sábado, 26 de novembro de 2011

Em Volta da Mesa

Arte de Weberson Santiago



Passamos boa parte da vida em volta da mesa. Na cozinha, na copa ou na sala de jantar. Quadrada, redonda, retangular ou oval. De madeira, de granito com pernas cromadas ou de tampo de vidro.

Existe um momento que eu considero sagrado na minha vida e ele ocorre em volta de uma mesa. É o café da manhã aos domingos ou feriados com a Natália e a Anelise. Eu geralmente acordo primeiro e preparo a mesa. Depois, acordo as duas. A Natália e a Ane vão à padaria e voltam com alguma flor colhida pelo caminho. É o toque final no centro da mesa. Tenho uma máquina de café expresso para fazer aquele café com leite de padaria. Ovo cozido pra Ane, frutas e queijo branco para a refeição da semana sem pressa de terminar.

Ali conversamos sobre o que passou, sobre as dificuldades do dia-a-dia e sobre nossos planos de futuro. Por falar em futuro, fiquei observando como fazemos na mesa para que a Anelise coma bem.  Quem já teve uma criança em casa sabe o quanto é difícil fazer com que ela coma o que consideramos ser o suficiente para seu crescimento. Qualquer pai ou mãe já viveu aquela situação em que um biscoito qualquer foi capaz de tirar o apetite de toda uma refeição.

Aí que a gente tem que rebolar. Quem olha de fora acha ridícula a cena de dois adultos apontanto os setores ainda não explorados no prato. “Olha o brócoli!”, diz a Natália. “Você não está comendo o feijão”, indico. É a mania de querer apontar os caminhos, controlar os passos. Quando a coisa está lenta, apelamos pra competição. “Eu vou terminar primeiro!”, fala a Natália tentando acabar com a enrolação, enquanto ela acelera o ritmo e diz: “Não, eu vou acabar primeiro!”. Até que se distrai com qualquer coisa. “Se não comer tudo, hoje não vai ter sobremesa” é a ameaça final ao prato que foi pouco mexido. Assim, ensinamos na mesa que o afeto acaba esbarrando no controle excessivo, com a desculpa do desenvolvimento de quem amamos. Em volta da mesa damos as primeiras lições de como conseguir o que queremos por meio da chantagem.

A Natália tem um jeito todo especial para favorecer o crescimento da Ane quando estamos em volta da mesa. A última que ela colocou em prática foi fazer carinhas com a comida. Agora, toda refeição tem que ter na face uma expressão. Já teve palhaco com nariz de tomate cereja e cabelo de alface picado. Cada prato tem um nome. A Emília tem cabelo de cenoura com beterraba raladas e nariz de azeitona. A ternura escondida por detrás da inventividade sem os limites da mesa.

Na casa da Fátima, antes de todas as refeições a família reza um pai nosso e depois alguém, expontaneamente, faz as preces antes de comer. Toda vez está descontente com alguém da família, Fátima toma a iniciativa da oração e inclui um pedido na prece. Usa o costume de maneira sutil, mas manda recado para o marido, o filho adolescente e até já cutucou a sogra no almoço de domingo. “Senhor, abençoa o alimento que nós temos hoje em nossa mesa e que não tenhamos nenhum conflito nesta refeição”, pede Fátima puxando a orelha do marido e do filho que discutiraram na véspera porque o muleque tinha chegado tarde em casa. Acontece que na última segunda-feira a Aninha, caçula de sete anos, tomou a vez na oração e pediu que Nossa Senhora protegesse o chocolate que ela deixa na geladeira. Desconfiava da empregada e do irmão mais velho. Sabendo do pecado, não tinha provas para apontar o culpado. Não cabia o inquérito quando estava em volta da mesa, mas fez valer o recurso disponível.

Se na intimidade da nossa casa usamos a mesa para resolver nossos relacionamentos familiares, pra fazer a lição de casa e para levar serviço pra casa, nos escritórios elas servem para reunir opiniões e tomar decisões. Mas nem em casa, nem no trabalho é possível dizer tudo o que pensamos todas as vezes que estamos em volta da mesa. A não ser aquela diarista desbocada que aproveita a reunião para deixar clara a sua opinião.

Quem põe a mesa, tira os pratos e lava a louça é responsável pelo encontro mais importante do dia. Se o diálogo em casa está raro, quem cozinha e põe à mesa faz a oportunidade para as interações mais interessantes que uma família pode ter. Quando uma família ou um grupo senta em volta da mesa, o que se troca é afeto. A comida estabelece a ocasião. A refeição é apenas a oportunidade. Afeto é uma afeição direcionada a alguém. Mesmo que eu não queira, eu afeto.

É quando se demosntra agrado ou desagrado, aprovação ou desaprovação, simpatia ou antipatia. Em volta da mesa a gente ama e odeia. Em volta da mesa a gente discute e se reconcilia. Em volta da mesa e gente tem vontade de se esconder debaixo da toalha de raiva e de subir na mesa de alegria. É uma interação que marca os sentimentos de uma maneira permanente. Não existe corretivo que apague as histórias escritas em volta de uma mesa.

 UM CAFÉ E A CONTA!
| Pode ser chato almoçar em família, mas triste mesmo é comer sozinho.


Publicado no Jornal Democratacoluna Crônicas de Padaria

Publicado na capa do Caderno Cultura, 26/11/2011, Edição Nº 1175.



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