sábado, 16 de janeiro de 2010

Tribunal do Júri: in dubio pro reo ou in dubio pro societate?


Sala ampla com móveis de madeira maciça. Púlpitos diversos para acomodar juiz, promotora, escrivã, advogados de defesa e lugar para sete jurados escolhidos entre vinte e um convocados para o sorteio. Um entalhe logo abaixo do juiz, a balança, símbolo da justiça.

A sessão inicia-se com o pedido de entrada do réu escoltado para o sorteio do júri. O juiz faz a lista de chamada para os jurados convocados, dos presentes sorteia um e submete à aceitação da promotoria e da defesa até que sete tenham sido aprovados. Os demais estão dispensados, ao passo que os sete não tem hora pra sair, devem permanecer isolados e incomunicáveis até o final da sessão. Está composto o Júri formado por pessoas da sociedade e que julgará o crime doloso, entenda-se intencional, contra a vida.

Lugares ocupados, os jurados recebem a sentença de pronúncia, que pode ser entendida como os relatos dos fatos ocorridos colhidos em diferentes momentos entremeados pelas análises do juiz que se pronuncia e pede uma avaliação do júri para um possível crime. A sentença nada mais é que o magistrado dizendo o que sente. Sendo o crime de competência do juiz e estando ele em dúvida, deverá absolver o réu diante da máxima in dubio pro reo (em dúvida, a favor do réu). Com base na doutrina e na jurisprudência, na fase de pronúncia vigora o princípio in dubio pro societate (na dúvida, em favor da sociedade). Sob este enfoque, quando encaminhado ao colégio popular, somente a prova descontaminada de dúvidas em favor do réu poderia impedir sua condenação, ou seja, absolvê-lo.

A sentença de pronúncia satisfaz os detalhistas:

“Denunciados como incisos nas penas do Artigo 978, § único do Código Penal, artigo 14, inciso III, IV e V da lei 77.257/00. (...) Narra a denúncia que no dia 25 de junho de 2007. (...) Consta da denúncia que o réu estava acompanhado por (...). Em consonância com a denúncia foram encontrados dois revólveres (...). Os acusados dizem (...). Os defensores dos acusados alegam (...)”. Tudo recheado de depoimentos diversos, por vezes contraditórios, provas colhidas e analisadas. Conclui então “O acusado está sendo submetido a julgamento perante o tribunal do júri em razão de crime a ele imputado (...)”.

O juiz chama o réu para que sente a sua frente e pergunta o nome, alguns dados pessoais e faz perguntas como: o que aconteceu na noite do dia 25 de junho de 2007? Conhecia os demais presentes? O que foram fazer naquela cidade? Qual a razão de parar naquela praça? Todas as questões têm respostas evasivas, com o objetivo de evitar comprometimentos. O juiz oferece a palavra ao colégio popular e à promotora, mas ambos decidem não fazer mais perguntas.

- Você quer dizer mais alguma coisa? – pergunta o juiz.

- Sou inocente – economiza o réu.

O juiz solicita a promotora para defender o direito coletivo através de sua denúncia. O trabalho do promotor é de promover o ocorrido de forma a fundamentar uma culpabilidade evidente de forma que convença o júri. Uma boa dose de persuasão é necessária, todavia pode soar como exagero ou cinismo, tendo em vista que insiste em outra direção que não a do discurso defensivo monossilábico do réu. Seu desafio é utilizar-se dos dados (depoimentos e provas) de forma clara e precisa provando a ocorrência do crime. Assim, estará fazendo seu papel de representante do Estado perante o juiz.

Este último passa a palavra para a defensoria, mas não antes da pausa para o almoço. Todos, com exceção do réu, dirigem-se para o refeitório. Jurados não devem proferir uma palavra sequer sobre o caso. Após almoço, repouso pós-prandial e café, todos retornam e o juiz retoma passando a palavra à defesa.

Parece mais nobre defender ao invés de acusar, entretanto, a depender do crime cometido, fica difícil o convencimento da justificativa para uma absolvição. Nestas situações, o advogado de defesa sai à caça de possíveis lacunas na lei criminal para abonar qualquer diminuição de responsabilidade e, portanto, de pena.

Quando terminado a defesa, oferece-se a réplica para a procuradora e a tréplica à defesa, ambas podem ser recusadas. Aos jurados o juiz pergunta se sentem-se capazes de julgar o caso, dispensa o réu e todos vão para a sala secreta. Bem, a sala não é nem um pouco secreta, fica atrás da tribuna. O que é secreto é o voto de cada um dos sete componentes. O juiz expõe as assertivas que deverão ser respondidas com sim ou não. As respostas são recolhidas em um saco preto e a outra descartada em outro saco. Com quatro respostas define-se a culpa ou não na contagem dos votos para cada critério. Terminada a sessão, o juiz retira-se para elaborar a sentença.

A sentença é um relatório que revela a argumentação do juiz. No Brasil o juiz é livre para decidir, desde que o faça em consonância com as provas dos autos e fundamente sua decisão, o que é chamado de princípio de persuasão racional.

O réu é chamado e volta à frente do juiz, que pede que todos fiquem de pé para a leitura da sentença, condenatória ou não.

Animus necandi é a expressão em latim que significa intenção de matar e animus laedendi significa intenção de ferir. Após a senteça, a verdade está consumada pelo julgamento, a despeito de qualquer questão subjetiva. O réu pode recorrer a instâncias superiores, mas só o faz quando não se conforma com a sentença, quando não perde nada em recorrer ou quando quer ganhar tempo.

Julgado e condenado.

Julgado e absolvido.






16/01/2010

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