sábado, 8 de fevereiro de 2014

Uma Nota Melhor Como Prova de Amor

Arte de Weberson Santiago



Uma vez, logo no início do namoro, meu pai resolveu provar seu amor para minha mãe. Ambos tinham 14 anos. Minha avó era uma rígida professora da escola onde eles estudavam.  Aproveitou que a dona Rosa havia saído de casa, foi até os materiais de trabalho dela e retirou a caderneta da disciplina de trabalhos manuais, da turma em que minha mãe estudava.
Com cuidado apagou o valor e, imitando a letra da sua mãe, aumentou em um ponto a nota de sua namorada. Correu o risco de ser descoberto, mas queria que ela percebesse que ele correria riscos por ela. Não preciso dizer que ela considerou aquilo uma grande prova de amor.
A travessura adolescente foi revelada mais de quarenta anos depois. De início, minha avó pensou que fosse brincadeira. Depois que meu pai insistiu a autoria do feito, ela acabou dando risada da situação. Se ela tivesse descoberto a adulteração naquela época teria, no mínimo, lhe aplicado um castigo.
Eu sou professor há cinco anos em uma universidade. Há quatro anos passei a dar aulas pra Natália. Todos os semestres, com exceção de um, estive à frente da sua sala com alguma disciplina.
No começo, a Natália reclamava que tinha dificuldade de prestar atenção no conteúdo das minhas aulas. Quando ela percebia, estava prestando atenção nos meus gestos. Tentava ela se concentrar no que eu falava, logo se distraía com o movimento dos meus lábios ou das minhas mãos. Foi preciso um ano inteiro para ela conseguir ficar mais sob controle do conteúdo da aula do que do namorado sendo o seu professor.
Sempre me preocupei com o fato de ter entre meus alunos a minha namorada, hoje minha mulher. Temia que isso atrapalhasse o meu trabalho como professor. Nem sempre é fácil separar as coisas, mas sempre busquei evitar qualquer tipo de problema. Pensava que corria o risco de viver um mal entendido. Me imaginava sendo apontado diante da insatisfação natural de algum aluno com meu trabalho ou com uma nota que lhe dei.
Tenho regras rígidas sobre meu papel como professor e sobre as habilidades e competências que preciso desenvolver em meus alunos para que eles se tornem bons profissionais.
Em todo este tempo, nunca a favoreci com qualquer tipo de regalia por ser minha mulher. Não lhe dei nota além do que ela realmente conseguiu. Nunca lhe dei dicas de assuntos escolhidos entre a matéria para ser uma questão de minhas provas. Muito pelo contrário, talvez tenha sido até mais rigoroso em alguns momentos – e a vejo concordando com a cabeça quando estiver lendo isso.
Ainda assim, a Natália sempre teve um bom desempenho. Com isso, pude concluir duas coisas boas: durmo tranquilo por me manter fiel aos meus princípios e tenho um baita orgulho de que ela, sem qualquer tipo de favorecimento, tenha tido boas notas e nunca tenha ficado de exame ou de dependência em minhas disciplinas.
Existem tantas outras maneiras de provar meu amor do que facilitando sua vida acadêmica: preparando surpresas, dividindo planos de futuro e com declarações de amor. O que meu pai fez foi uma aventura de adolescente. Não pude e posso fazê-lo agora sem uma crise de consciência, sem se sentir culpado pela injustiça com as outras pessoas.
Meu pai me ensinou a dar provas do meu amor, mas primeiro me ensinou a importância da honestidade.

UM CAFÉ E A CONTA!
| É tão bom poder olhar pra trás e ter orgulho de uma trajetória.

Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, primeiro caderno, p. 2 08/02/2014, Edição Nº 1288.

2 comentários:

Augusto Amato Junior disse...

É verdade, você me fez lembrar de uma fase muito linda de nossas vidas de adolescentes.
Aí se a Rosa sonhasse com isso, teria me esfolado vivo. Vejo-o como professor com a mesma seriedade e conduta ética dela.
Fico muito feliz de, apesar de nossas falhas como pessoas humanas normais, termos formado um Homem de caráter e com muito amor no coração.
Amamos vocês.

Unknown disse...

Gostei do seu texto... nada como poder dormir tranquilo!
=)
Abraços!