segunda-feira, 6 de abril de 2009

Agostinho

Tem histórias que não se cansa de ouvir. Na ocasião da comemoração dos 153 anos da cidade de Mococa, dia 05 de Abril de 2009, faz-se oportuno relembrar algumas delas. Quanto aconteceu nessa cidade em todos esses anos. Quantas pessoas por aqui passaram, foram, ficaram. Com a comemoração, resgatamos fotos antigas e falamos de um tempo diferente.

Tenho como referência da história de Mococa, a própria vida de meu avô, Augusto Amato, que neste ano completa 90 anos. Ele presenciou as tropas avançando pela cidade durante a Revolução de 1932, em que violentos ataques aconteceram. Ele conta que quando a poeira baixava, saia com seus amigos em busca dos estojos que caiam das armas após o disparo dos projéteis.

Nesta época, os chamados grupos escolares ofereciam ensino básico, até os 12 anos. Depois, era a hora de aprender algum ofício, o que significava estar ao lado de alguém experiente a fazer alguma atividade que gerasse renda. Meu bisavô, Luiz Amato, era alfaiate. Todas as roupas eram feitas sob medida, não se encontrava nada pronto pra comprar. Já nessa época terceirizava parte da elaboração das vestimentas e no relacionamento com os clientes, conseguiu um trabalho em uma loja de tecidos para seu filho. Os proprietários eram dois irmãos. O trabalho ia bem, mas os proprietários resolveram sair da cidade para cursar uma Universidade e fecharam a loja. Fizeram bem, um se tornou um renomado Engenheiro e o outro Advogado, conta meu avô.

Porém, se viu sem emprego e meu bisavô disse: enquanto não arrumamos um emprego melhor, você ajudará na barbearia. E pra lá foi. Naqueles anos não se fazia barba em casa, e sua função era escovar o terno dos clientes ao final do corte. Não havia salário, as gorjetas da semana somavam 1$000 réis. Esta era a representação de 1.000 réis na época, foi só a partir de 1942 que passou a se usar ponto, depois vírgula para separar os milhares e os números não inteiros, respectivamente. De qualquer forma, era pouco, mas recebido com satisfação.

Um dos clientes do ‘Vô Luiz’, meu bisavô, era o Contador do Laticínios Mococa. Naquela época, só existiam dois na cidade, o outro era Contador no Banco Barreto. Perguntou ao cliente se seu filho poderia trabalhar no Laticínios, e a resposta foi que não havia espaço físico no escritório ocupado por quatro pessoas, incluindo os donos, mas que uma ampliação estava nos planos, o que possibilitaria sua entrada. E assim foi.

Trabalhava fazendo o que era solicitado, organizando os papéis, ajudando os demais. O primeiro ano todo foi sem salário. Recebia 10$000 contos de réis do Contador, que retirava do próprio bolso para incentivar o trabalho bem feito. Quando me contou isso, comento: difícil pensar, hoje, em alguém se dedicando todos os dias a um trabalho sem receber por isso, seria um resquício da escravidão esta forma de pensar daquela época? Não deixa de ser - respondeu ele. Penso que o que ele buscava não era o dinheiro. O Contador recebia 300$000 réis de salário e todas suas despesas somavam 100$000 réis mensais. Profissão valorizada pela escassez de profissionais.

Após alguns anos, Agostinho, como era chamado meu avô, foi assalariado e passou a desempenhar funções de maior responsabilidade.  Nesta ocasião, o Contador pediu afastamento de seis meses para cuidar de sua saúde. Indicou outro Contador para ocupar seu lugar, enquanto estivesse fora. Porém um dos proprietários, Sr. Barreto, questionou: você não convidou o Amato? E naquela época, com a escassez de profissionais formados, o governo concedia o título de Guarda-Livros, que autorizava profissionais sem formação acadêmica a exercer as atividades de Contador. Surpreso pela indicação, já que tinha 17 anos, passou a trabalhar na parte Contábil em um momento em que o Laticínios Mococa estava começando a crescer e a movimentação financeira cada vez mais intensa. O Contador acabou decidindo não retornar a Mococa, e abriu uma fábrica de Manteiga noutra cidade com os 200$000 réis que restavam de seu salário todos os meses e que foram acumulados.

Ao entrar o Tiro de Guerra descobriu uma coisa importante. Um dia o tenente perguntou:

- Qual o seu nome, Soldado?

- Agostinho.

- Eu perguntei seu nome, Soldado!

- Agostinho, Senhor!

- Eu estou com sua ficha, seu nome é Augusto, Soldado!

E foi nesse dia que ele descobriu, aos 18 anos, que se chamava Augusto. Fato que só poderia acontecer em um período que não se manuseava tantos documentos como hoje. Bom, ainda bem que ele descobriu, senão me chamaria Agostinho Amato Neto.

Embora tenha passado a assinar Augusto a partir desse episódio, todos ainda o chamavam de Agostinho, que depois passou para Tino. Com a abertura da Escola de Comércio, formou-se Contador e algumas décadas depois se tornou Diretor, cargo no qual se aposentou do Laticínios Mococa. Ainda trabalha todos os dias, como faz desde os 12 anos.

A.A.N.

Mococa, 05 de Abril de 2009.

3 comentários:

Unknown disse...

Professor, como te disse hoje na aula, gostei muito dessa crônica! Abraços, Aline

Unknown disse...

Eu tbem gostei, professor...
mtooo legal, estranho no tempos de
hj imaginar que uma pessoa venha saber o seu nome
correto aos 18 anos rssos!!!!!
...bem escrito Professor
abraço...Iris

Augusto Amato Neto disse...

Obrigado Aline e Iris!
Continuem prestigiando o blog..