sábado, 5 de novembro de 2011

A Construção e a Paciência

O projeto e meus pés avistando o resultado.







Tenho o hábito de enxergar a transformação assim que eu me deparo com algo abandonado. Gosto da reciclagem, acredito na reutilização, boto fé na boa vontade e não tenho dúvida de que, mesmo que seja árdua, a mudança vale a pena.

Quando me dispus a encontrar uma casa pra morar relatava aos corretores a necessidade de um mínimo de verde no imóvel. Ao menos um pedaço suficiente para que eu pudesse deitar e ver o céu. Pensei que a procura tinha chegado ao fim quando encontrei o espaço ideal: seis cômodos espaçosos, fachada simpática de casa antiga e um pedaço de terra no quintal, sem nenhuma planta. Na primeira visita enxerguei um gramado, mas na negociação com a dona do imóvel acabei com enfado. Ela queria colocar cimento no pouco de terra que restava e eu, que enxergava a cama de grama como cômodo adicional, me recusei a fechar o contrato.

Foi então que encontrei aquela que se tornaria a minha primeira casa. O número de quartos e seus tamanhos eram ideais, mas o matagal que tomava conta do quintal me fez criar a urgência da assinatura. Havia sido mordido. Não por um inseto, mas pela imagem de um jardim em um sonho acordado. E quando o mosquito da criatividade me morde, enxergo apenas o produto final e não me importo com o trabalho da execução.


Aprendi que tudo o que se faz com as próprias mãos, custa mais barato e descobri que a desculpa do preço é o vício do preguiçoso. Mordido pela ideia, imaginei uma pérgola de eucalipto com uma bela trepadeira fazendo sombra para uma mesa em cima de seixos no chão. Não contente com a ideia, resolvi desenhar o meu primeiro projeto de construção.

Contratei um jardineiro para limpar a bagunça tão logo assinado o contrato. Debaixo do matagal havia um pé de acerola, três roseiras, algumas folhagens verdes e uma planta não identificada. Decidimos, o jardineiro e eu, não retirar a prova da história de quem ali morou. Ganhei da avó o tapete de grama para cobrir todo a terra do quintal e desde então regava meu colchonete para que virasse um colchão de alta densidade.

Engana-se aquele que pensa que o interessante desta história é a ideia ter virado realidade. Não é o antes e o depois que me deixam cheio de orgulho, mas cada lição que eu tive durante a execução, que demorou exatamente um ano. O jardineiro não foi o único parceiro da empreitada. Para escavar um metro de chão e colocar de pé os seis troncos de sustentação, contei com a ajuda do amigo César. Quando o caminhão depositou as pedras de rio na calçada, aproveitei-me da mão-de-obra do amigo Coruja, que tendo furado comigo em um outro dia marcado, fez questão de ajudar no carregamento de dez carriolas até o quintal do fundo, tendo chegado para a tarefa com um fardo de cerveja para comemorarmos a conclusão.

Uma das coisas mais surpreendentes foi a tal planta não identificada. Logo após o plantio da grama, suas folhas começaram a secar. Diante da possível perda da planta, eu me abalei, achando que não era capaz de cuidar de um jardim. Insistia na água, mas as folhas não brotavam. E quando já havia desistido há vários meses daquela batata enfiada na terra, fui pego de surpresa com as folhas crescendo.

Ia passando do quarto do fundo para a casa quanto tomei um susto. De um dia para o outro subiu uma haste no meio das folhas. E no outro dia, ao acordar, me deparei com cinco lírios brancos de pétalas com o centro arroxeado. Compreendi a lição. Ela esperava o momento mais propício. E eu querendo que ela crescesse no meu ritmo. Uma planta me ensinando que a consideração e o cuidado não devem vir acompanhados da cobrança.

E é ali que eu passo boas noites em conversas sem fim, que eu vivo aqueles encontros de um farto churrasco, onde eu podo, planto e rego. É onde eu faço a transição entre as jornadas de trabalho e o chegar em casa, onde eu rolo na grama e ralo o joelho, é o lugar que eu construí para me educar a ter paciência.



 UM CAFÉ E A CONTA!
| Aquele que é capaz de cuidar de uma planta se torna fertilizador de ideias, semeador de sonhos, lavrador de caminhos, irrigador de crescimento e colheiteiro de novas realidades.

Publicado no Jornal Democratacoluna Crônicas de Padaria

Publicado no Caderno Cultura, p. 3, 05/11/2011, Edição Nº 1172.

2 comentários:

Anônimo disse...

Faaala Junão! Parabéns pelo belo texto!
abraço do seu amigo
Paulo G. Brigagão Neto

Augusto Amato Neto disse...

Que privilégio contar com sua visita, meu caro Paulim!
Abraços saudosos!
Augusto