sábado, 19 de julho de 2014

O Que Ninguém Vê

Arte de Weberson Santiago


Onde eu vejo um problema, alguém vê a solução. E o outro enxerga o fim do mundo.
Onde eu vejo a amizade, alguém vê o interesse. E o outro vê que bons relacionamentos são uma via de mão dupla.
Onde alguém vê uma pequena divergência, eu vejo a semente do conflito. E o outro vê o início de uma negociação onde cada um precisará ceder um pouco.
No entardecer em que eu vejo a angústia, alguém vê a sensação de dever cumprido. E o outro vê que as pendências nunca chegam ao fim.
Onde eu vejo a fome, alguém vê a miséria. E o outro vê a possibilidade de dividir o que se tem.
Onde eu vejo a bagunça, alguém vê a possibilidade de encontrar tudo o que precisa. E o outro vê na desordem o efeito colateral da produtividade.
Onde eu vejo a dificuldade de um idoso, alguém vê com pena. E o outro vê a oportunidade de exercitar a gentileza.
Onde eu vejo um pássaro sentado no fio, o artista vê uma bela fotografia. E o músico enxerga uma partitura cheia de notas.
Onde eu vejo preguiça, alguém vê acomodação. E o outro vê a falta de alguém que reconheça e incentive.
Onde eu vejo o medo de decepcionar, alguém vê a vontade de agradar os outros. E o outro vê uma pontinha de coragem de deixar tudo isso de lado.
Onde eu vejo persistência, alguém vê teimosia. E o outro vê perda de tempo.
Onde alguém vê deficiência, eu vejo a necessidade de apoio. E o outro vê a superação das limitações no tempo em que a pessoa é capaz de se superar.
Onde eu vejo cem oportunidades, alguém se vê sem oportunidades. E enquanto um aproveita a oportunidade, o outro trava com tantas possibilidades.
O que eu vejo é o que eu me permito enxergar. O que alguém vê depende do que viam os modelos com os quais ele convivia. E o que o outro vê é o que a história de vida dele o ensinou a ver.
E no final, tudo se resume a um ponto de vista sobre algo que é possível ser visto sobre diversos pontos de vista.
UM CAFÉ E A CONTA!
| Se o ponto de vista é condicionado ao lugar de onde se vê, devemos exercitar a mudança de lugar para enxergar de outro ponto. E não é que a coisa muda?

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 19/07/2014, Edição Nº 1313.

sábado, 5 de julho de 2014

8 Tipos de Abraços

Arte de Weberson Santiago


Adoro o seu abraço de bom dia porque ele é um abraço de edredom. Aconchegante e quentinho. Seu efeito sobre meu corpo é como de uma xícara de café. Me esquenta e, ao mesmo tempo, me faz ficar animado para o que está por vir.
Ele é diferente do seu abraço de despedida quando eu saio para trabalhar. Você já tomou banho e está fresca como a brisa de uma manhã de outono. É sopro de inspiração que me leva embora e me faz ter vontade de que os ventos me tragam de volta aos seus braços.
Gosto quando me abraça de surpresa. Como quando eu estou trabalhando na escrivaninha e você chega enroscando seus braços pelo meu pescoço. A sensação é que vesti um cachecol. Quando seu cotovelo escorrega pela minha nuca me dá a sensação de estar numa massagem.
Não me esqueço do nosso abraço de quando estamos felizes. É um abraço romântico. Seus braços dão a volta em meu pescoço, enquanto meus braços envolvem a sua cintura. É um abraço de braçadeira, nos apertamos, cheios de vontade. De vez em quando rodopiamos. Em outras ocasiões seguimos o ritmo da música e arriscamos alguns passos, já que não tem ninguém olhando.
Tem aquele abraço que você me dá quando percebe que passei por alguma situação difícil e pesada. Você passa seus braços por debaixo dos meus e levanta seus antebraços. Faz um gesto como se pegasse meu desgaste no colo, como se embalasse e ninasse meu esgotamento para que ele acorde como disposição.
Também gosto do seu abraço de final de dia. Cansada das jornadas e dos afazeres, é um abraço de arrimo. Você solta seu corpo com seus braços sobre mim e deita sua cabeça de lado, encaixando sua nuca no meu pescoço. Como eu gosto de ser seu suporte, me sinto importante.
Existe também o abraço paralelo, em que nos encostamos dos pés às cabeças, selando o abraço com um beijo. É o único tipo de abraço que permite sentir a respiração. Esse me lembra do quanto nos completamos.
Tem um abraço de quando você está precisando ser consolada. Ele é facilitado pela nossa diferença de altura: nos abraçamos enquanto você coloca seu rosto de lado, encaixando-o debaixo do meu queixo. Você procura a sombra das minhas palavras, usa meu peito como travesseiro e aperta minhas costas. São dez segundos de conforto.
Mas se tem uma coisa que não tem nos seus abraços são os tapinhas nas costas. Não gosto de dar e receber abraços com tapinha nas costas. Fico imaginando que o tapinha é para distrair a atenção do abraço. Abraço com tapinha é aquele que não respeita o tempo do abraço. Começa-se o abraço querendo terminá-lo. Testei se seu abraço tinha ou não tapinha nas costas em nossos três primeiros encontros. Você foi aprovada e me presenteou com essa coleção de abraços nos nossos anos.
Percebi que nossos olhos sempre se fecham enquanto nos abraçamos. Seja qual for a posição na qual nos abraçamos ou o nosso estado emocional, o tempo que duram nossos abraços são como sonhos.

UM CAFÉ E A CONTA!
| Um único abraço pode conter vários gestos.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 05/07/2014, Edição Nº 1311.