sexta-feira, 28 de maio de 2010

No Caderno da Oficina 3

Sétimo Sapato

No início do curso, Fabrício me disse que eu falava como um profeta. Falou e saiu andando. Disse isso quando descrevia sobre algumas impressões e sentimentos do curso, olhando para cima e com a mão no queixo. Mantenho essa postura em muitos momentos, quem está em minha rotina já deve até ter reconhecido a cena dessa postura.

Gosto de analisar as pessoas, a vida, entender a cena que eu acompanho. Buscar respostas e motivos para as condutas e escolhas das pessoas. Mas definitivamente preciso desligar o botão da análise em certos momentos.

Enquanto relatava os sapatos do caminho, estava digerindo cada experiência vivida nos últimos meses em minha vida em três esferas: o eu cronista, o eu psicólogo e o eu Augusto.

O sapato do eu cronista

Durante esse curso, descobri que há uma satisfação das pessoas em ver o mundo com os meus olhos. É a maneira pela qual eu cativo as pessoas a lerem os meus textos, a reconhecer suas particularidades em minhas palavras. Hoje sei que tenho uma habilidade em escrever e que atinjo pontos íntimos e comuns que compartilho com meus leitores. Sei que não agradarei a todos, mas sei que escrever me faz bem e faz bem aos que me lêem ter essas palavras publicadas. Seguirei na lida do cronista, sabendo agora qual o conceito central que deve permear meus escritos para um dia concretizar aquilo que é um sonho: o livro coletânea de crônicas. Existe um ponto que perpassa minhas produções, que me ficou claro no curso do Fabro. Será a espinha dorsal do livro que um dia irá nascer.

O sapato do eu psicólogo

Não foi a faculdade de psicologia que me fez psicólogo, foi a vida. A faculdade e a ciência da psicologia pavimentaram a estrada que eu percorro desde que cheguei a este mundo. Não há coisa que me gratifique mais do que fazer psicologia das 7 da manhã às 21 horas, quase todos os dias da semana. É com o eu psicólogo que eu me vejo fazendo a diferença na vida das pessoas. Ganho a autoridade, com consentimento, de ser expectador da história pessoal. Sei de intimidades maiores do que as pessoas mais íntimas do dia a dia da pessoa. Reconheço a responsabilidade que isto significa e faço questão de buscar corresponder ao que me é atribuído. Tenho o direito de errar nesse caminho, e as pessoas me permitem assumir cada erro, já que não erro por falta de ética, mas por ser um ser humano como qualquer outro.

O sapato do eu Augusto

Aprendi o prazer de usar a primeira pessoa com a crônica e com a psicologia. Falar de mim e ver a reação das pessoas como se falasse delas. Mostro o que eu sou para fazer a pessoa descobrir quem ela é. Mas quando escrevo crônica ou faço psicologia, não é o Augusto mais íntimo que está se mostrando ali. São os eus anteriores que estão usando a pessoa do Augusto para atingir o objetivo do cronista ou do psicólogo. Quando coloco no ar qualquer escrito meu, estou permitindo que cada um entenda da maneira que lhe convém. Foi assim, é assim agora e assim continuará sendo.

Ao planejar deixar minha vida uma semana e fazer a Oficina do Carpinejar, sabia que eu não seria o mesmo depois dessa experiência. E não sou. Muitas pessoas além do próprio Fabrício me ajudaram a compreender o que descrevo nessa postagem. Aliás, essa terceira postagem “No caderno da oficina” fecha um ciclo, ou melhor, alguns ciclos.

Oitavo Sapato

“Tu é um bom cronista. Tu é sensível”

Fabrício Carpinejar, durante sua aula no último dia de curso.

Nono Sapato

Presenteei Fabro com a foto desta árvore e o seguinte recado no verso:

“Olho para seus olhos cansados e só consigo ver um sorriso de ponta cabeça”.

Décimo Sapato

Dedicatória feita por Carpinejar no livro onde descobri suas crônicas:

“Para Guto, cronista, essa padaria dentro de casa.

Capinejar, 14/05/2010".


Um comentário:

Pri S. disse...

Eu me identifiquei com estes trechos e, novamente, aconteceu de através deles eu acabar entendendo um pouquinho mais sobre mim:

"Mostro o que eu sou para fazer a pessoa descobrir quem ela é."

Acho que é bem por aí. A diferença, no meu caso, é que quando organizo as idéias para escrever, acabo acomodando sentimentos ao mesmo tempo. E a minha escrita tem espelho duplo: pro outro e pra mim mesma.

"Mas quando escrevo crônica ou faço psicologia, não é o Augusto mais íntimo que está se mostrando ali. São os eus anteriores que estão usando a pessoa do Augusto para atingir o objetivo do cronista ou do psicólogo."

Por eu também não colocar a Priscila mais íntima na minha escrita, talvez seja por isso o tal aspecto "reticente" que vc reconhece nos meus textos.

Ao mesmo tempo é uma Priscila tão íntima que escreve (com eus anteriores, atuais e posteriores-idealizados), que ela se torna "generalizada" e mostra-se apenas como um ser humano falando pra outro sobre coisas e sentimentos que ambos experienciam.

"Quando coloco no ar qualquer escrito meu, estou permitindo que cada um entenda da maneira que lhe convém."

Totalmente verdadeiro. E é isso justamente que pode levar o leitor a entender mais sobre si: a partir da identificação ou da não identificação com o que escrevemos e as reflexões que isso suscita nele.

Obrigada por mais uma chance de reflexão. :-)

E por compartilhar nestes textos uma experiência muito rica e importante.

Beijos!