de medo do sim e do que aconteceria depois dele, mas mesmo assim juntei a grana e fui a uma joalheria escolher o par de elos.

A escolha não foi simples. Era preciso escolher uma que a agradasse. Aí que começou o problema. Eu gostei de uma mais fina, de sua singela discrição, mas tive a certeza que ela gostaria de uma bem larga. Pra mulher, a largura da aliança é proporcional ao tamanho do sentimento. Eu não sou pão duro para as coisas que são importantes. Não foi por ser mais barata que gostei da aliança mais fina, mas imediatamente pensei no gosto dela e escolhi pelo gosto dela.

Para a mulher, ficar noiva é como comprar o ingresso do show da sua banda preferida. É saber que um dia você estará cara a cara com seu sonho, embora o palco seja o altar da igreja e no lugar do vocalista se encontra o padre. O anel é a promessa de sua validação como mulher perfeita e realizada, que de tão perfeita foi escolhida.

A mulher encara o aro como espiral e não se importa com as voltas que a relação vai dar desde que termine no altar. Depois de aceitar o pedido, gosta de exibir a aliança como se tivesse ganhado na loteria. Estica o braço para a mão chegar na frente. Torce para uma luz qualquer reluzir o ouro e ofuscar a vista das outras mulheres.

Quando o tíquete saiu da máquina de cartão e a dona da loja me deu a sacola com o par de alianças, eu tremi. Senti um frio na barriga, as pernas trêmulas. Ela se agaixou e pegou uma garrafa de vinho, um presente de fim de ano da loja, e precisou repetir para que eu pegasse  a garrafa tamanho o meu estado de congelamento. Grandes passos são acompanhados de fortes emoções.

Nervoso mesmo eu fiquei no dia. Escolhi o dia de Natal, o almoço em família. Meu único parceiro do segredo foi o meu avô. Uma semana antes disse que havia escolhido o Natal para meu noivado. Ele ficou contente e contou: “eu e a sua avó ficamos noivos em um dia de Natal”. Quem ficou satisfeito fui eu, como se a data escolhida fizesse mais sentido depois desta co-incidência de datas.

No dia fatídico, eu não cabia mais em mim. Queria que chegasse logo o grande momento. Haviamos planejado o brinde depois do almoço como a grande hora, até que aconteceu o imprevisto. Dividíamos uma poltrona, quando a Natália apoiou o copo na minha perna e percebeu a caixinha quadrada no bolso. “Você não vai fazer isso, vai?”, disse. “Vou sim”, respodi.

Mas aqui, na frente de todo mundo?

— Sim, daqui a pouco, na frente de todo mundo.

— Me trás alguma coisa para beber? – pediu ofegante.

— Não, vai ser sem beber nada!

Antecipei o pedido para antes do almoço, com medo de não conseguir comer todas aquelas comidas gostosas caso o noivado ficasse para a sobremesa. Peguei todos de surpresa, menos aquela que deveria ser surpreendida, mas mesmo assim foi romântico e inesquecível.

Olho para o aro brilhante e espelhado e vejo meu reflexo na superfície abaulada. A minha aliança é como um espelho que carrego no dedo. Sendo o símbolo de uma parceria que deve ficar mais sólida a cada dia até chegar no casamento, percebo que a aliança representa muito bem o dia a dia da relação.

Tem dia em que ela está brilhante, tem dias em que ela está embaçada. Às vezes ela fica larga no dedo, tem horas que ela fica justa e aperta. E ainda sim, a aliança é envolvente, me preserva contido em seu interior. Percebi que ando gesticulando com um certo orgulho a mais. Costumo falar muito com as mãos e ando fazendo joinha para exibir a aliança, apontando com o dedo indicador para sugerir qualquer coisa só pra me lembrar do meu COMPROMISSO. Aquele em que eu escolho estar comprometido a cada dia.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Se o COMPROMISSO é simples na definição e complicado no cotidiano, a opção é pela complicação de simplificar a vida a dois.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, Caderno Dois, p. 5, 17/03/2012, Edição Nº 1191.

quarta-feira, 14 de março de 2012

A Rotina é a Oportunidade de se Reinventar no Relacionamento

Arte de Weberson Santiago





Na convivência eu sou um chato. Em se tratando de mania, vivo na prática da substituição. Conforme esqueço de alguma, arrumo uma mania nova. Sofre quem convive comigo, quem divide o espaço na mesma casa. Que o diga a Natália.

Basta falar o cômodo que eu descrevo o que me aborrece. No banheiro, eu implico com os restos de sabonete que se acumulam na saboneteira. Não aguento ver os pedaços coloridos formando uma pilha, ainda que jogar fora me custe um pequeno desperdício. Enquanto eu elimino o resto do sabonete anti bactericida para abrir um novo, a Natália coleciona os restinhos do sabonete hidratante.

Ainda neste cômodo, me atenho a coleção de embalagens na prateleira do chuveiro. Uma coleção de shampoos e condicionadores fazendo volume com apenas um restinho, de maneira que, ao pegar um, o último da fila cai no chão. Mesmo incomodado com o cai-pega, não jogo fora. Vai que a Natália está guardando a sobra para uma ocasião especial.

Juntando meia dúzia de manias como essas, resolvi conversar com a Natália sobre como dividimos o espaço e como cuidamos de algumas coisas da casa. Ela ouviu tudo com atenção, acolheu a crítica. Não colocou qualquer objeção e não devolveu nenhuma reclamação.

Foi quando eu me esqueci de ter advogado a favor de minhas manias que eu percebi o que eu havia feito. No fim de semana seguinte, assisti de camarote a revolução. Ela registrou todas as reclamações e, sem falar nada, mudou de atitude. Passou a cuidar de nossa casa com mais atenção, a fazer na hora o que poderia deixar para depois e fez muita coisa além das minhas queixas.

Além de recolher os sabonetes no fim e jogar fora os vidros vazios de shampoo, deixou todas as tarefas da faxineira numa lista e ainda conseguiu aproveitar o tempo livre que sobrou na piscina depois de ajeitar toda a roupa.

No domingo, pulou da cama às sete e meia da manhã e foi direto para a cozinha. Queria fazer um bolo de chocolate e fechar com chave de ouro o super desempenho no lar. Era sua terceira tentativa. A receita mais uma vez não deu certo. Foi sua terceira frustração. A primeira experiência foi tentar repetir o sucesso do bolo de coco da adolescência, mas descobriu que a receita só funciona no forno da sua mãe. O bolo de banana foi batido na mão com todo o cuidado, mas ficou solado. O de chocolate foi sua terceira decepção.

Quando venci a preguiça, levantei e sentei na mesa posta do café diante da metade do mamão. Apesar de ter choramingado o fracasso do bolo enquanto tomávamos café, logo depois estava preparando aquele almoço, usando tudo que estava sobrando na geladeira. A única coisa que ela falou ao final do dia foi que quer aproveitar mais os finais de semana.

É impressionante como nós, homens, temos a dificuldade de cuidar de mais de uma coisa por vez. Quando eu propus discutir a relação com a Natália, só conseguia falar pelas minhas manias. Desconsiderava todo o resto e não conseguia olhar as razões dela para algumas displicências. As mulheres não. Elas são capazes de administrar várias coisas ao mesmo tempo, com muito menos aborrecimento, sem distribuir patadas. Enquanto eu me gabo por fazer duas coisas ao mesmo tempo, ela faz pelo menos três. Ao invés de se afobar e tomar atitudes intempestivas, sabe esperar a hora de mostrar o que ela pensa.

Para mim, ou melhor, para nós o relacionamento é a oportunidade de se reinventar. De deixar de lado uma mania para tentar vencer um limite que ficou escancarado pela relação, de fazer o conflito virar adaptação, de esquecer o que já foi, se for para começar de novo a fazer as coisas de sempre de uma maneira diferente. Eu vi que preciso esquecer das manias e lembrar dos nossos finais de semana.

Minha homenagem pelo dia da mulher foi baseado naquilo que ela é melhor para a minha vida: a mulher que sabe muito bem ocupar a nossa casa. Não é uma afronta presentear a mulher com um utensílio doméstico se o homem é capaz de perceber do que ela é capaz no malabarismo feminino dentro de uma casa.

Comprei uma forma de bolo nova para lhe dar de presente neste dia. E às sete da manhã do próximo domingo eu estarei de pé para repetir, com ela, a receita do bolo. E faço questão de repetir até que dê certo.


 UM CAFÉ E A CONTA!
| O conflito é o fermento deste bolo chamado relacionamento. Se bem aproveitado, a relação cresce.

Eis que no domingo seguinte o bolo saiu. Feito a 6 mãos.





domingo, 4 de março de 2012

Cafezinho com Amor

Arte de Weberson Santiago



Angela e Rubens se casaram muito jovens e tiveram três filhos, duas mulheres e um homem, que lhes deram 7 netos. Foram casados por 54 anos, quando Seu Rubens veio a falecer. Teve um infarto seguido de complicações, faleceu dois dias depois de ser internado.

Eu conheci Dona Angela no balcão da padaria. Todas as manhãs nos encontravamos, quando ela tomava um café e comia um mini pão francês com manteiga. A interação é inevitável quando a repetição do encontro promove a convivência. Era minha parceira de guardanapo. Sempre que eu apontava na porta da padaria, Dona Angela mudava a caixinha preta de lugar. Era seu convite para sentar ao seu lado no balcão.

Dona Angela me contou que desde o dia seguinte de sua festa de casamento, Seu Rubens adquiriu o hábito de levantar com os primeiros raios de sol e passar o café. A primeira xícara que saía do coador era dela. Ele levava até a cama e acordava a amada. O café era o bom dia de Rubens para Angela.

No amor, o hábito vira obrigação. Nos 54 anos em que estiveram casados, era assim que funcionava. Quando viajavam, se eram hóspedes de um hotel, ele descia até a sala do café da manhã e subia com a xícara cheia e fumegante. Em um fim de semana no litoral com um dos filhos e os netos, ainda assim ele cumpria seu ritual. Sua primeira providência no novo lugar era descobrir o coador e o pó de café. Contrariando a medicina, acordar com uma dose de café não termina em gastrite. A explicação não é nada científica: nessa xícara eram adicionadas três colheres de chá de amor.

Ela nunca recusou, nem quando estava sem vontade. O gesto de amor não pode ser rejeitado, qualquer espécie de carinho não merece negativas, ainda que seja inconveniente.  “Algumas vezes eu acompanhava os famíliares na cerveja até as duas da manhã, enquanto ele se deitava quando o relógio marcava dez da noite. Às seis horas, mesmo com a ressaca e como hóspedes na casa da nossa filha, ele me levava o café na cama”, confessou.

Quando Angela perdeu Rubens, não sabia fazer café, mas não se abateu. Elegeu a padaria para lhe fornecer o mimo de todas as manhãs. Preferia lembrar, na padaria, da imagem do despertar com o café e o chamado carinhoso do marido, a esperar que isso acontecesse na cama depois da imposição de sua ausência. A contrapartida para o amor que recebera todos os dias era conservar a disposição.

A história de Dona Angela me fez lembrar um hábito de minha avó. Ao passar o café de manhã, assim que enchia o suporte de plástico do coador de papel com água fervente, levantava o coador e enchia uma xícara esmaltada amarela. Servia o primeiro café para São Benedito. Quando criança, questionei o café do santo, mas fui severamente repreendido e obrigado a retirar a xícara da frente da imagem quando o santo estava satisfeito (o que se dava perto da hora do almoço).

Minha avó não está mais entre nós e talvez até se encontre no mesmo lugar que Seu Rubens. Juntos estão passando café pro São Benedito. Minha surpresa foi perceber, dias destes, que seu hábito foi preservado pela sua cozinheira. Ela faz a comida de meu avô e todas as manhãs serve o café do São Benedito.

Permeando as atitudes de Seu Rubens e de minha avó está a subserviência. O cuidado em servir, em fazer por alguém. Eles não foram obrigados a coar o café sob pena de alguma consequência grave, mas escolheram fazer assim. A atitude com amor é sensível à vontade alheia. É uma submissão voluntária que se torna uma obrigação a partir de uma iniciativa. Não existe fidelidade mais bonita do que a escondida por detrás de um hábito.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Coador. Coa a dor. Com fé. Café. 
  Café e coador. Cafezinho com Amor.