sábado, 18 de fevereiro de 2017

O Atentado da Marmita

Fui levar meu carro para mais uma revisão na concessionária mais próxima, em Ribeirão Preto. Acompanhado da Natália e da Anelise, tínhamos um dia inteiro para passear com apenas um inconveniente: sem carro. Driblamos o inconveniente com ônibus e táxi.

Depois de tomar café na padaria, seguimos para o shopping e mais tarde fomos pra Bela Sicília, uma tradicional cantina italiana com preço bacana. Come-se os antepastos e saladas a vontade, escolhe-se qualquer uma massa do cardápio, que vem em porção generosa. A caçarola e os doces em calda estão incluídos em módicos R$29,90.

Empanzinados de tanto “mangia che te fa bene” e não satisfeitos em deixar o resto da massa para trás, mandamos embrulhar. Todo mundo queria comer o macarrão depois, mas ninguém queria carregar a marmita. A Anelise que tinha gostado do pãozinho fresco e comentou com o dono quando ele perguntou se ela tinha gostado da comida, ganhou três em um embrulho e já tinha o que carregar. Tiramos no palito e a Natália saiu perdendo.

E saímos nós, quase rolando, em direção ao shopping. Dez minutos de caminhada que pareceram trinta. Chegando lá, sugeri que procurássemos aqueles sofás para dar uma descansada. Gostaria de cumprimentar pessoalmente a pessoa que teve a ideia de por sofá no corredor do shopping. Haviam quatro poltronas, duas em cada extremidade do corredor. Esperamos vagar e a Natália e eu ficamos de lados opostos. A marmita de macarrão foi colocada em uma mesinha ao lado da poltrona que a Natália ocupava.

Começou a me bater um banzo de toda a comilança, quando vesti os óculos escuros e comecei a cochilar. Natália começou a sentir o frio do ar condicionado e pegou o lenço do pescoço e colocou na cabeça, como fazem as muçulmanas. Anelise não sossegava e reclamava do momento de descanso, queria passear, até que me acordou do cochilo. Devido à distância, comecei a conversar com a Natália pelo WhatsApp. Reclamei da interrupção do meu sono e propus brincar com a Ane. Nos levantaríamos sem falar nada e iríamos cada um pra um lado, para ver a reação da pequena, que reclamava que estávamos sentados. Após uma contagem regressiva, o fizemos. Anelise levantou e foi atrás da mãe. Eu dei a volta e as encontrei na porta da Tok&Stok.

Demoramos entre vinte e trintas minutos para percorrer o corredor da loja. Quando saímos, nos deparamos com uma cena surpreendente. Três seguranças haviam cercado a nossa  esquecida marmita de alumínio, embrulhada em papel jornal. O primeiro segurança que passou, estranhou o embrulho sem dono. Pelo rádio, pediu que a central de segurança olhasse nas gravações. De trás pra frente, viram que uma mulher de meia burca havia deixado o embrulho, levantado de repente e o deixado lá. Dois seguranças tinham sido deslocados para isolar a área, já que em tempos de atendados terroristas, a marmita poderia estar recheada de explosivos.

Anelise logo percebeu a confusão e não hesitou, furando o cerco de seguranças: “Mãe! Pai! Esquecemos nossa comida!”. “Isso é de vocês?”, perguntou um deles, talvez pensando que ela era uma desativadora de bombas em forma de marmita, especialmente treinada pelo FBI.

“É o resto do nosso almoço”, respondi, fazendo-o respirar aliviado.

Saindo da cantina e com essa cara de descendente de italiano, eu aceito ser confundido com mafioso, mas com terrorista, aí já é demais.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Se a inspiração do autor é o cotidiano, algumas passagens parecem coisa de cinema ou de novela.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 18/02/2017, Edição Nº 1447.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

O Chato, Com Ênfase no O

Arte de Weberson Santiago




Pensa num cara chato dentro de casa. Agora pensa num cara muito chato. O segundo sou eu. Um chato com pós-graduação. Passo boa parte do tempo pegando no pé da Natália e da Anelise.

Vivo fazendo brincadeiras, que elas chamam de sem graça, mas que eu adoro fazer assim mesmo. Respondo perguntas com duplo sentido para deixá-las em dúvida e faço graça inclusive quando deveríamos falar de coisa séria.

Não perco a oportunidade de fazer uma piada em qualquer situação. De vez em quando dou um susto, outras vezes cutuco na lateral da barriga, faço cocegas nos pés ou no pescoço.

Claro que eu intercalo as brincadeiras com abraços apertados de surpresa ou com alguma gentileza, senão seria insuportável. Mas parece que eu só sossego mesmo quando escuto aquele sonoro “nossa, como você é chato!”.

Deveria soar como ofensa, deveria servir como insulto, deveria ter o efeito de uma afronta. Mas para mim, ouvir “nossa, como você é chato!” é como ouvir uma música. Uma música das preferidas.

Minha resposta padrão é: “Sim, sou chato, mas sou um chato agradável!”. A tréplica costuma ser “Não, você não é chato, você é muito chato!”. Pronto, posso parar com a encheção. Mas quem disse que eu consigo parar por muito tempo?

Sou mestre em colocar apelidos, com ou sem sentido, palavras tiradas de situações ou palavras inventadas. Seria capaz de preencher uma lista telefônica com os apelidos que coloquei na Ane.

Aliás, com a pequena, poderia definir minhas brincadeiras como um treinamento para lidar com o bullying, de maneira que ela já desenvolva estratégias de enfrentamento com minhas chatices para ser mais resistente com os colegas impiedosos.

Você já deve estar pensando como é que as duas me aguentam. Não só me aguentam como não me deixam sair para o trabalho sem lhes dar um beijo e sem lhes responder a que horas eu chego. Dizem que a casa sem mim – e sem a minha chatice – fica muito sem graça.

É que elas sabem que a minha chatice é um excesso de vontade de interagir. Elas sabem que a minha chatice é uma recusa em aceitar o isolamento familiar com cada um no seu quarto. Elas sabem que a minha chatice é a nossa casa cheia de vida.

  UM CAFÉ E A CONTA!
| Ser chato é diferente de ser desagradável.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 04/02/2017, Edição Nº 1445.