sábado, 16 de junho de 2018

Mudar é Desconstruir para Reconstruir

Arte de Weberson Santiago



Quando a vida nos apresenta a desestruturação de algo que vinha fazendo parte de nossa rotina, costumamos ser tomados por diferentes sentimentos negativos: aborrecimento pelo surgimento de um problema, raiva por sermos retirados de uma situação aparentemente confortável, medo do que virá, incerteza do futuro, insegurança com a mudança, entre outros.

Só que esse mar de sentimentos não acontece de uma só vez e de cara. Primeiro somos estimulados a agir para resolver o problema. Os efeitos emocionais, embora possam surgir em alguns momentos da jornada da resolução, costumam vir à tona após o problema ter chegado ao fim.

Não que não tenhamos sentimentos enquanto estamos em um processo de mudança, mas só conseguimos olhar para eles quando paramos.

Mudar não é fácil. Parece que vai contra nossa tendência a preferir o conforto da estabilidade. Ao mesmo tempo em que encaramos uma mudança, tentamos abafar as emoções decorrentes dela como se isso fosse uma forma de passar bem pela mudança.

Na verdade, só se supera uma mudança e se aceita uma nova condição de vida quem encara e compreende os próprios sentimentos.

Se sofremos ao encarar o que era preciso mudar e durante o processo de mudança, o tempo revela que a mudança era a melhor coisa que poderia ter acontecido.

Ganhamos uma perspectiva quando superamos as dificuldades de mudar e os obstáculos presentes no processo de mudança.

Mudar é perder um pouco da estrutura. É como perder um pedaço do chão debaixo dos pés. Por isso é natural a sensação de medo da queda e o frio na barriga de perder o apoio e encarar a queda livre.
Desequilibrar é necessário para buscar retomar o equilíbrio. Cair é necessário para aprender a se levantar, a se reerguer.

Se só damos valor ao que perdemos, aprendemos a valorizar o que reconstruímos na nossa vida a partir da mudança.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Completo 200 crônicas em 7 anos nesta coluna. Obrigado a você que visita sempre esta padaria em forma de coluna. É pra você que eu escrevo! Obrigado Democrata pelo espaço.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 28/07/2018, Edição Nº 1522.

sábado, 2 de junho de 2018

Onde Morrem os Pássaros?

Arte de Weberson Santiago



Estávamos sentados no sofá da sala, olhando pela janela o movimento das enormes árvores do canteiro central da rua onde moramos, quando a Natália me perguntou:

— Aonde os pássaros morrem?

A pergunta me pegou desprevenido e eu, que nunca havia pensado nesta resposta, enchi-nos de outras perguntas. Todas ficaram sem resposta.

Tirando os casos de acidentes, em que um filhote cai do ninho e morre, das aves vítimas de atropelamento ou das que foram alvo de caça para outros animais, nunca havia me deparado na natureza com um cadáver de pássaro que tivesse morrido de morte natural.

No amanhecer em que escrevo esta crônica, ouço o canto dos pássaros vindo de todas as aberturas de minha casa. Logo cedo eles estão animados, fazem uma algazarra e partem para a caça. Uma sinfonia composta por diferentes cantos ecoa pelo bairro. Tenho a nítida sensação de que no lugar onde eu moro, existe infinitamente mais pássaros do que pessoas.

E mesmo com tamanha população, nunca me deparei com um pássaro morto. Aquela dúvida continuava a me intrigar. Por um momento, cogitei que voltassem para os seus ninhos, mas logo me lembrei que sempre que encontro um ninho, eles estão vazios.

Depois me passou pela cabeça que os pássaros poderiam se esconder para morrer, mas na minha infância nunca encontrei, nem soube de um amigo que tivesse encontrado, um cemitério de pássaros. Mesmo naqueles tempos em que ainda brincávamos pelas partes inexploradas da cidade ou no sítio de algum amigo, nunca vimos nada parecido.

Ouvimos os cantos com prazer, assistimos embasbacados o movimento das revoadas, aprendemos com a inteligência aerodinâmica dos bandos que fazem formação em V, admiramos a persistência de um pássaro que atravessa um oceano em nome da sobrevivência da espécie. E ainda assim, não sabemos onde eles morrem.

Fiz uma longa pesquisa por respostas, sem nenhum êxito. Não encontrei cientista que se incomodasse com a questão, mas fiquei intrigado com a pouca quantidade de fotos existentes de esqueletos reais de pássaros mortos, comprovando que ninguém encontrou esqueleto que pudesse ser fotografado. Em livros de biologia, só se encontram ilustrações.

O que me aquietou foi a resposta dada pelo poeta português José Gomes Ferreira, que em 1972, intrigado pela mesma questão colocada pela Natália, escreveu:

“Nunca encontrei um pássaro morto na floresta.

Em vão andei toda a manhã
a procurar entre as árvores
um cadáver pequenino
que desse o sangue às flores
e as asas às folhas secas…”

E concluiu:

“Os pássaros quando morrem
caem no céu.”

 UM CAFÉ E A CONTA!
| A ciência explica e aquieta a cabeça, mas só a poesia acalma a alma.


Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, caderno Dois, 02/06/2018, Edição Nº 1514.