sábado, 11 de janeiro de 2014

A Danada da Preguiça

Arte de Weberson Santiago



O que eu vou revelar não pega muito bem. Não é bem visto neste mundo que defende a produtividade máxima. Lá vai a bomba:

Eu sou preguiçoso.

Achou pouco? Achou exagerada minha preocupação em revelar minha preguiça?

Então olhe comigo a definição do dicionário Houaiss para perceber o quanto este estado é considerado negativo: “1. estado de prostração e moleza, de causa orgânica ou psíquica, que leva o indivíduo à inatividade; desânimo, esmorecimento, indolência. 2. aversão ao trabalho; ócio, vadiagem. 3. falta de capricho, de esmero; negligência, desleixo. 4. falta de pressa ou de empenho; morosidade, lentidão”.

As definições do dicionário me soaram como críticas. Eu sou tão preguiçoso e, ao mesmo tempo, tão preocupado com a minha imagem que comecei a rebater as definições para me convencer que meu excesso de preguiça não faz de mim um traste.

Na minha rotina, com três trabalhos diferentes, me sobra pouco tempo para me prostrar ou ficar inativo. E por mais que a preguiça me tome por inteiro, não é tão forte que me leve à indolência. E se ela realmente fosse uma aversão ao trabalho, eu não teria três empregos.

Não sou corajoso o bastante para bancar a vadiagem. Ainda que carregue a minha preguiça na minha mochila todos os dias, não sou capaz de pedir para sair do capitalismo ou tentar lutar contra a globalização. Só de pensar em lutar contra a correnteza, me dá uma preguiça. Nadar a favor da corrente já dá tanto trabalho. Prefiro continuar do jeito que sempre foi: correndo para dar conta, mas cheio de preguiça.

De falta de capricho eu nunca sofri. Gosto de tudo bem acabado. As pessoas costumam dizer que as coisas que eu faço ficam com a minha cara, e eu acredito que isso é capricho. A preguiça que me acompanha não consegue ser maior do que minha preocupação em cuidar dos detalhes.

Agora, se tem uma coisa que eu não posso negar é a falta de pressa. O maior efeito colateral dessa minha preguiça é uma certa lentidão. Penso, repenso e falo com calma. Se não há prejuízo em amadurecer a tomada de decisão, não me verá atropelando a tudo e a todos. Eu não preciso contar até dez, minha preguiça conta pra mim.

Não pense que eu tenho paciência para a morosidade, minha preguiça nunca foi funcionária pública. Minha preguiça é parte da iniciativa privada, é financiada pelo meu trabalho. Por isso mesmo que ela me acompanha nos dias úteis.

Já impliquei com ela, já quis me livrar dela de modo mágico ou com algum esforço, mas não consegui. Resolvi ser cúmplice da minha preguiça. Aceitá-la como companheira desde o meu despertar até minha última obrigação.

Foi aí que ela revelou ser uma ótima parceira.

Quando terminam todos os meus compromissos, ela simplesmente desaparece. A hora que eu posso me jogar no sofá, ela me abandona, vai descansar. Aí eu procuro outra atividade pra fazer e permaneço na ativa. Quando chega o sábado, o domingo ou um feriado, eu acordo no mesmo horário dos dias úteis e me pego fazendo um monte de coisas. A diferença é que nestes dias eu escolho o que fazer.

A preguiça é um efeito colateral das obrigações que nos controlam e nos fazem deixar nossas vontades imediatistas de lado. A preguiça, na verdade, é um sentimento egoísta mimado. A preguiça é um prazer emburrado porque não foi satisfeito.

UM CAFÉ E A CONTA!
| Não fui eu quem inventou o ritmo no qual o mundo gira. Então, tenho o resto da vida para me acostumar com ele.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, primeiro caderno, p. 5 11/01/2014, Edição Nº 1284.