quarta-feira, 3 de março de 2010

O escritório do escritor

O escritor não é considerado uma pessoa que se encaixa nos padrões de normalidade da sociedade, seja lá qual for este tal padrão. No mínimo tem hábitos esquisitos, que promovem sua fama de louco. O estereótipo do escritor é o do comportamento alternativo, aquele que é alienado ao mundo real. E muitas vezes ele é, principalmente se sua dedicação única é a redação. Neste caso ele passa a habitar o mundo das suas idéias e deixa de viver a vida no mundo físico entre pessoas e objetos, numa forma de esquiva com álibi da profissão. Muitos filósofos têm sua história de vida neste sentido do isolamento.

Outro grupo é o dos escritores “do mundo”. Aqueles que registram as experiências do convívio social, com os objetos e eventos são os cronistas. O cronista não pode se dar ao desfrute do isolamento. Afinal, ele registra o que aconteceu a sua volta de forma cronológica. Como seria possível registrar aquilo que eu não vi, não participei e não tomei conhecimento? Embora seja impedido do isolamento, está longe de se livrar do rótulo de louco.

Certo dia, terminava uma crônica antes de sair de casa pra dar aula. Como a inspiração era grande, corria contra o tempo para escrever o máximo até o último minuto. Na viagem até a faculdade propus a dois amigos que, por se tratar da sexta feira, os esperaria cinqüenta minutos para que fossemos embora juntos. Dei duas horas de aula e pretendia retomar a escrita no intervalo da espera. Saí em busca de um café que freqüento, mais estava fechado. Não me sinto à vontade em abrir meu notebook e sair digitando em qualquer espaço público.

Recorri àquela padaria que já foi tema de crônica e por onde passo todas as semanas. Quando cheguei por lá haviam colocado uma única mesa no seu interior, que por sinal estava vaga. Melhor impossível, já fui ligando o computador na primeira tomada que vi e nem precisei pedir o misto quente com tomate para a amiga do balcão. Peguei uma cerveja long neck já que eram nove da noite do meu último dia útil da semana.

Pronto, fui escrevendo sem receio e organizando as idéias digitando. Quando meu misto chegou foi inevitável reparar naquela situação. A fatídica mesa ficava num espaço pequeno entre o balcão da chapa, duas geladeiras de bebidas e o caixa da padaria. Em se tratando de uma padaria na sexta à noite, os grupos de jovens vinham buscar cerveja e algo pra comer em grupos. Para isso faziam exatamente o percurso ao redor de minha mesa. Era pegar a cerveja ou refrigerante na geladeira, pedir o salgado no balcão e pagar no caixa. E não era um fluxo pequeno.

Me senti deslocado, como se eu estivesse numa escrivaninha em plena estação Sé do metrô. Mas como o ímpeto do cronista dura até ver o último ponto final, continuei a tomar a ceveja, comer o misto e a escrever a crônica. Achei a situação engraçada, ri sozinho. Não muito tempo depois, os amigos me ligaram para encontrá-los.

Pensando no ocorrido, me lembrei da dedicatória em um livro do amigo Ricardo Pelosi, que relatava justamente na dedicatória que me presenteava o estranhamento das pessoas que o viam com o caderno e a caneta produzindo o material que constituiu esse livro em pleno bar em São Paulo: “Mococa, abril de 2007. Augusto, nos fins de tarde, começo de noite, pegava os cadernos e ia para o bar, em especial o Original, escrever este livro. No começo as pessoas olhavam com estranheza, depois se acostumaram. Assim é muita coisa em minha vida. Espero que goste dele. Ricardo.”

O bom escritor não desperdiça idéias e saca o que for necessário para registrar, quer o disponível seja a caderneta, o bloco de notas ou até mesmo o verso de estrato bancário, quer seja o notebook, o palmtop ou a página de rascunho das mensagens de celular. O lugar onde ele está não faz a menor diferença.







Crônica dedicada à Rosa (futura psicóloga) e à Geise (que não é a Arruda!).

2 comentários:

Rosa Maria disse...

Augusto obrigada é pouco.Sinto-me importante neste momento...e muiiiiito FELIZ.
O pouco que falo a ti, e o pouco que você me fala, é pouco em relação a tudo em nosso dia a dia...
Engraçado, percorri o caminho inverso...e sempre soube !
Sentada em qualquer lugar com certeza se tem assunto para muitas folhas....rs
abraços.
Você está se surpreendendo a cada dia..isso é bom.

Augusto Amato Neto disse...

Rosinha,
Vou parafrasear o Carpinejar: "Adoro ser resposável pela felicidade alheia".
Pra fechar,um aforismo que publiquei no Blog há algum tempo: "Prefiro ter fama de louco a ter fama de bobo". rs
Beijos e até a tarde.