segunda-feira, 29 de junho de 2009

A Circunstância

Ela não tem vergonha de ser dramática. Qualquer situação é espicaçante o suficiente para que ela resolva da forma mais trágica. Certa vez, durante seu doutorado conheceu um rapaz de bom papo. Depois de algumas conversas, resolveram marcar um encontro fora do ambiente acadêmico. Tudo foi inicialmente combinado, faltando apenas uma ligação dele, que não aconteceu. Motivo para a discussão que segue.

Ele começa a com “Minha querida amiga” e ela responde “Ainda não me considero sua amiga”. Ele segue com “desde que estreitamos nosso vinculo” e ela questiona “quando fizemos isto mesmo?”. Ele diz “eu vivo fisicamente sozinho, não tenho amigos ao meu redor... e sei o que você está falando, mas me acostumei com a solidão...” e ela elabora “eu realmente vivo sozinha fisicamente, mas os poucos amigos que tenho são verdadeiros e a distância que tenho deles (aqui em São Paulo moram quatro e o resto mora em Minas Gerais) não me impede de pensar que estão ao meu redor, pois sempre que preciso deles, eles vêm até mim.”

Quando ele justifica “ontem não foi propositadamente”, ela “eu não disse que foi, mas talvez não tenha entendido, eu liguei no sábado e você ficou de ligar no domingo”. Ele tenta apaziguar “não veja minhas mancadas com os encontros como uma falha de caráter ou uma desconsideração com você” e ela encerra “como eu vejo, realmente não importa”. Ele pede “por favor, vamos conversar e desfazer esse mal entendido” e ela responde “para mim não tem mal entendido nenhum. Aliás entendi muito bem”.

“Vamos dar um jeito de reparar esse equivoco”, pede ele. “Não há equívoco algum Fernando, pelo menos para mim”. Ele insiste: “Dê-me essa chance, vou me encaixar na sua agenda, apenas me dê as coordenadas”. Ela: “Chance de quê? Acho que não precisa dispensar seu precioso tempo comigo”. Ele termina com “seria uma honra te receber em casa!” e ela despeja:

“Falando especificamente de nós, NA e COM a relação que iniciamos a construção, não tenho mais DESEJO de lhe encontrar. Isto se explica por questões internas minhas, é claro, mas também pelo que infelizmente nos ocorreu. Quando você disse ‘pode ser no final da tarde se quiser, fico no seu aguardo”, talvez você não tenha percebido a sutileza, mas FICO NO SEU AGUARDO é um dos seus problemas. Para finalizar só vou explicar por que não respondi antes, o meu silêncio até hoje.

De quinta para sexta eu adquiri uma gripe alérgica provocada por um produto de limpeza novo que comprei para limpar a casa para receber um suposto amigo que iria me ver, sabe. Optimum para pisos de madeira. O troço desencadeou uma alergia imensa em mim, e de sexta para sábado mal dormi com o nariz entupido. No sábado me levantei arrastando até o banheiro para tomar um banho, pois tinha compromisso de manhã e com
muito custo ainda lavei meu cabelo, lixei minhas unhas e me depilei. Afinal eu tinha um almoço com um amigo mineiro e à tarde iria te encontrar.

A idéia era ainda chegar em casa depois do almoço, transcrever minha entrevista da tese, fazer uma prancha no cabelo para ir lhe encontrar ao menos apresentável. Se tivesse prestado um pouco de atenção quando te liguei no sábado perceberia minha voz fanha. Claro que mesmo eu doente eu não iria desmarcar o encontro com você, para não furar um compromisso que para mim só é furado em casos extremos. De sábado para domingo, a rinite piorou muito, pois o tempo esfriou mais, e acordei sem ao menos conseguir levantar da cama. Quando lhe escrevi brevemente: me liga a cobrar, estou em casa o dia todo - eu estava na cama com o laptop em cima dos joelhos.

Lá pelas 15h00min horas do domingo, meu amigo de Belo Horizonte, que agora mora aqui, ligou para saber como eu estava. Ele ainda não tem número aqui de São Paulo, ou seja, fez uma ligação interurbana para saber se eu tinha melhorado da rinite. Eu disse que tava na cama. Ele saiu lá de Pinheiros onde mora, foi até a minha casa e me arrastou para almoçar dizendo que eu precisava comer, senão iria piorar. Me levou arrastada até o shopping e depois me deixou de volta em casa com mil recomendações, pois eu só queria deitar. Durante este mesmo domingo recebi mais 3 ligações – Francisco, Marcos e Luciana –querendo saber se eu precisava de alguma coisa, se queria ir no médico, etc.

À noite quando eu abri meu e-mail de novo, eu nem esperava um e-mail seu, já que não havia ligado e tudo e tal. Eu respondi para você ainda na cama, com laptop nos joelhos. E desculpe se teve o tom de desabafo, mas realmente ando cansada dos paulistas. Fiquei deitada a tarde toda com o corpo desfalecido. Só hoje, agora, às 11h32min da terça feira eu pude abrir meu e-mail e ver o que escreveu. Assim, colega, caso tenha percebido, se não estivesse aí até agora esperando eu te ligar, teria visto que eu estou doente e até fiz um esforço descomunal para manter nosso encontro. Ou mesmo ficar aqui lhe escrevendo. Mas sério: não vale a pena mesmo. Esquece tudo isto, esquece que algum dia nos conhecemos, me esquece e se a gente se cruzar na Universidade ou em qualquer outro lugar não vou lhe tratar com indiferença: sou educada, vou fingir que nada ocorreu e tudo segue como antes, ok? Espero que entenda.”

O que um Optimum não faz.

A.A.N.

Março/ 2009

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Registro de Pensamentos

Porventura descobriu quando criança que ler era uma boa atividade a se dedicar. Lia muito. E passou a escrever. Suas redações chamadas "Meu final de semana" se destacavam no grupo da primeira série. Seus textos no colegial agradavam os professores. Boas pontuações nos vestibulares o fizeram ingressar na graduação aos dezessete anos em uma universidade tradicional.
De modo algum passou desapercebido pelos professores da faculdade. Trabalhos eram levados a sério e sempre lhe mobilizavam demais. E os alunos aguardavam algo muito bem preparado, amparado pelo uso de recursos audiovisuais. Nos seus seminários, os outros setenta alunos atentavam as suas palavras.
Assaz terminada a graduação partiu para o mestrado em outra universidade. Consultou algumas dezenas de autores para escrever, tardes de trabalho árduo, madrugadas na escrivaninha redigindo seus argumentos em companhia da luminária acesa. Isolado do mundo, produziu conhecimentos e dialogou com seu orientador.Agora cursa o doutorado em renomada universidade pública. Em seus mergulhos no mundo da reflexão, cada vez mais frequentes, sentiu vontade de registrar seus pensamentos. Olhou para as paredes e não exitou: pegou o lápis e transcreveu seus pensamentos, digressões, dúvidas e sínteses. O que começa com um pequeno pedaço escrito, passa a crescer nas paredes, de uma para outra. Escritos e desenhos vão tomando conta do espaço no apartamento.

domingo, 14 de junho de 2009

Politicamente, Economicamente e Correto

Não. Não quero falar sobre isso. Qual a razão para falar sobre qualquer um destes assuntos? Porque andam sendo repetidos à exaustão? Mas se eu for dizer quais são, não daria a mesma evidência dos que discorrem como se fossem especialistas? Vou correr o risco.

Começo com uma das mais repetidas: a crise. Existem ditos que de tanto repetidos, se tornam verdade indiscutível. Essa crise tem uma boa dose de falácia. Mesmo nós brasileiros, que na década de 1990 entupimos nossas casas de objetos fosforescentes, imitando os americanos, acreditávamos que essa hegemonia político-econômica seria eterna? Duvido. Não quero discutir aqui o episódio que marca o fim de uma era na história das organizações mundiais: a falência da montadora de carros. Episódio emblemático para os americanos, que vêem sua fábrica de liberdade falindo e a situação econômica não permitindo o consumo desenfreado ou financiamentos sem fim. Mas isso é uma questão deles, para com eles mesmos. Obviamente, em uma economia mundial dita aberta, há repercussão no nosso país, mas não o suficiente para tamanho estardalhaço ou alarme populacional. Quando as pessoas vão entender que economia totalmente estável é utopia e seria um assassinato a criatividade?

Para rechear a lista: gripe suína. Sim, pois não adianta substituir o “suína” do nome por algumas letras e números que ela já é responsabilidade do pobre porco, que nunca foi bem visto por rolar na lama e não se importar com o mal cheiro, agora vê seu nome ligado a essa tal gripe. Alguém pode me dizer qual a razão para divulgarem tanto o alastre da “nova doença”? Eu lá tenho cara de sanitarista ou de criador de vacinas? Afinal, o que pode fazer um brasileiro qualquer nessa história? Nada! Mas, cá entre nós, não é de se estranhar este comportamento jornalístico que também costuma evidenciar os desabrigados das enchentes do Sul e fingir que isso não aconteceu no Norte/Nordeste. Aliás, apenas com esse bombardeamento desnecessário que político vira dono de loja de roupas a R$ 1,99, desviadas das doações de outras regiões para o pessoal “lá de baixo”, enquanto os “lá de cima” esperam ajuda.

Para fechar um assunto recente delicado: o embate entre professores, estudantes e funcionários e a Polícia Militar na Universidade de São Paulo. Dois lados dessa história. De um, estudantes com direitos e deveres nem sempre cumpridos, com asco da situação envolvendo guardas armadas e cidadãos, resquício da tenebrosa ditadura militar. De outro, a Universidade e seu jogo político, inerente a qualquer instituição, que por resquícios da era catedrática recorre ao autoritarismo ao invés de exercer apenas sua autoridade. O que me cansa nessa história é, como pós-graduando desta Universidade, ter que assistir aos discursos equivocados de colegas, que não se contentam em encher as listas de e-mail com suas opiniões, mas que acabam discordando entre si, desdobrando ainda mais a história e saindo do foco principal. Tudo isso é realmente preciso? Não. Mas vai pedir para deixar de receber os benditos e-mails: aí a discussão vai pro lado da alienação dos alunos com relação a questões importantes e a repressão deixa de ser da polícia e passa a ser interna, dos próprios colegas.

Depois de expor tais argumentos, preciso dizer que ser politicamente correto é chato. Sou a favor do respeito, individual ou coletivo.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Paulista com Consolação

Saio do hotel para o Belas Artes em busca de um folheto com a programação dos filmes, pouco depois das dezoito horas e para isso sigo dois prédios à esquerda, na esquina da Paulista com a Consolação. Pego o folheto, saio do cinema e encontro um jovem de prováveis vinte e cinco anos, toca amarela surrada e roupas pretas encardidas. Sua expressão amistosa me faz recorrer ao tradicional “muito frio?” – típico em conversas de elevador ou pra puxar assunto. Ele diz que o pior havia passado. A conversa prossegue e comento que o último lugar que eu gostaria de estar naquele momento seria num daqueles carros ligados, fechados e parados em seqüência. Ele se interessa pelo papo. Divido com ele um pensamento recorrente, que por sinal está virando lugar comum, sobre São Paulo estar saturada de gente, trânsito, carros, filas e aborrecimentos. “A vida aqui está muito complicada, você não acha?”. Ele responde: “Não, não é a cidade! Depois que inventaram esse negócio de depressão, de vício em bebida, de ter medo de tudo, é aí que a vida ficou difícil!”. Falo sobre a dificuldade que as pessoas têm de lidar com os demais e sobre como elas se assustam com uma aproximação de um desconhecido, como se fosse uma ameaça. Ele pergunta o que estou fazendo ali e digo que acompanhava alguns nadadores, todos hospedados na região. Pergunta se eu também nadava ou se era instrutor. Disse que era instrutor e ele pergunta onde era a piscina onde iríamos. Na Água Branca, respondi. Questiona se a água é quente. Aviso que é aquecida e a piscina coberta. “Olha, se tiver um lugar, me leva pra nadar com vocês na Água Branca?” – brinca – e diz: “Deve ser legal esses jovens, a conversa, você de instrutor”. “Se é!”, respondo. Pergunta se trabalho indo e voltando com diferentes grupos. Disse que acompanho só esse. Então me mostra a praça em frente ao desativado bar Riviera, entre a Consolação e o acesso a Doutor Arnaldo onde mora, como quem desse seu cartão de visita. Nos despedimos e volto pra equipe com a programação do cinema. Escolhemos assistir o Franco-Libanês Caramelo, que narra uma parte da vida de quatro mulheres que trabalham em um salão, mas antes fomos à tradicional pizzaria ao lado do Riviera. Para repor as energias despendidas na água, pedimos quatro pizzas gigantes. Todos satisfeitos e sobra mais de meia pizza. Imediatamente lembro do amigo, carrego a equipe e entregamos a pizza pra ele e para os demais moradores, que naquele momento estavam em roda com um pastor missionário que os confortava. Recebem com alegria e nos agradecem com um “Deus os abençoe!”. “Amém!”. Cinema e cama!

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Cícero

Desde o nascimento veio a chorar,

não pôde parar pois nascer fez a mãe partir,

saúde frágil, não resistiu a parir,

carregava a culpa como quem pudesse evitar.

 

O irmão mais velho o batizou

Cícero era seu nome

Homenagem ao padroeiro

“Cicinho” virou homem.

 

Nada dá certo, do que ele faz

O receio toma conta, não se deixa acanhar

Nem a vontade o apraz

E reclamam quando ele afunda no desencanto

Mas fazer o quê, senão recorrer ao pranto?

-oOo-

Abri espaço para estes versos que me ocorreram dia destes e que foram pro papel.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

L'uomo italiano

Inegável é a sua queda por homens italianos. Inclusive cruzou o oceano atlântico para o encontro de um grande amor, que não vingou. Muito eram os amigos daquele país e com a internet, a distância tornava-se curta. Para que avançasse para além da amizade, não bastava ser daquele país, obviamente. Outras características eram necessárias.

Certa vez conheceu um homem que era interessante: tinha um bom papo, era muito educado, se preocupava com ela, e além de tudo era escritor, inclusive com livros publicados. Parlato molto!

Conversa vai conversa vem, ele diz que mandará um livro seu para ela no Brasil. Grande expectativa para sua chegada, afinal, seria uma oportunidade de ver um pouco dele, bem de perto. Um dia chega a caixa com uma série de livros. Em um deles, de sua autoria, ele faz uma bela dedicatória:

“Alla mia adorata, splendita, meravigliosa e stupenda Paola,

Dedico tutto l'amore che io ho per lei e che è spresso in questi versi:

Prendi la mie mano

Ti porterò con me se vorrai

Sarò il tuo cuscino quando avrai sonno

La tua fontana quando avrai sete

La tua luce quando avrai paura del buio

Il tuo confidente quando lo vorrai

Il tuo sorriso quando sarai triste e piangerai

Sarò tutto e niente... ma sarò con te e per te, simplecemente me stesso, ma con un immenso amore da donarti! [1. Tradução no Rodapé]

Alonzo Lombardo

Spezzano Albanese – Itália

11/11/08”.

Como nem tudo é perfeito, foi na webcam que ela descobriu que sua aparência não era tão bela quanto seus versos, muito pelo contrário, ele muito lembrava o Corcunda de Notredame. Mas aquelas belas palavras ressoavam em seus pensamentos. Foi num jantar, após algumas taças de vinho que ela concluiu:

- Eu tento olhar a beleza interior dele, mas a exterior não deixa... 

_______________________

1. Tradução da Dedicatória:

Para minha adorada, esplêndida, maravilhosa e estupenda Paola,

Dedico todo amor que tenho por ela, e é expresso nestes versos:

Segura nas minhas mãos

Ti levarei comigo se você quiser

Serei o teu travesseiro sentir sono

A tua fonte quando sentir sede

A tua luz, quando tiver medo do escuro

O teu confidente, quando quiser

O teu sorriso quando estiver triste, com vontade de chorar

Serei tudo e nada... mas estarei com você e para você, simplesmente eu mesmo, mas com um imenso amor para te dar."