sábado, 27 de março de 2010

Sara e seus 10 anos


Levei um susto hoje na hora do almoço. Os familiares que se acalmem, aviso que não fui assaltado, não bati o carro, nem serei pai daqui a nove meses. Fui levar a Sara, minha irmã adotada, a seu compromisso quando fui surpreendido por uma atitude dela.

Ela foi abrindo a porta da frente do carro e sentando no passageiro. Desde quando se tornou integrante da família, com vinte dias de idade, sempre andou no banco de trás para sua própria segurança. Quando a vi entrando, fui logo dizendo pra que fosse pra trás e ela imediatamente respondeu: “você esqueceu que agora eu tenho 10 anos?”.

Desconcertado, tratei de tirar a minha mochila e as bugigangas para que ela fosse sentada no lugar do passageiro. Ela sentou, colocou o cinto de segurança sem que eu dissesse nada e foi aproveitando o panorama novo de visão, me perguntou qualquer coisa do painel e depois se ateve a questões da cidade que o lugar da frente permitia observar.

Eu me escondi por detrás de meus óculos escuros e comecei a chorar. As lágrimas tomaram conta enquanto tentava ver se os óculos escuros poderiam ficar gigantes para que eu pudesse me esconder por inteiro. Era como se até o minuto anterior ela não tivesse crescido e neste momento falasse comigo de igual pra igual, com uma serenidade que me pegou desprevenido. Eu estava em seu aniversário de 10 anos, no dia 16 de fevereiro, mas só fui perceber o que significava a autoridade de uma década de vida neste episódio.

Sara é uma sobrevivente. Viveu adversidades quando precisava de abrigo, apoio e carinho nos seus primeiros dias de vida. Quando veio integrar nossa família não foi somente capaz de aprender a receber nosso carinho, mas sempre fez questão de retribuir em amor, sem ser cobrada para isso.

A demora para falar, seguida de dificuldades fonéticas para algumas sílabas foram as primeiras preocupações durante seu desenvolvimento. Para ela, custa muito mais esforço apreender do que para outras crianças. Mas quem se importa com essa diferença?

Admito que a preocupação existe, sobretudo quando o ponto de vista é como seu desenvolvimento poderia ser. Mas me recuso a olhar o que falta ao invés de olhar o que foi conquistado. Demorou certo tempo para pronunciar a sílaba “sa” do seu próprio nome, mas hoje ela fala essas e outras que tinha dificuldade. A letra dela está ficando cada vez mais bonita, mesmo que tenha tido que refazer alguns anos letivos. Desde bebê, tem uma sensibilidade rítmica muito forte, o que poderá aproximá-la de algum instrumento musical, da mesma maneira que ela descobriu a dança. Por falar em habilidades motoras, desde pequena mostrou grande capacidade, chegava a fazer uma seqüência de “estrelas” e cambalhotas no gramado de casa. Poderia se dar bem na ginástica olímpica. É capaz de cativar adultos com muita facilidade, desde bebê, assim como é leal nas suas amizades, demonstrando habilidades sociais muito adequadas.

Na nossa família, Sara tem espaço para ser o que ela é e o apoio para demorar o quanto for preciso para superar suas próprias limitações. Sua mãe preparou-se inclusive para o caso dela querer buscar informações de sua família de origem. O pai, como autodidata em neurologia, está sempre disposto a estimulá-la nas suas melhores potencialidades. O irmão mais velho e padrinho é psicólogo, e tem se esforçado para cumprir a promessa de quando ela chegou de estar sempre disponível quando ela precisar. O segundo irmão é o que não se importa em “estragar” com os presentes que ela mais gosta, só pra ver sua felicidade. O terceiro estuda medicina e promete todos os cuidados de sua profissão.

Com toda essa história, o fato é que a partir de agora, no meu carro, ela só ocupará o lugar do passageiro. Ela esperou 10 anos para poder vislumbrar o caminho que só é visto deste lugar. O mérito da espera e a persistência para a superação são o que fazem das pessoas vencedoras na vida. Consigo imaginar, sejam lá quais forem suas escolhas, Sara dando seu melhor e obtendo sucesso no futuro. Sabe por que imagino tudo isso pra ela? Pois foi o que a vi fazendo até agora.





Para Priscila, que também sabe o que é o amor incondicional, no caso pelo caçula Antonio, que já está tão metido com sua década de vida quanto a Sara.

6 comentários:

Augusto Amato Junior disse...

Êta leitura difícil.
Difícil para quem decidiu no coração naquela missa, quando a Comunidade Providência Santíssima ainda era no sobrado, quando o Pai Maior deu o Seu recado:
"Se você que é humano não tem coragem de dar uma serpente ao filho, e sim o pão, quanto mais Eu que Sou DEUS, o que te daria?".
Naquele Evangelho senti Sua mão me conduzindo para a felicidade que foi a de escolher a Sara. A certeza que era para ela que nós daríamos o amor infinito que tínhamos para completar a família.
Como DEUS é bom. Deu-nos 3 filhos maravilhosos, 3 grandes amores que recebemos e ainda nos colocou no coração a beleza que é amar a Sara. Menina faceira, esperta, antenada em busca da retribuição de ser amada. Sara é capaz de amar dobrado, dar em dobro, aprendeu muito com o sofrimento inicial, e soube muito bem transformá-lo em amor incondicional.
Preocupação com as dificuldades inerentes de sua gestação? Nunca, imagine uma menina tão abençoada...Como a Providência deixará faltar aluma coisa para ela? Imagine.
O importante é que continue sendo feliz Sara, o papai fala sempre para você: Nós te amamos muito, não se preocupe com nada.
Obrigado Senhor pelos filhos que nos presenteou, basta ler esta crônica do Augusto e entenderão o que digo.
DEUS abençoe a todos.

Pri S. disse...

Que lindo... Impossível não marejarem os olhos. Sara é abençoada por ter ganho uma família assim dedicada. E a família também foi abençoada pela vinda de Sara. Porque laços de sangue selam a ligação entre os corpos, mas as almas se entrelaçam através dos sentimentos. Beijos para todos!

Herédia disse...

Belo! Uma das melhores postagens desse blog...

Priscila Zavagli disse...

As lágrimas ganharam autonomia em toda a leitura dessa crônica. Sara e Antônio são crianças diferentes, não só entre si, mas das outras todas e do impacto que causam nas pessoas. São donos dos melhores abraços que já recebi na vida, e têm o dom de transmitir o carinho que lhes transbordam só pelo olhar. Não há dúvida do quanto são amados, e como sabem retribuir isso de forma tão potencializada. Sobre o futuro de nossos caçulas? Certamente ainda vamos chorar muito, só que de ORGULHO.

Antônio completou sua primeira década ontem, Sara em fevereiro, mas acho que quem ganhou o presente fomos nós dois, há 10 anos atrás.

Muito obrigada por mais esse presente.

Um beijo

Rosa Maria disse...

É nesta hora que percebemos que deixamos passar muitos fatos....rs
O tempo não espera...ele nos atropela...
Viva intensamente cada momento..!!
Essa tal frase "Não tenho tempo"... uma pena né...não analisarmos que Nós temos o Tempo.
UM Santa Semana Santa....
Bjos

gilberto disse...

Puxa vida!

escapei da realidade e pensei que falavam da minha vida!!

Obrigado!