sábado, 28 de dezembro de 2013

Pedrinhas de Gratidão

Foto de Lélia Oliveira



Num sábado recente resolvi comprar um livro pela internet. Buscava um presente para a Natália, algo especial para uma data importante de nosso relacionamento.

Ao ler a sinopse do livro de Stephen King tive a sensação que havia achado o presente certo para a data. As palavras ainda ressoam em meus pensamentos: Love é uma parábola sobre a imaginação e o amor, e sobre o poder do amor de transformar e salvar.

Recorri a Estante Virtual, um site que passa suas informações ao vendedor e este manda um e-mail explicando sobre a postagem do livro e o prazo de entrega. Nada fora do convencional, são trocas metódicas. Um detalhe nesta compra tornou a história inusitada.

Na tarde do sábado seguinte recebi um e-mail que confirmava o pagamento e informava que o livro seria postado na segunda-feira. Comprava do Beto Chade, o livreiro dos Araçás, que pareceu querer algo mais do que me vender o livro, o que concluí ao ler seu e-mail:

“Há muito pensei uma forma de poder estar mais próximo àqueles que cruzam em meu caminho e parece-me que encontrei uma forma simples, porém muito verdadeira. Então enviarei junto ao seu embrulho, um presentinho, algo que não tem valor material, e sim espiritual. Para se ter a exata dimensão do meu sentir, remeto em anexo uma crônica minha que explicará as razões de toda essa história. Caso tenha tempo, leia.”

Beto criou uma expectativa e minha curiosidade esticou o tempo até a chegada do livro. Fechei o portão na cara do carteiro e logo abri o pacote. Me deparei com o livro, uma pedra branca e um papel dobrado dentro de um envelope, a crônica.

Devorei o texto, queria entender o que ele queria. Beto conta que caminhava pela praia com os pés na areia quando começou e recolher pedras brancas do chão e se lembrou de um livro que leu. O autor defendia que não havia nada mais precioso do que o poder da gratidão. Palavras do Beto:

“É certo que se deve almejar sempre algo mais ou melhor. Mas, por outro lado, não conseguiremos isso maldizendo a vida que possuímos, as coisas materiais que temos, reclamando das pessoas em torno de nós. Um dos autores desse livro queria dedicar um ou dois minutos de seu dia para agradecer por tudo aquilo que a vida lhe entregara, mas, com o atropelo da rotina, quase sempre se esquecia. Um dia, olhando uma gaveta, achou uma velha pedrinha que sua filha, quando ainda era uma criança, lhe deu como presente. Sorriu com satisfação. Era uma lembrança boa. Agradeceu pelos filhos perfeitos que possuía. Pegou a pedra na mão e teve uma brilhante ideia: ‘Vou levar essa pedrinha comigo, em meu bolso, todos os dias’. Todas as manhãs a rotina se cumpria, junto a sua carteira, aliança, celular, lá estava sua pedrinha. Ao pegá-la, agradecia em pensamento tudo aquilo que fazia parte de sua vida. À noite, quando chegava em casa, repetia o ritual ao contrário, pois ao esvaziar os bolsos estava lá o ‘lembrete’ simbolizado pela pedra. E, novamente, fazia seus agradecimentos.”

Enquanto caminhava na praia, Beto resolveu juntar um punhado de pedras e ensinar aquilo que ele passou a fazer depois de ler esse livro. Queria entregar uma pedra branca e um pedaço de papel para aqueles que lhe são caros entendessem o significado e o funcionamento do ritual. Ao imaginar a cena, conta que ficou constrangido com a situação de entregar pedrinhas. Teve medo de parecer bobo. Apesar disso, escreveu esta crônica para contar a história, mas decidiu que esperaria que as pessoas lhe pedissem a sua pedra:

“Porque elas são muito preciosas para estarem nas mãos de pessoas que não as valorizem. Então, escolhi entregá-las à medida que forem sendo pedidas. Sei que muitos daqueles para os quais peguei as pedras irão pedi-las. Posso ter feito mal juízo de alguns, mas podem ter certeza, cada um dos que pedir me trará uma alegria para o coração.”

Eu fui escolhido para receber uma pedra destas junto com meu livro. Depois deste dia, passei a leva-la comigo no bolso, junto com todas as bugigangas que carrego. Quando vou coloca-la no bolso agradeço por algo ou alguém que faz parte da minha vida. Ao final do dia, quando a retiro, faço o mesmo. Um breve agradecimento. Como se tornou corriqueiro, varia o motivo da gratidão. Já agradeci até pelos problemas que me fazer progredir.

O presente da Natália deixou de ser o livro. Ela recebeu o envelope com a crônica e outra pedra branca.

UM CAFÉ E A CONTA!
| Não perca a oportunidade de passar uma coisa boa adiante.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 28/12/2013, Edição Nº 1282.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Quando o Forro Se Torna Piso

Arte de Weberson Santiago


Quando eu era criança tinha a mania de deitar no chão e imaginar como seria a vida de ponta cabeça. Passava um bom tempo imaginando como seria andar no teto.

O cuidado para não pisar na lâmpada. A viga no meio da sala seria um obstáculo a ser pulado se caminhássemos no forro, e a luminária seria como uma mesinha com tampo de luz.

Hoje eu entendo que ficar imaginando a casa de ponta cabeça era um exercício de alternar meu ponto de vista sobre a vida.

Ao caminhar no teto em pensamento, me observava fazendo algo. Penso no quão importante é se  observar na vida: como nos comportamos nas situações mais desafiadoras? Como nos relacionamos com as pessoas a nossa volta? Quais foram os sentimentos nas condições vividas?

O autoconhecimento só é possível com uma porção de distanciamento. Ver de fora.

A outra condição importante é se colocar no lugar do outro. O exercício de pensar em como se sente, quem convive com a gente, nos torna capazes de evitar atitudes desnecessárias e contraproducentes.

Exemplifico. Alguém que convive comigo ficou envolvido em um trabalho esperando um resultado que não veio, e ficou com uma baita raiva de ter feito tudo em vão e revoltado com todos os que estiveram envolvidos no resultado negativo.

Se eu fizer o exercício de me colocar no lugar dele, saberei entender seu sentimento diante da frustração. Não irei contra aquilo que ele diz ou faz com argumentos, tentando convencê-lo que a vida tem dessas coisas. Muito menos irei cobrá-lo de qualquer coisa neste momento, ainda que ele tenha prometido fazer algo pra mim há um bom tempo. Eu sei que o sentimento dele vai comprometer nossa comunicação e, talvez, a nossa relação.

Autocontrole é analisar as contingências antes de se comportar, ao invés de pensar depois de já tê-lo feito.

Saiba experimentar o ponto de vista do outro. E saiba que isto não significa assumir responsabilidades do outro ou fazer as coisas pelo outro. É experimentar as lentes dos óculos do parceiro para entender o que ele vive e saber como lidar com ele.

E de uma coisa eu não tenho dúvida. A melhor posição para fazer tudo isso é deitado no chão, olhando para cima.

Deite no chão da sala e olhe para o teto. Deite no chão do quintal e observe as estrelas. Deite na grama e veja as nuvens.

Se você não se permitir este tempo, a hora que você deitar na cama e encaixar sua cabeça no travesseiro, um excesso de pensamentos e sentimentos irão invadir o espaço reservado para o seu sono.

Reserve um tempo em sua rotina para andar no forro da sua casa. Abra uma brecha na agenda para deitar no chão. Tome distância da sua própria vida em pensamento. A hora que seus pés tocarem o chão novamente você estará muito mais preparado para agir.


UM CAFÉ E A CONTA!
| Saiba vestir o figurino das pessoas que convivem com você para saber onde a roupa aperta e onde tem espaço sobrando.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 14/12/2013, Edição Nº 1280.