domingo, 29 de agosto de 2010

Hábito Constante

Tenho um problema com a fidelidade. Vivo a privilegiar a lealdade do compromisso.

Descobri esse defeito quando, por curiosidade, pedi a um amigo dentista que me fizesse um clareamento dentário. Ele apenas avaliou meus dentes, sequer tocou neles, e eu fiquei preocupado com a dentista que cuida da minha boca desde os primeiros anos de vida.

Vítima da lembrança das sessões de flúor preventivas, da demonstração de cuidado. Assim que voltei pra cadeira dela tratei de relatar a infidelidade, que se resumia a não ter feito o tal clareamento. Ela riu do tom dramático de confessionário e logo me apresentou alternativas para um sorriso mais branco.

E a história se repetiu com a cabeleireira de dez anos. Começa que ela me apresentou um jeito diferente de cortar cabelos. Sem tesoura. Usa uma máquina de raspar a cabeça para aparar os fios em uma técnica que pode parecer estranha, mas que dá certo quando descrevo o que quero. Aproveito para passar por lá quando vou até São Paulo. Se ficar um bom tempo sem aparecer, ela sabe que falta tempo e se eu ligo, vai até onde estou no fim de semana para cortar.

Este ano, anunciou com antecedência que tiraria férias pra que eu programasse o corte. E o excesso de trabalho não me permitiu acertar a data. O cabelo grande me fez recorrer a um cabeleireiro que teve boa vontade, mas não foi a mesma coisa. Assim que deu a data da sua volta, já cheguei anunciando:

- Tive que te trair nas suas férias.

- Percebi pela base reta, respondeu ela.

Eu me aliviei com a minha honestidade e a elegi como melhor caminho do que a mentira. O fato é que andei incomodado com a obrigação, com essa mania de ser fiel aos sentimentos dos outros. Amarrado pelos pactos implícitos, impedido por mim mesmo de variar minhas escolhas. Cansado de sentar sempre no mesmo lugar, de fazer sempre o mesmo pedido depois de alguns minutos espiando o cardápio no restaurante.

Não quero trocar de dentista, nem de cabeleireira. Nunca tive uma cárie. Sou satisfeito em ser cabeludo e as reações que as pessoas têm diante da cabeleira. Já ganhei xampu e pente na sala de aula, recebi uma sugestão de corte do meu avô e já ouvi declarações de amor em forma de cafuné.

A questão da vez é o notebook que me acompanha há quatro anos. Este sim precisa ser urgentemente trocado. Tem memória de Alzheimer, velocidade de quem se locomove com andador. Leitor e gravador de CD/DVD com defeito nem sei há quanto tempo. A última deficiência impede de abrir o Messenger. Tentei driblar com a desinstalação e reinstalação, o que fiz algumas vezes seguidas sem qualquer resultado. O MSN não me é tão útil assim e deixei pra lá.

Notei certa displicência do técnico de informática na última avaliação, como um médico que declara o paciente terminal. Não propôs formatação ou qualquer procedimento alternativo e ressaltou que não tem clínica de reabilitação para bateria viciada. Não é pra ele que o note está em atividade das sete da manhã as onze da noite. Que exibe as coordenadas de aulas e palestras. Registra crônicas, relatórios e laudos. Ele é meu caderno de escrever em padarias, meu diário a tiracolo. Não se importa em funcionar junto com a minha preguiça e vai para a cama comigo. Já passou madrugadas em claro só para me fazer um download. Ainda assim, afirmo que deixarei a fidelidade de lado, este terá de ser substituído.


2 comentários:

gilberto disse...

Caro Augusto, fico feliz em ler suas crônicas, pois com elas me identifico, comecei dia desses mudando de cabeleireiro, experimentei uma mulher,que com sensibilidade percebeu que eu queria mudar, porém sem mudar minha identidade, o meu notebook foi roubado com arquivos e tudo o mais, tive de comprar outro, no mestrado me vi mudando de opinião, no restaurante tenho tentado mudar de lugar, enfim...

Lenita disse...

hummm... substituido???????????
é ruim hein?!?!?!!!!!
posso afirmar com quase precisão cirurgica q este ainda fará parte de sua vida...
mesmo q exista outro lhe servindo melhor!!!!
vc não dispensará esse amigo tão facilmente!!!!!!!!!
esse note com data de nascimento avançada ainda terá um lugar pertinho d vc....
talvez será "dispensado", de fato, qnd vc se convencer d q não existe nada diferente entre os 2 notes..
e vc poderá fazer uma doação desse seu confessionário portátil a alguém q lhe seja especial.. e q ainda não desfruta da praticidade d um amigo tão tecnológico assim!!!!!!!!!!!
é... as vezes exageramos neh?!?!?!!
rsrsrsrss
bjs bjs