segunda-feira, 16 de março de 2009

O Outono e as Mulheres

Caminho em direção ao ponto onde embarcarei num ônibus. Destino: São Paulo. Passarei duas noites, mas a bagagem ficou pesada. Uma mochila nas costas e uma mala com rodas. De longe vejo duas pessoas sentadas no ponto de ônibus. Aproximo-me, acho um lugar na ponta do banco e sento. Uma mulata aparentando vinte e cinco anos tem uma pinça e um pedaço de um espelho quebrado na mão bem ao centro do banco. Na extremidade oposta a minha, um senhor de quarenta e poucos anos, muito magro e com cabelo cuidadosamente pintado de preto e penteado de lado e com um bigode grisalho bem aparado.

Ainda não eram sete horas da manhã. Vendo aquela moça aparando sua sobrancelha naquele lugar, numa manhã de domingo, reverêncio sua atitude. Imaginei que ela esperaria o ônibus que a levaria ao trabalho em pleno domingo e pela falta de tempo em sua rotina aproveitava para cuidar de sua aparência.

Alguns minutos depois um carro encosta na sarjeta reduzindo bruscamente sua velocidade sobre as poças da chuva que caiu na última noite do verão e no amanhecer do primeiro dia do outono. Senti um alívio por não ter me molhado. Desce uma moça branca com cabelos longos, lisos, claros e ainda molhados do banho. Suspeito que tenha trinta anos. Carrega uma sacola bem grande. Agradece a carona do rapaz e mira a mulata: “Sua carona já está ali pelo convento.”

A partir daí começam a conversar. A da sacola reclama que o seu homem pediu que ela levasse a comida, razão do pacote. Comentam um caso de um rapaz que levou três tiros. “Deu até no Jornal Regional”, diz uma delas. “Aquele lá tem três vidas”, responde a outra, demonstrando intimidade com o tal rapaz. O senhor da ponta demonstra interesse e pergunta: “Ele é lá do bairro da mocoquinha?”.

Enquanto ainda ajeita sua sobrancelha, conta que na noite anterior seus amigos insistiam para que ela ficasse, mas queria dormir. “Aquele lá cheira demais, eu não consigo acompanhar”, justificou. Então a da sacola conta qual será seu destino. Visitará seu homem na penitenciária e levará parte do seu afeto com a comida na sacola. Parece comida pra um mês. Voltam ao papo da cocaína, como se falassem de bananas. O senhor demonstra desinteresse pelo papo.

Não apenas ele, eu também. Olho quatro cachorros que interagem pela rua. Latem para chamar a atenção uns dos outros e exploram o espaço que dominam. Formam uma bela matilha, pela atitude e pela suas pelagens: um branco com manchas, outro bege, um preto e outro marrom. Liberdade. Abaixando a cabeça, observo o pé da mulata, que calça um chinelo que termina bem antes do fim de seu calcanhar.

O ônibus aponta, confiro o letreiro do destino e embarco.

A.A.N.

Março/2009

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