sábado, 31 de outubro de 2015

A Rotina Que Te Mata é A Mesma Que Te Salva

Arte de Weberson Santiago



Todos os dias acordo às cinco e meia da manhã e sigo o mesmo ritual. Vou até a cozinha e bebo dois copos de água. Vou ao banheiro, pingo o colírio – tenho glaucoma precoce e a cada 12 horas, pelo resto de minha vida, devo usar uma gota que controla a pressão dos meus olhos, garantindo que continue com o mesmo campo de visão. Volto à cozinha, preparo uma xícara de leite com café. Pronto, depois disso meu dia verdadeiramente começou.
Seguir os mesmos passos diariamente me dá segurança, permite que eu pense menos do que se eu trocasse a ordem dos afazeres e tivesse de fazer todas as mesmas tarefas, sem exceção. Às vezes eu até acordo mais cedo para poder fazer tudo com mais calma. Acredito que se um dia começar corrido e atropelado, tudo o que vem a seguir será bagunçado e confuso.
Assumo que de vez em quando adio o despertador e admito também que já faltei da atividade física – que faço às seis horas por três vezes na semana – por preguiça ou cansaço. Mas continuo em busca da regularidade da rotina.
Tem dias em que trabalho em três lugares diferentes – de manhã, à tarde e à noite. Quando os dois períodos diurnos me exigem demais, saio do expediente com uma sensação estranha. Isso acontece quando passo o dia esbarrando em empecilhos para terminar uma tarefa e a minha variabilidade comportamental não atinge o resultado almejado, ou quando me deparo com problemas graves para resolver e o enfrentamento da resolução me exige muito. Identifico em mim sentimentos esquisitos ao entardecer, quando termina a jornada do dia: parece que meus pensamentos estão emaranhados. É uma sensação desagradável de bagunça, de ter diante de si um quebra-cabeça todo embaralhado. Ao invés de tentar decifrar a confusão, eu apenas sinto. Não faço esforço nenhum para me livrar, apenas deixo que a sensação dure o quanto tiver de durar e que ela passe. Tomo um banho e encaro o terceiro turno com hombridade.
É porque eu preciso do trabalho e é porque as pessoas com quem trabalho precisam de mim que mantenho a repetição. E, enquanto estou vivendo a repetição, não deixo de comemorar pequenas tarefas que consegui dar conta. Valorizo minha própria capacidade quando faço um bom atendimento a um cliente. A produtividade me produz uma sensação prazerosa. Com a maturidade, aprendi a não lamentar o surgimento de uma dificuldade, mas aceitá-la e fazer o melhor que posso para lidar com ela.
Como muitas pessoas, também sinto um leve incômodo quando o domingo vai chegando ao fim, mas o verdadeiro incômodo viria mesmo com uma segunda sem nenhum compromisso. No domingo à noite, ao invés de maldizer a segunda, estou organizando tudo o que posso para vencer mais uma semana.
A repetição que me cansa, me consome e às vezes me esgota é a mesma repetição que me salva, que me inspira e que dá sentido aos meus dias, que dá sentido à minha vida.
UM CAFÉ E A CONTA!
| O tempo passa e a vida voa enquanto tudo se repete. Mas ao invés de só repetir, não faz mais sentido buscar fazer melhor?

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 31/10/2015, Edição Nº 1379.

sábado, 17 de outubro de 2015

O Banco na Frente da Casa

Arte de Weberson Santiago


No meio da minha correria de dias úteis avistei um senhor sentado em um banco fixo na frente de sua casa. Ele conversava com outro senhor, que estava de pé ao seu lado. Me deu uma inveja daquele senhor sentado em seu banco vendo a vida passar.
Naquela hora, resgatei a vontade que tive em outras situações de colocar um banco na fachada da minha casa. Imaginava que, colocando o banco, aumentaria a probabilidade de que eu e minha família passássemos a sentar e conversar na porta de nossa casa.
Não fui adiante porque pensava que aquele banco vazio seria um convite para que estranhos se sentassem na frente da minha casa. Temia que meu portão virasse ponto de ônibus. Não saberia pedir licença para um abusado que o ocupasse diariamente por medo de parecer discriminatório. Se não queria convidar as bundas, era melhor que não colocasse o assento. E desistia dessa ideia.
É impressionante como ainda vejo pessoas com esse hábito. Na minha rua mesmo tem quem coloque aquelas cadeiras brancas de plástico na calçada todos os dias. Nas duas cidades que trabalho, no caminho de um compromisso ao outro me deparo com diversos bancos pelas calçadas. Tem aquele típico banco de praça feito de concreto em moldes. Tem banco de ripa de madeira. Tem tronco de árvore serrado. Tem até de alvenaria.
Quando não existia a televisão, quando o rádio era coisa de grã-fino, as notícias corriam à boca pequena nos bancos de praça e nas cadeiras espalhadas pelas calçadas. O costume parece estar longe de morrer, ainda que as novas gerações não consigam fazer uso deste espaço. Como a minha própria geração.
Aquela inveja do senhor sentado foi uma vontade – controlável – de largar todos os meus compromissos de lado e ficar lá sentado, pensando, contemplando, observando o movimento dos outros. Era a vontade de parar um pouco no meio da correria. Mas a verdade é que este sentimento de inveja durou pouco.
Mesmo em meus dias de folga eu não costumo parar muito. Não me vejo parado e sentado por muito tempo. Outro dia resolvi sentar na calçada. Logo fiquei entediado procurando alguma coisa pra fazer. Comecei a retirar folhas secas dos pés e as folhas velhas das plantas.
Percebi que já me acostumei a pensar enquanto estou em movimento, a planejar enquanto estou me deslocando entre um compromisso e outro, a entender meus sentimentos durante a correria.
Definitivamente o banco não é para todas as fachadas. Enquanto uns gostam de ver a vida passar estando parados, outros gostam de ver a vida passar em movimento. O importante é escolher o ponto de vista que você quer ver a vida e ser satisfeito com ele.

UM CAFÉ E A CONTA!
| É uma questão de órbita. Ou você espera que o mundo gire ao seu redor. Ou você corre para cumprir sua trajetória.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 17/10/2015, Edição Nº 1377.

sábado, 3 de outubro de 2015

O Chamado do Nome

 Jornal da Cidade , Mococa/SP, edição de 12/06/1983



O nome que recebemos de nossos pais é carregado de significado e pode revelar a expectativa daquele que me nomeou para a minha vida. Por mais que possa parecer que a escolha é despretensiosa, ela vem carregada de ideias, imagens, sentimentos e pensamentos.
O nome pode ser, também, uma homenagem a alguém que marcou a história de um dos pais. Já ouvi falar de pessoas que homenagearam seu filho com o nome daquele que ajudou em um momento difícil. Também é comum vermos o nome expressar a superação de algum risco de vida, como quando adicionam Vitória ao nome da filha, por exemplo.
No meu caso, o meu nome é uma homenagem ao meu avô e, ao mesmo tempo, ao meu pai. Nós três temos o mesmo nome. Augusto Amato, Augusto Amato Junior e Augusto Amato Neto. Além de homenagear o meu avô, é uma maneira de continuidade e de tradição.
As comparações de similaridade começaram cedo. Na adolescência uma professora de português disse que havia puxado ao meu avô quando me devolveu uma redação. Meu avô foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Mococa há algumas décadas e seus discursos eram publicados pelo jornal da cidade na época, e eram muito elogiados. A oratória sempre foi um diferencial de meu avô. Discursava sobre política, economia e sobre o sentido da vida para casais em cursilhos. Quando comecei a dar palestras e entrevistas como Psicólogo, muitas vezes ouvi que falava bem em público como o meu avô.
Semelhanças à parte, devo confessar que em muitos momentos senti um grande peso por ter este nome. Meu avô teve uma trajetória de vida brilhante. Uma carreira invejável, repleta de conquistas. Resultado de muita dedicação, persistência, paciência e parcimônia. Ser Augusto Amato, em alguns momentos, me fazia sentir que tinha a obrigação de, no mínimo, fazer o mesmo, senão melhor do que ele fez.
Demorou para que eu percebesse que eu não precisaria fazer tudo igual. Embora cada nova geração de Augusto carregue algumas características da anterior, outras características não são – e que bom que não precisam ser – as mesmas. A singularidade é permitida, apesar no nome ser igual.
Dia desses, procurava um documento para meu avô em meio aos seus guardados quando identifiquei um envelope de papel pardo com uma etiqueta branca manuscrita por ele: “Currículo Augusto Amato e Nascimento Augusto Amato Neto”. Quando abri, encontrei um recorte de jornal que ele guardou para mim pouco tempo depois de meu nascimento. Uma página do Jornal da Cidade de Mococa publicado em 12 de junho de 1983 – eu nasci dia 30 de maio de 1983. Nela, o médico Dr. Aloysio Taliberti profetizou o meu encontro com este recorte de jornal. Com a sua sensibilidade e, tomado pelas emoções da grande amizade com meu avô, ele sintetizou a grande responsabilidade que carrego no meu nome e colocou a expectativa de que eu “faça mais bonito” do que fez o meu avô. Terminei a leitura com os olhos marejados, foi emocionante.
O amigo Aloysio me fez entender que a beleza de se ter o mesmo nome que o avô não está em repetir a mesma vida. A beleza é que o nome possa continuar vivo em uma vida nova e diferente.

UM CAFÉ E A CONTA!
| Todo nome esconde uma missão, definida por quem o escolheu.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 29/09/2015, Edição Nº 1375.