sábado, 25 de janeiro de 2014

Com Viver

Arte de Weberson Santiago


Gosto de conviver com gente que fala o que sente. Que sabe que existem emoções que não podem e não merecem ficar guardadas. Não falo do bobo ou do ingênuo, que revela segredos sem perceber. Não falo do linguarudo, que não sabe controlar a impulsividade e acaba falando o que não deve. Me refiro à pessoa transparente. Aquele que, se não expressa pela boca, fala pelo olhar. Prefiro gente que entrega seus verdadeiros motivos, mesmo que não exista em quem confiar. Gosto de conviver com quem não se esconde atrás da mentira.

Gosto de conviver com gente que não cobra uma excelência constante. Ser ótimo o tempo todo não é ser humano. Não gosto de conviver com quem quer que as pessoas se esforcem para tentar ter o controle total sobre tudo. Confio em quem, vez por outra, perde o controle, mas não perde o sentido da vida.

Gosto de conviver com quem perdoa o erro e com quem sabe reconhecer suas falhas. Quem pede desculpas já é obrigado a erguer a cabeça. Sendo desculpado, visualiza novas perspectivas obtidas a partir da aprendizagem que surge do erro. Não gosto de conviver com o orgulho. O orgulhoso é cabisbaixo. Fica olhando para o chão, preso no presente.

Gosto de conviver com o mau humor. Quando convivo com o mau humor, meu bom humor se torna mais necessário ainda. Mas tem uma única condição. Deveria existir um artigo no Estatuto dos Direitos Humanos: todo e qualquer indivíduo tem o direito de acordar mal humorado. Assim como deveria também existir um parágrafo neste artigo que proibisse o mau humor constante durante todo o dia. É insuportável.

Gosto de conviver com a gentileza. Um sorriso no rosto é uma arma que não mata, é uma arma que perfura o corpo, se aloja na alma e causa hemorragia de vida. Não há efeito capaz de multiplicar a gentileza tanto quanto um sonoro “bom dia”, um sóbrio “boa tarde”, um aconchegante “boa noite”. Não há nada mais alinhado do que um “com licença”. Não existe exemplo maior de elegância do que um “por favor” ou um “muito obrigado”. Gosto de conviver com que dá sinais de que não vive sozinho, que faz questão de mostrar que percebe o outro. Logo, não gosto de conviver com quem faz questão de mostrar que considera a existência do outro um incômodo.

Gosto de conviver com pessoas de valores positivos. Que extraem sabedoria das vivências, ao invés de ser apenas levados pela vida.

Gosto de conviver com quem divide seus medos. Aquele que divide suas inseguranças geralmente sabe dar e receber apoio dos outros.

Gosto de conviver com quem aceita seus próprios limites. Que sabe reconhecer os seus defeitos, mas não vive implicando com eles. Tenho novos dias para amenizar os meus defeitos. E se não os tivesse, não haveria desafio nesta jornada.

Gosto de conviver com quem aceita críticas, com quem é sensível ao efeito de suas atitudes nos outros.

Gosto de conviver com quem usa a culpa como um sinal de que deve mudar de atitude. E apenas como um sinal. Carregar a culpa nas costas não permite voltar ao passado e consertar o erro.

Gosto de conviver com quem alimenta os outros com ideias e sonhos.

Se eu não posso escolher todas as pessoas com as quais convivo, posso escolher o espaço que elas ocupam na minha vida. E este espaço é proporcional ao quanto eu gosto de conviver com o que a pessoa está disposta a me oferecer. Gosto de conviver com quem quer ir pra frente junto comigo.

UM CAFÉ E A CONTA!
| Gosto de viver, mas prefiro conviver. Sozinho nada tem graça.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 25/01/2014, Edição Nº 1286.

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