segunda-feira, 13 de abril de 2009

A Crônica da Crônica

A crônica, enquanto gênero literário, me fascina. A vontade de escrever sobre isto foi aumentando, visitei mega livrarias para observar o espaço que a crônica ocupa e descobri profissionais de diversas profissões se aventurando por este caminho. Dentre estes destaco o lançamento, às vésperas de seu 101º aniversário, de As Crônicas de Niemeyer, do arquiteto Oscar. Ainda não o li.

Nas pesquisas que fiz, descobri que além de críticos literários, como Antonio Candido, autores de nosso tempo analisaram a atividade do cronista, como Fernando Sabino e Luiz Fernando Veríssimo. Considerei-me atrevido na pretenção de discorrer sobre uma atividade tão recente para mim.

Na ocasião do lançamento de seu livro, Niemeyer relatou um descontentamento com sua publicação: não constam as datas das crônicas, que foram escritas para jornais e revistas nas últimas décadas. Considero legítima a reclamação do autor, a característica essencial deste gênero é descrever cronologicamente situações ou eventos - a palavra deriva do Latim chronica, que significa relato de acontecimentos ocorridos no decorrer do tempo. A data remete ao contexto ambiental em que foi escrita pelo autor. Niemeyer identifica que as crônicas mais antigas são pessimistas nas respostas. Quando mais recentes, assume uma posição de esperança. Entretanto, com a ausência de datas o leitor não pode fazer uma análise do posicionamento do autor em diferentes momentos.

Diante de tal reflexão, percebi que não há mal em expressar minha opinião sobre a crônica neste momento. Se quiser rever, completar, mudar, basta outra crônica ou uma alteração nesta. Aliás, nas novas edições de seus livros, Rubem Braga fazia pequenas alterações em suas crônicas, sobretudo em alguns títulos. Braga foi o único brasileiro que conquistou consideração na literatura escrevendo somente crônicas.

Fernando Sabino a define como um comentário leve e breve sobre algum fato cotidiano. Seu tema pode ser poético ou irônico, mas o seu motivo, na maioria dos casos, é o fato miúdo: a notícia em quem ninguém prestou atenção, o acontecimento insignificante, a cena corriqueira. Nessas trivialidades, o cronista surpreende a beleza, a comicidade, os aspectos singulares. O tom, como acentua Antonio Candido é o de uma conversa aparentemente banal.

É esta aparente banalidade que promove o efeito mais importante da crônica: proporcionar a familiaridade entre o escritor e aqueles que o lêem.

De uma perspectiva histórica, ela apareceu pela primeira vez em 1799, no Jornal de Débats, publicado em Paris. A crônica é o único gênero literário produzido essencialmente para ser vinculado na imprensa, nas páginas de uma revista ou de um jornal. Caracteriza-se por ocupar um espaço sempre igual e com a mesma localização, com freqüência determinada.

A mistura entre jornalismo e literatura leva o cronista a um freqüente impasse: para se constituir como texto artístico, o seu comentário sobre o cotidiano precisa apresentar uma linguagem que ultrapasse a da mera informação. Para tanto, usa-se uma linguagem mais pessoal. O estilo deve dar a impressão de naturalidade e a língua escrita aproximar-se da fala. Essa oscilação entre se colocar como autor e abrir espaço pra questões cotidianas, retirando-se do texto, é uma das características que mais me agradam na crônica.

Sua extensão combina bem com a modernidade. O desafio do cronista é escrever no prazo proposto, alcançando a linguagem literária de beleza singular.

Para finalizar, cabe realçar a importância da opinião dos leitores para o cronista. Ele lança seu escrito e percebe a reação das pessoas. É como um diálogo sem pressa.

A.A.N.

Abril/2009

Um comentário:

L. Fiscina disse...

Mais uma vez meu amigo, cá estou, para testemunhar a crônica do cronista, poderia a crônica existir sem a testemunha? E poderia o cronista existir sem a testemunha? Penso que a primeira alternativa é falsa, enquanto a segunda é verdadeira. A primeira é falsa porque toda obra é feita para alguém, embora seja feita por alguém. E é pelo fato da obra ser feita por alguém que torna a segunda alternativa correta. Ou seja, mesmo que não existam testemunhas, isso não implica que a obra não possa surgir num instante poético. Desse modo, a crônica pode revelar a descrição de uma situação que pode não necessariamente envolver corpos humanos. Que tal uma crônica do trabalho das formigas? Ou que tal uma crônica sobre quantas vezes caí da cadeira sem ver a posiçao do assento, cujo acidente pode ter causado outro - a sequência causal de eventos entre objetos e o indivíduo também pode dar numa crônica. Mas, o que enriquece esse gênero literário é realmente a relação que as palavras suscitam imaginar a partir dos choques entre corpos humanos recortados num tempo do espaço ou no espaço de um tempo por um observador presente, mas ausente. Assim, a crônica se enriquece quando feita sobre humanos que podem ser testemunhados e testemunhar suas ação como o avesso poético que se manifesta na fala do cronista.
Pois é meu amigo, o cronista tem a especial habilidade de transformar as pessoas em personagens e os lugares comuns em cenas, embora não perca de vista a essencialidade da naturalidade que envolve pessoa e lugar, personagem e cena.
De certa forma, quando o cronista nos transforma em personagens também nos transforma em algo a mais, na medida em que nos singulariza diante do todo, nos tornamos vistos, observados, testemunhados. Pensamos que existimos para o outro, mais do que isso, pensamos que o que fazemos faz sentido. O cronista, então, é isso, dá vida ao nada e do nada faz retornar a vida.

Um abraço,
L.F.