O projeto e meus pés avistando o resultado. |
Tenho o hábito de enxergar a transformação assim que eu me deparo com algo abandonado. Gosto da reciclagem, acredito na reutilização, boto fé na boa vontade e não tenho dúvida de que, mesmo que seja árdua, a mudança vale a pena.
Quando me dispus a encontrar uma casa pra morar relatava aos
corretores a necessidade de um mínimo de verde no imóvel. Ao menos um pedaço
suficiente para que eu pudesse deitar e ver o céu. Pensei que a procura tinha
chegado ao fim quando encontrei o espaço ideal: seis cômodos espaçosos, fachada
simpática de casa antiga e um pedaço de terra no quintal, sem nenhuma planta.
Na primeira visita enxerguei um gramado, mas na negociação com a dona do imóvel
acabei com enfado. Ela queria colocar cimento no pouco de terra que restava e
eu, que enxergava a cama de grama como cômodo adicional, me recusei a fechar o
contrato.
Foi então que encontrei aquela que se tornaria a minha
primeira casa. O número de quartos e seus tamanhos eram ideais, mas o matagal
que tomava conta do quintal me fez criar a urgência da assinatura. Havia sido
mordido. Não por um inseto, mas pela imagem de um jardim em um sonho acordado.
E quando o mosquito da criatividade me morde, enxergo apenas o produto final e
não me importo com o trabalho da execução.
Aprendi que tudo o que se faz com as próprias mãos, custa mais barato e descobri que a desculpa do preço é o vício do preguiçoso. Mordido pela ideia, imaginei uma pérgola de eucalipto com uma bela trepadeira fazendo sombra para uma mesa em cima de seixos no chão. Não contente com a ideia, resolvi desenhar o meu primeiro projeto de construção.
Contratei um jardineiro para limpar a bagunça tão logo
assinado o contrato. Debaixo do matagal havia um pé de acerola, três roseiras,
algumas folhagens verdes e uma planta não identificada. Decidimos, o jardineiro
e eu, não retirar a prova da história de quem ali morou. Ganhei da avó o tapete
de grama para cobrir todo a terra do quintal e desde então regava meu
colchonete para que virasse um colchão de alta densidade.
Engana-se aquele que pensa que o interessante desta história
é a ideia ter virado realidade. Não é o antes e o depois que me deixam cheio de
orgulho, mas cada lição que eu tive durante a execução, que demorou exatamente
um ano. O jardineiro não foi o único parceiro da empreitada. Para escavar um
metro de chão e colocar de pé os seis troncos de sustentação, contei com a
ajuda do amigo César. Quando o caminhão depositou as pedras de rio na calçada,
aproveitei-me da mão-de-obra do amigo Coruja, que tendo furado comigo em um outro
dia marcado, fez questão de ajudar no carregamento de dez carriolas até o
quintal do fundo, tendo chegado para a tarefa com um fardo de cerveja para
comemorarmos a conclusão.
Uma das coisas mais surpreendentes foi a tal planta não
identificada. Logo após o plantio da grama, suas folhas começaram a secar.
Diante da possível perda da planta, eu me abalei, achando que não era capaz de
cuidar de um jardim. Insistia na água, mas as folhas não brotavam. E quando já
havia desistido há vários meses daquela batata enfiada na terra, fui pego de
surpresa com as folhas crescendo.
Ia passando do quarto do fundo para a casa quanto tomei um
susto. De um dia para o outro subiu uma haste no meio das folhas. E no outro
dia, ao acordar, me deparei com cinco lírios brancos de pétalas com o centro
arroxeado. Compreendi a lição. Ela esperava o momento mais propício. E eu
querendo que ela crescesse no meu ritmo. Uma planta me ensinando que a
consideração e o cuidado não devem vir acompanhados da cobrança.
E é ali que eu passo boas noites em conversas sem fim, que eu
vivo aqueles encontros de um farto churrasco, onde eu podo, planto e rego. É
onde eu faço a transição entre as jornadas de trabalho e o chegar em casa, onde
eu rolo na grama e ralo o joelho, é o lugar que eu construí para me educar a
ter paciência.
| Aquele que é capaz de cuidar
de uma planta se torna fertilizador de ideias, semeador de sonhos, lavrador
de caminhos, irrigador de crescimento e colheiteiro de novas realidades.
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria
Publicado no Caderno Cultura, p. 3, 05/11/2011, Edição Nº 1172.
2 comentários:
Faaala Junão! Parabéns pelo belo texto!
abraço do seu amigo
Paulo G. Brigagão Neto
Que privilégio contar com sua visita, meu caro Paulim!
Abraços saudosos!
Augusto
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